Feb - 28 - 2014

Práxis, 26 de fevereiro de 2014         .

São Paulo.- As jornadas de junho de 2013 abriram um novo momento político onde a correlação de forças entre as classes, que era totalmente desfavorável para os trabalhadores com os pactos conservadores dos sucessivos governos petistas, começa a mudar. As manifestações com dezenas de milhares de pessoas não se repetiram no pós-junho, mas a radicalização política do descontentamento passou a ser cotidiana – segundo a própria polícia militar foram mais de 430 manifestações ocorridas em São Paulo desde junho.

O que esta para ser aferido é até que ponto o ascenso atual do movimento será capaz de superar definitivamente a situação reacionária que vivíamos nos últimos anos. Dizemos isso, porque não podemos afirmar com todas as letras que vivemos uma etapa totalmente distinta da anterior, ou seja, estamos em uma situação política que combina elementos de ruptura e conservação. Uma combinação de conservação do endurecimento do regime com uma explosão relativa da passividade das massas, dizemos relativa porque os batalhões mais pesados do movimento de massas e da classe trabalhadora ainda não saíram em cena, fator que serve como contenção para uma explosão popular mais profunda e abrangente, como as ocorridas em países vizinhos no início (Argentina e Bolívia) dos anos 2000 ou das rebeliões do Norte de África e da Europa a partir de 2011.

De maneira alguma queremos reduzir a dimensão política distinta aberta pelas jornadas de junho, ao contrário foram uma ruptura clara com a situação anterior e deve ser valorizada em toda a sua dimensão. Mas, caracterizar seus limites é fundamental para podermos ter uma política para definitivamente transitar do umbral de uma situação de pré-rebelião para uma rebelião com letra maiúscula que possa mudar totalmente a correlação política de forças. É importante dizer que esta situação de semi-rebelião – mediada estruturalmente pelas condições econômicas que se deterioram mas não chegaram ainda em uma crise aguda – vivida em solo brasileiro, corre perigos reais.

Desde junho o governo e a classe dominante têm trabalhado no sentido de reverter a situação política para o momento pré-junho, através de vários mecanismos. Em um primeiro momento o movimento sai vitorioso com a redução das passagens em mais de 13 capitais, mas como o movimento não se deteve ai e seguiu durante a copa das confederações, o governo tentou absorver a onda de protestos com a política diversionista do plebiscito, de reformas cosméticas no legislativo e da destinação do royalty do pré-sal para educação e saúde. Mas a energia política liberada em junho somada à crise dos serviços públicos, do sistema de transporte e o esgotamento do modelo econômico social-liberal da era Lula retroalimenta a situação política e as manifestações seguem praticamente cotidianas durante o segundo semestre do ano de 2013 e seguem perigosamente para o decisivo primeiro semestre de 2014.

Reação arma contra-ofensiva

É para esse ponto da nova situação política que a nosso ver temos que dedicar nosso esforço militante, pois estamos cada vez mais próximos de transcender efetivamente a situação reacionária anterior e, contraditoriamente, do perigo de uma derrota (ou de um conjunto de derrotas) que nos façam voltar à situação pré-junho. Como as tentativas de absorção da onda de indignação não têm sido efetivas, a aposta do governo federal e dos governos estaduais tem sido o endurecimento da repressão. Essa mudança de atitude se verificou durante toda a greve dos professores da rede pública municipal do Rio de Janeiro durante os meses de setembro e outubro, bem como a partir da dura repressão à passeata dos estudantes no dia 15 de outubro (Dia do Professor) em São Paulo, em defesa da greve dos professores, e pelo fora Alckmin (governador do Estado de São Paulo).

A mudança de atitude no planalto paulista se verificou na liberação do uso de bala de borracha, que havia sido proibida desde julho de 2013 e da prisão de dezenas de estudantes. Desde então assistimos um processo de endurecimento por parte do governo e dos patrões nos níveis da repressão policial direta e dos gastos exorbitantes com aparato repressivo, e das movimentações políticas para “sofisticar” o aparato legal contra a luta direta. Todo o aparato penal e a repressão policial que é usada para fazer a contenção dos pobres e negros nas periferias das grandes cidades, o que evidentemente envolve uma grande dose de ilegalidade, esta sendo usada para reprimir as manifestações. Isso se manifesta nas sete mortes desde as jornadas de junho, na sistemática agressão física com lesão permanente em vários casos, e nos milhares de detidos de maneira ilegal durante os últimos sete meses.

Com a morte do cinegrafista Santiago Andrade durante a manifestação contra o aumento das passagens de ônibus no dia 6 de fevereiro na cidade do Rio de Janeiro imediatamente se mobilizam todos os partidos da classe dominante para desengavetar o esdrúxulo projeto de lei antiterrorismo. Trata-se de um projeto que quer tipificar uma ação política que não existe em solo nacional com o objetivo de aprofundar a criminalização de qualquer manifestação de descontentamento social, tratando como terrorismo e endurecendo penas para “crimes” com 30 anos de reclusão para ações que causem “pânico generalizado”. É um projeto tão descaradamente reacionário que até o governo foi obrigado a intervir no sentido de que a formulação dessa lei não fosse tão escancaradamente anti-manifestações.

Junho trouxe como resultado indelével uma geração de jovens estudantes e trabalhadores que entram na cena política de forma vitoriosa com a redução do aumento das passagens. Se combina com esse dado político geracional um crescente descontentamento das massas, principalmente nas periferias das grandes cidades, com as suas precárias condições de existência (trata-se de um descontentamento com elementos de totalidade). Isso se reflete na não recuperação dos índices de popularidade do governo, que apesar de ter se recuperado, não voltou ao patamar de 65% de aprovação do período pré-junho.

É necessário se colocar à altura dos desafios atuais e romper com toda forma de acomodação

Entramos em um momento de definição. Manteremos um período relativamente longo de atividade política de rua das massas ou retornaremos para a situação reacionária pré-junho. Temos que encarar também o perigoso campo do imponderável: qual será o efeito da copa e das eleições de outubro para conter o descontentamento sócio-político atual. Não podemos dar uma resposta categórica a essa questão, pois acreditamos que os elementos que ora aparecem, combinadas na realidade política nacional, não manifestaram ainda todas as suas forças. Assim, a resposta concreta só pode ser dada pelo desdobramento da ação política que podermos presenciar nos próximos meses.

Por enquanto podemos afirmar que nas manifestações contra a copa em 2014, apesar da redução do número de participantes, o empuxo de junho está mantido. Não podemos deixar de considerar que são manifestações diretamente contra a copa do mundo de futebol (“paixão nacional”) e que, aqui temos um problema político a discutir no sentido de que é necessário construir eixos de mobilização que dialoguem mais amplamente com os trabalhadores, que mantém número considerável de participantes e o apoio de mais de 52% da população (dado do Datafolha).

Aqui entra o problema da ação política da esquerda, particularmente a esquerda que se coloca no campo revolucionário, pois estamos diante de possibilidades efetivas de mudanças políticas de fundo, porque não dizer históricas, e as maiores organizações da esquerda (PSOL e PSTU) que, mantendo uma combinação de eleitoralismo/economicismo, não têm política para que o atual movimento (aqui considerando as ações de rua e os movimentos de consciência política) supere limites que podem significar, se não resolvidos, terríveis retrocessos.

Não podemos deixar de citar, no limite dessa nota, que é fundamental encarar de maneira direta a ofensiva repressiva contra o movimento. É necessário hierarquizar esse tema e tomar medidas concretas para a que luta contra essa sanha repressiva e contra os gastos na copa (campanha que concentra os principais problemas políticos que a esquerda revolucionária deve encarar) seja tomada pelo conjunto da esquerda. Hoje, vergonhosamente, a organização da luta e convocação da luta eminentemente política no cenário nacional (contra os gastos na copa) foi delegada para os setores autonomistas e está submetida às táticas ultra-esquerdistas.

Sem romper com essa situação as forças repressivas terão condições muito mais favoráveis para impor o retrocesso à correlação de forças pré-junho. Por isso é necessário que a luta contra os gastos na copa deve ser tomada pelo conjunto da esquerda em frente única e em um fórum específico para isso, ou seja, é necessário construir concretamente um comitê unificado contra os gastos na copa para incorporar todos os setores independentes do governo e dos patrões. A resistência a ofensiva reacionária do governo Dilma e dos patrões dependerá da massificação das passeatas, para isso é necessário desenvolver uma política mais ampla de convocação com eixos políticos que atendam os interesses da maioria dos trabalhadores e da juventude no próximo ato contra os gastos públicos na copa.

Esse comitê unificado deve se colocar à altura da realidade e discutir, também, a autodefesa do movimento. Estamos em um momento que exige políticas concretas para esse tema. As correntes políticas que se colocam no campo do marxismo revolucionário não podem apenas criticar abstratamente as táticas ultra-esquerdistas como faz o PSTU. Em momentos de definição, como o que vivemos, é necessário ter uma perspectiva crítico-prática, ou seja, compreender as necessidades concretas da ação política das massas e fazer todos os esforços para estar à altura delas, e isso passa pela discussão consciente de como, de acordo com as condições reais do momento, organizar a defesa do movimento contra a repressão policial.

Derrotar a contra-ofensiva patronal para impor a Dilma as demandas dos trabalhadores e da juventude

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