Jun - 17 - 2014

A abertura da copa do mundo foi um momento muito esperado, pois seria de definição sobre o quanto o “clima da copa” pegaria na população e também sobre o desdobramento desse evento na situação política mais geral do país, o que na verdade só poderemos definir com os futuros desdobramentos.

Em relação ao contexto político que permeou o evento, tais como as críticas aos investimentos públicos astronômicos em detrimento dos urgentes gastos nos serviços sociais (saúde, educação e transporte), deslocamento de populações, subservilismo do governo, autoritarismo e monopólio econômico das empresas ligadas à FIFA, já se sedimentou certo debate que convenceu muitos setores de que os gastos se justificam e não são tão grandes como dizem os críticos.

Evidente que este debate não terminou e após o evento o discurso de que os gastos não são tão exorbitantes e de que haverá um importante legado para a população no pós-copa tende a cair por terra. O que estava então por ser testado era a intensidade dos conflitos que ocorreriam na abertura da Copa, como se daria o inevitável choque entre os setores da classe trabalhadora que estão à frente das lutas do último período (setores sindicais independentes do governo e a juventude) e o bloco da classe dominante, que esta contando com uma burguesia que se alinhou totalmente com o governo para garantir a realização do campeonato a qualquer custo.

Não predominou o espírito de festa

Apesar da campanha uníssona para que a população encarnasse o clima de festa e todas as formas de apelo cívico, ainda havia dúvidas sobre a adesão popular há poucos dias da realização do evento. O “clima social” não estava garantido dias antes da abertura e isso se manifestava não apenas em pesquisas de opinião pública, que demonstravam que quase metade da população estava contra o evento, mas também na paisagem urbana com rarefeitas demonstrações de torcida e até no comércio de bugigangas, como camisetas, cornetas e bandeiras.

O que garantiu o clima de terror necessário para arrefecer o clima de descontentamento que nem a “paixão nacional” tem sido capaz de arrefecer foi a presença ostensiva das forças repressivas na rua. Configurou-se um sinistro cenário para tentar impor o silêncio diante de uma situação social e política de crescentes desigualdades sociais, perdas salariais, demissões na produção e cortes de gastos nos serviços públicos. Cenário que se pretendia esconder através do uso da mais dura coerção, pois a tentativa de convencimento ideológico e de contenção através de cooptação não se demonstra totalmente eficiente.

Na manhã do último dia 12 o clima era de tensão. Nas imediações do cordão industrial do ABC paulista se via poucos sinais de euforia futebolística, isso se verificava no percurso para a até a estação ferroviária de Santo André e dessa até a estação Brás no centro de São Paulo. Apenas se identificava passageiros com indumentária verde e amarela na linha de metrô que leva até o estádio de Itaquera.

Durante o dia o clima de festa só foi se armando com a forte presença de turistas e com a mobilização dos poucos que puderam comprar o ingresso para assistir a copa no “Itaquerão”. Por outro lado, se via desde as primeiras horas da manhã a cidade de São Paulo e outras capitais um verdadeiro estado de sitio montado pelas forças da repressão. A situação de exceção foi tão estendida que o DEIC chegou a fazer diligencias a casas de manifestantes pretensamente identificados com a tática Black Blocs com vista a encontrar provas para deter ativistas. Além da presença ostensiva de todas as divisões da polícia militar e civil, as forças armadas também estavam na rua.

Não se entrega adversários políticos para a repressão

A decisão política do estado (Dilma, Alckmin e toda a maquinaria repressiva do estado burguês) era não apenas de impedir a qualquer custo que as vias de acesso ao estádio da abertura da Copa fossem tomadas pelos manifestantes, mas também implementar o terror para que a manifestação durante o dia não se ampliasse, fazendo assim com que a “ordem” se impusesse frente às manifestações.

Na estação de metrô da Vila Carrão o ato Não vai ter copa nem se instalou, pois os manifestantes foram previamente atacados pela polícia. Os ativistas a partir daí se deslocaram para o ato em frente ao Sindicato dos Metroviários próximo ao metrô Tatuapé. Já no ato Na copa vai ter luta, Com foco na readmissão dos 42 metroviários, que contou com a presença aproximada de dois mil manifestantes, cordões da policia militar impediam o avanço da manifestação para a Avenida Radial Leste (principal via de acesso ao estádio de abertura).

A direção do ato, após uma longa indecisão política, definiu que a manifestação seria realizada em frente à sede do Sindicato dos Metroviários. Porém, a sanha repressiva do estado – que já havia iniciado a repressão em frente ao metrô Carrão sem que sequer o ato tivesse se iniciado -, não iria parar de reprimir até tirar todos manifestantes da rua por meio de toda forma de violência (bombas de gás, bala de borracha, prisões, e ameaças). Como resultado da repressão policial tivemos dezenas de feridos, detidos, além de repórteres da imprensa internacional, como a jornalista da CNN.

Mal havia começado a manifestação em frente ao sindicato, um ônibus da Tropa de Choque deslocou-se para a outra ponta do ato com a clara intenção de cercar os manifestantes pelo outro lado e desferir uma repressão sem trégua. Diante disso, alguns setores começaram a incendiar sacos de linho com o objetivo de improvisar alguma resistência. A partir daí, a polícia passou então a cumprir a ordem de reprimir a manifestação da forma mais covarde possível. Diante de uma correlação de forças totalmente desfavorável para enfrentar a repressão diretamente, a direção do ato (PSTU e PSOL) propôs que se recuasse para dentro da sede do sindicato.

A nosso ver não estavam dadas condições para conter as forças repressivas, mas um sério problema político se estabeleceu desde então. Em meio à férrea repressão nas duas extremidades do ato – em uma rua em que os manifestantes não tinham rota alguma de fuga – a “grande decisão tática” do PSTU foi fechar os portões do sindicato para que quem quisesse participar do ato ficasse do lado de dentro em segurança, os “demais” que quisessem resistir à repressão que ficassem do lado de fora sem ter chance alguma de fuga diante da repressão. Essa linha política que se tivesse sido imposta poderia ter causado uma verdadeira carnificina.

Imediatamente, ativistas organizados e independentes identificaram nessa política uma ação que tinha por objetivo isolar os militantes do PSTU e do PSOL dos Black Blocs e dos demais que estavam resistindo, ou seja, como uma espécie de vingança burocrática contra aqueles que se colocaram a montar as “barricadas” para deter o Choque. O problema de fundo é que mesmo que a repressão houvesse agido em resposta à ação de um setor dos manifestantes – o que não se deu, pois a repressão era uma tática pré-definida e que mediante qualquer resistência seria levado a cabo -, não se justificava isolá-los dos demais, pois a consequência seria entregá-los de bandeja para a repressão.

Não temos, em absoluto, nenhum acordo político com a tática Black Bloc. Trata-se de um setor que reflete o profundo processo de despolitização vivido nas últimas décadas e que também não transcendeu suas origens de classe – notadamente a classe média decadente – acaba “reinventando” o substituismo político[1] que fracassou rotundamente durante o século passado.

Temos que fazer uma discussão política muito dura e não permitir em hipótese alguma que imponham os seus métodos ao conjunto do movimento. Mas a atitude de isolá-los mediante a repressão significava uma medida totalmente burocrática, digna das expressões mais medonhas da burocracia estalinista. Essa postura da direção do PSTU é uma vergonha e intolerável vindo de um setor que reivindica a tradição solidária e heroica do trotskismo. Assim, não tivemos acordo com a linha absurda de fechar o portão do sindicato e fizemos parte ativa dos setores que estavam por manter o portão aberto e defender esses companheiros da repressão.

Resistência continua durante a Copa

Ninguém em sã consciência acreditava que as manifestações previstas para a abertura da Copa poderiam inviabilizar o seu início, principalmente após o recuo de setores que protagonizaram lutas importantes no último mês. Por um lado, tivemos o acordo feito com a direção do MTST para que suspendessem os protestos em troca da concessão da área ocupada em Itaquera e a inclusão no programa Minha casa, minha vida, o que consistiu em uma terrível capitulação política da direção do MTST. Por outro, a derrota da greve dos metroviários que terminou na demissão de 42 trabalhadores e a decisão na assembleia do dia 11 de junho de não manter a greve esvaziou as condições políticas para que se pudessem realizar ações mais contundentes.

Fica claro, porém, para aqueles que presenciaram outras Copas que a empolgação popular está à meia bomba, ou seja, muito longe do que foi em outros mundiais. A imprensa dominante tem se esforçado em demonstrar que a população entrou no clima da copa, mas consegue mostrar no máximo a animação alcoólica dos milhares de turistas com algum poder de consumo que estão no Brasil.

São improváveis (não impossíveis) ações massivas dentro da conjuntura que possam ameaçar a realização de alguma partida. A deterioração das condições de vida e o desgaste político com governos em todos os níveis realimentam ações e a insatisfação popular, desta forma, apesar de a copa ser um elemento importante de contenção social, continuaremos verificando durante todo o evento uma série de conflitos. Assim, longe do que pretendia governo e patrões, as manifestações durante o dia 12 de junho demonstram que permanece na realidade grande potencial de explosão política que se manifestará em greves – como a dos rodoviários que semiparalisou Natal (Rio Grande do Norte) antes do jogo entre México e Camarões -, e várias outras formas de lutas durante e depois da Copa.



[1] Ou seja, em vez de lutar para que o conjunto do movimento se eleve à uma disposição de enfrentamento político- social superior querem impor suas táticas à maioria.

Práxis, 15/06/2014 - http://praxisbr.blogspot.com.ar

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