Oct - 15 - 2014

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No dia 26 de outubro ocorrerá a votação do segundo turno para o cargo de presidente da república. Essa eleição é, de longe, a mais importante desde 2002, quando Lula derrotou José Serra no segundo turno, vitória petista que vem sendo repetida nas três últimas eleições presidenciais. Estamos diante de uma definição política eleitoral muito importante, pois a forma como a classe trabalhadora e a juventude encararão o próximo governo e suas políticas de ajustes, petista ou tucano, irá definir os rumos políticos do país.

Candidatura de Marina não se sustentou

O resultado das eleições de 5 de outubro confirmaram a velha polarização entre PT e PSDB. Dilma Rousseff alcançou 41% (5 milhões de votos a menos do que em 2010, o pior resultado desde 2002), Aécio Neves 33% (1 milhão de votos a mais do que José Serra em 2010) e Marina Silva21% (2 milhões a mais do que em 2010).Esse resultado deixou atordoado analistas, pois nem o mais otimista tucano ou pessimista marinista imaginaria que Aécio iria superar Marina e chegar ao segundo turno de forma tão contundente.Até as vésperas da eleição todos os institutos de pesquisa davam que o segundo turno seria disputado por Dilma e Marina. É verdade que se identificava uma curva descendente na candidatura de Marina, porém o mais “lógico”, apesar do crescimento do candidato tucano na última semana antes da eleição, era que a polarização entre PT e PSDB não se repetiria na eleição presidencial desse ano.

A ascensão meteórica de Marina –após assumir a candidatura à presidência no lugar do falecido Eduardo Campos –, colocando-a em empate técnico com Dilma,perdeu o fôlego de maneira inimaginável. Marina teve a sua candidatura, como se costuma dizer no jornalismo político, “desidratada”, recuou ao terceiro lugar com 21% dos votos, praticamente o mesmo patamar eleitoral de 2010 quando foi candidata pelo PV.A candidata da frente PSB/Rede conseguiu, inicialmente,capitalizar eleitoralmente parte da onda de descontentamento popular iniciada em 2013, onda que clama por mudanças na condução política do país – mais de 70% do eleitorado se posiciona por mudanças –, mas sua popularidade não resistiu quando as propostas centrais do seu programa eleitoral foram denunciadas pelas campanhas adversárias.

Marina, para aparecer como síntese que superava a polarização eleitoral histórica entre PT e PSDB, elaborou um programa-arremedo entre as propostas petistas e tucanas. Programa que era um amálgama entre políticas neoliberais, preservacionistas liberais e de ampliação de políticas públicas; entre elas estava a autonomia do banco central, por exemplo.O ataque da campanha petista a esse ponto do programa foi eficiente, pois ficou evidente para o eleitorado que quer mudanças, que Marina não poderia levar a frente nenhum projeto progressista. De outro lado, a campanha tucana de que Marina era continuidade de Dilma por sua história serviu para convencer o eleitorado de perfil mais conservador de que a única candidatura que poderia cumprir o papel de realizar políticas de ajuste conservador seria a do PSDB.

A eleição no primeiro turno refletiu o desgaste do governo petista, a estagnação econômica e a nova situação política nacional. Depois da onda de junho/2013 Dilma não conseguiu recuperar totalmente sua popularidade, o que contribuiu, somado as condições de econômicas e as denúncias de corrupção, para uma votação inferior ao primeiro turno de 2010.

Sectarismo de parte da esquerda paga seu preço

A votação da esquerda nas eleições foi contraditória. Por um lado tivemos o péssimo desempenho de Zé Maria (PSTU), que obteve 0,09% dos votos, praticamente a mesma votação de 2010. Por outro, a boa votação de Luciana Genro (PSOL), que chegou a 1,55% dos votos, dobrando a votação de 2010.Além do êxito na disputa presidencial, o PSOL conseguiu ampliar a bancada de deputados federais, de 3 para 5 deputados, e as bancadas estaduais, de 5 para 12 deputados.

Apesar do PSOL ter uma linha política oportunista, conseguiu durante os debates colocar-se como oposição de esquerda ao governo Dilma e introduzir demandas importantes para a classe trabalhadora e para os oprimidos, o que lhe permitiu galvanizar eleitoralmente parte do descontentamento à esquerda com a situação política nacional.

Já o PSTU sofreu uma categórica derrota eleitoral devido a sua tática política desastrosa. A política dessa organização, como já vimos colocando em outros textos, apesar de certa acumulação construtiva e uma relativa inserção sindical, tem se demonstrado desastrosa. Após junho de 2013 não compreendeu ainda que o momento da luta de classes no Brasil exige politicas permanentes de frente única, tanto dos trabalhadores e da juventude em luta, quanto da esquerda.

Ao não compreender isso acabou tendo uma tática eleitoral sectária, ou seja, não lutou pela construção de uma frente nacional eleitoral de esquerda com o PSOL e PCB que contasse com o apoio do ativismo classista; uma frente armada com um programa anticapitalista e que fizesse uma campanha diretamente ligada às lutas. Esse armamento político poderia permitir a esquerda um espaço político muito maior do que o obtido por Genro durante os debates televisivos, pois daria a esquerda um lugar para disputar politicamente a onda de descontentamento. Além, é claro, de permitir que essa organização tivesse um resultado eleitoral muito melhor do que a pífia votação de Zé Maria.

Lutas pós-eleição definirão correlação de forças

A onda de junho/2013, além de propiciar uma vitória imediata para a juventude através da redução em todo o país das passagens de ônibus, conseguiu durante algumas semanas mudar a correlação política de forças e deixou no pós-junho para um setor mais amplo das massas a consciência política de que é possível lutar e vencer. Isso se reflete nas greves radicalizadas dos garis do Rio de Janeiro, na greve nacional dos rodoviários e de outras categorias profissionais, na onda de ocupações dos trabalhadores sem-teto e nas revoltas dos bairros periféricos e das favelas diante da violência policial.

A classe dominante e o governo têm atuado para reverter essa situação. Desde junho uma série de ataques – prisões, legislação antiprotesto, multas milionárias contra sindicatos independentes, demissões de grevista e ativistas, militarização das ruas e etc. –, estão sendo realizados contra a luta dos trabalhadores e da juventude.A derrota da greve dos metroviários de São Paulo e a imposição do estado de sitio durante a Copa do Mundo foram momentos muito desfavoráveis para a luta direita dos trabalhadores e da juventude. Estamos diante da necessidade de caracterizar qual é o saldo político do último ano: permanecemos em uma situação de maior disposição de lutas ou a situação política foi revertida e voltamos a patamares anteriores a junho/2013? Em nossa opinião essa pergunta não pode ser respondida ainda.

De um lado, não se repetiu ainda manifestações massivas, como a de junho e houve uma contraofensiva política brutal do governo e da classe dominante. Mas, de outro, existem expressões, apesar da capitalização pela direita de parte importante do descontentamento com o governo, de que há disposição de luta e o ganho de consciência classista não foi revertida a patamares anteriores. Isso pode ser visto na disposição de enfrentamento demonstrada na greve dos trabalhadores da USP, nos enfrentamentos urbanos cotidianos e até mesmo na expressiva votação de Luciana Genro.

A situação econômica do Brasil é de recessão, na mais recente previsão do FMI o país crescerá 0,3% esse ano. Dessa forma, qualquer uma das candidaturas a presidência que sair vitoriosa do segundo turno irá aplicar uma política de ajustes, com aumento generalizados de tarifas, cortes de gastos nos setores públicos, arrocho salarial dos servidores públicos e redução do salário mínimo.A nosso ver a prova da luta de classes que definirá a situação política nacional será a forma como a classe trabalhadora irá se colocar diante dos ajustes que ocorrerão após as eleições. Assim, o nível de enfrentamento da classe trabalhadora diante desse pacote de maldades e o resultado dessa possível luta é que irá definir a situação política do próximo período.

Podemos considerar que a greve citada foi a primeira derrota sindical com repercussão nacional e que a unificação da classe dominante em torno da realização da Copa, permitindo que se realizasse sem grandes manifestações, marcaram uma conjuntura desfavorável. Se os próximos enfrentamentos não forem favoráveis aos trabalhadores, a situação política pode recuar a situação pré-junho, ou seja, de defensiva categórica das massas. Certamente, os enfrentamentos que ocorrerão contra os ajustes após as eleições serão decisivos para definir a situação política. Assim, apesar da contraofensiva burguesa, ainda vivemos sob o signo de Junho/2013 e batalhas decisivas ainda terão que ser dadas antes de definir se a semirebelião popular de junho está mantida ou se houve um recuo categórico.

Eleições e o desenvolvimento da atual situação política

A atual situação coloca uma série de interrogantes sobre a futura dinâmica política nacional. Se Dilma for derrotada teremos a quebra do pacto governamental constituído a partir de 2002, pacto este que, apesar da sua atual crise, conta com o apoio de setores importantes da burguesia, sindicatos e o setor mais pauperizado do proletariado. Trata-se de uma concertação política que tem sido eficiente para conter a mobilização de setores de massa, isso ao menos até junho de 2013, quando uma onda de indignação sacudiu a anterior situação de passividade das massas.[1]

A vitória de Aécio colocaria no governo uma frente política distinta. Aécio tem atraído principalmente o apoio do setor financeiro, imprensa e da classe média alta, mas para ganhar tem que fazer concessões políticas para disputar com o Dilma o apoio do “subproletariado”, como a proposta de transformar o bolsa família em lei e propostas como a demarcação de territórios indígenas, para atrair setores sensíveis a causas sociais[2]. Diferentemente de Dilma, um eventual governo tucano não contará diretamente com o apoio de todas as centrais sindicais importantes e com o apoio do proletariado mais empobrecido. Por outro lado, o setor financista, o industrial que tem rompido com o petismo e a classe média urbana descontente tentará construir em torno de Aécio uma frente para que esse garanta ajustes voltados para uma situação de maior “competitividade nacional”.

É claro que são candidaturas com perfil político distintos. Aécio (e o PSDB) atende diretamente aos interesses do setor financista, das transnacionais e da burguesia sócia menor do capital internacional que quer ver efetivar seus ganhos com a menor interferência possível do governo. Já Dilma (e o PT) apesar de atender aos interesses da classe dominante como um todo – isso ficou mais do que claro durante os doze anos de governos petistas – precisa, para manter o seu projeto de país, manter certa independência do imperialismo e atender a sua base de sustentação popular realizando interferências muito pontuais na lógica do mercado.

Posicionamento eleitoral deve armar para a luta

Qualquer uma das duas candidaturas após o segundo servirãopara criar condições mais favoráveis aos negócios capitalistas e desenvolver políticas contra os interesses dos trabalhadores e da juventude.Não é verdade que em um segundo mandato de Dilma as condições para a resistência serão mais favoráveis. Basta ver como os governospetistasvêm se comportando nos últimos anos, ou seja, invariavelmente atuam no campo da repressão direta e indireta às lutas dos trabalhadores e da juventude.O exemplo mais recente de que governos do PT estão anos luz de serem governos dos trabalhadores foi a instauração do semiestado de sitio durante a Copa do Mundo, quando Dilma e todos os governadores dos distintos partidos da burguesia atuaram na mais estreita colaboração para anular a ação do movimento de luta por direitos sociais.

Existe o argumento de que mesmo assim nos governos do PT podemos ter conquistas, como o programa Bolsa Família, e, por isso, mesmo com todas as contradições, temos que eleger Dilma. Esse argumento não se sustenta porque as políticas de compensação social que marcaram os governos do PT só foram possíveis pela situação de descontentamento generalizado com os anos de neoliberalismo com o PSDB a frente do governo federal. A pressão político-social por mudanças, combinada ao crescimento econômico internacional e o aumento das exportações e do mercado interno, permitiram ao governo deslocar uma pequena parte da renda nacional para políticas sociais. Esse foi o “milagre” que permitiu retirar parte importante da população da extrema miséria e não o “virtuosismo político” de Lula ou do PT, como os seus ideólogos querem fazer crer.

Não queremos com isso dizer que Dilma ou Aécio à frente do governo federal são o mesmo. Como apontamos acima, existem diferenças políticas entre os dois candidatos, diferenças políticas e de composição social, mas essas diferenças não justificam dar a nenhuma das duas candidaturas nenhum apoio político. Os setores da esquerda que, pretensamente para combater a direita, chamam o voto em Dilma capitulam totalmente diante da pressão político-eleitoral. Em nome de diferenças políticas secundárias desconsideram que é fundamental que a classe trabalhadora desenvolva uma política independente diante de partidos ligados aos interesses da classe dominante, mesmo que esse ainda tenha um verniz popular, como é o caso do PT.

O caso mais evidente de capitulação é o protagonizado por Luciana Genro e a direção nacional do PSOL que defendem de forma envergonhada o voto em Dilma ao orientar que seus apoiadores votem “branco, nulo ou em Dilma”. Esse posicionamento, além de desarmar a classe trabalhadora e a juventude para a luta que inevitavelmente ocorrerá contra qualquer um dos dois candidatos no períodos pós-eleição, joga pela janela os milhares de votos claramente à esquerda obtidos por essa candidatura.

Chamamos o voto nulo e a unidade para lutar

Nós nos posicionamos de forma distinta. A experiência que se poderia fazer com o PT no governo tem sido feita desde 2002, e revela categoricamente que não atende aos interesses dos trabalhadores e da juventude.Ao contrário, o PT e seus governos, desde o primeiro mandato de Lula, têm desenvolvido políticas que não atendem aos interesses dos trabalhadores. Basta ver que mesmo reformas sociais básicas, como reforma agrária, moradia ou transporte, estão longe de serem prioridades dos governos petistas.

São governos que têm gestões políticas para atacar os interesses dos trabalhadores, como a reforma da previdência, que favoreceu o capital financeiro através dos fundos de pensão, a política fiscal que favorece o grande capital, as concessões privadas e etc.

Chamar o voto em Dilma significa criar a ilusão de esse governo em seu segundo mandato não irá atacar os trabalhadorese a juventude – como o fez em 2003 na reforma da previdência – diante da estagnação econômica. Na verdade, toda a sua política será voltada para criar melhores condições de exploração para o grande capital, assim pacotes e mais pacotes de ajustes econômicos, fiscais e trabalhistas serão feitos para isso.

Entraremos após a eleição em um período de definições políticas de longo prazo. A luta de classes do último período e as eleições demonstraram o quão é imprescindível a frente única para lutar contra os patrões e seus governos. Nós, que no primeiro turno chamamos o voto em Zé Maria (PSTU) por ser uma candidatura independente dos patrões e do governo, apesar das diferenças política que temos com essa organização, diante de candidaturas que representam os interesses da classe dominante mantemos a nossa posição de independência de classe e chamamos todos os trabalhadores e jovens a votar nulo no segundo turno, e,além disso, desde já, afirmamos que todas organizações da esquerda independente devem iniciar um trabalho sistemático de preparação da resistência aos ataques que se seguirão após as eleições.

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[1] Tal concertação política, que levou ao governo federal o PT, conta com a participação dos aparatos sindicais mais importantes do país e com o apoio e colaboração da inteligência de esquerda. Esse pacto colocou em prática uma agenda baseada em políticas macroeconômicas neoliberais combinadas com a ampliação das chamadas políticas públicas, como a bolsa família, por exemplo.

[2] Concessões políticas que permitiram o apoio de Marina a sua candidatura.

Declaração Práxis, 15/10/2014

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