May - 2 - 2015

.

  1. APRESENTAÇÃO

A expectativa alimentada de que um governo do Partido dos Trabalhadores (PT) pudesse combater as profundas desigualdades sociais, fazer reformas estruturais ou, ao menos, abrir caminhos neste sentido, foi durante estes doze últimos anos frustrada. No entanto, estes governos não foram de pura e simples continuidade dos governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso (FHC), pois apesar de manterem o balizamento neoliberal, ampliaram políticas de compensação social que amenizaram a miséria de milhões de pessoas. De outra forma, não poderíamos entender a razão pela qual o país foi mergulhado na mais profunda estabilidade política. Porém, os benefícios que o capital obteve em relação às políticas de compensação social são muito maiores.[1]

Durante uma década a política saiu das ruas e foi transferida para o interior dos gabinetes nos quais os operadores políticos do lulismo foram os protagonistas. Mesmo em momentos de crise política que questionaram a legitimidade do governo – como foi o caso do “mensalão” – as massas populares se resignaram a acompanhar a movimentação política pela televisão. Vivemos, ao menos, dez anos em uma situação política que contou com elementos reacionários. Este cenário irá se alterar totalmente a partir das intensas mobilizações no mês de junho de 2013 (Jornadas de Junho) na qual a repressão à luta da juventude pelo passe livre detonou uma gigantesca onda de indignação popular que foi capaz de alterar a correlação de forças entre as classes, abrir caminho para a radicalização de outros setores sociais com outras bandeiras e que, a partir da disputa eleitoral de 2014, conseguiu estabelecer uma polarização política não vista desde os anos 1990.

Até a explosão de indignação popular vivida em junho de 2013, este jogo político foi extremamente eficiente para arrefecer a disposição de luta dos trabalhadores, finalizar o processo de degeneração dos aparatos sindicais e populares construídos na década de 1980, tirar, de certa forma, da cena política tanto a classe operária (e seus métodos de luta), quanto a perspectiva de que só se pode pensar em transformação social enfrentando os interesses da classe dominante. Ou seja, o lulismo, o PT, a CUT e congêneres cumpriram papel decisivo no retrocesso da consciência de classe que foi largamente construída durante as décadas anteriores.

Buscaremos polemizar neste trabalho com os autores que caracterizam o lulismo como governo de frente popular ou como uma forma qualquer de revolução passiva. Esse olhar enviesado que perpassa várias correntes – dentro e fora da academia – tem levado um leque grande delas a se equivocarem politicamente, equívocos que tem trazido uma série de prejuízos à esquerda. Ao contrário de países como Bolívia ou Venezuela, que no início do século XXI passaram por grandes ondas de lutas contra o neoliberalismo e que geraram governos aos quais podemos considerar como de frente popular ou similares a revoluções passivas, houve no Brasil um arranjo político entre o PT e um setor da burguesia para arquitetar um pacto político que servisse como uma manobra preventiva a um possível processo de levante popular.

A perda de uma tomada analítica mais abrangente deste fenômeno, ou seja, de que o lulismo seria uma espécie de governo pós-neoliberal, de frente popular ou revolução passiva tem gerado caracterizações que consideramos afastadas da realidade e que têm influenciado de forma negativa na linha política de muitas correntes. Neste sentido, faremos um percurso analítico de demonstração deste aspecto de apontamentos críticos de que o lulismo não se trata de uma frente popular e nem de uma revolução passiva. Em que significaria, para tanto, uma forma de governo extremamente instável, no primeiro caso, ou de um governo que levasse a cabo por cima mudanças estruturais, no segundo caso.

A nossa hipótese é a de que estamos diante de um governo de coalizão preventivo, ou seja, um governo burguês que tinha no seu núcleo principal um setor da burguesia nacional, isto é: a burocracia lulista, seu aparato partidário, sindical e popular e o apoio eleitoral das massas mais pauperizadas. Governo de coalisão preventivo, pois se antecipa ante à possibilidade de uma onda de indignação popular similar conforme ocorrida em países vizinhos. Nesse sentido, articula as políticas neoliberais com políticas de compensação social, o que lhe aufere enorme popularidade e garante um longo período de estabilidade política. Estamos agora em um momento onde o pacto social construído a partir de 2002 entrou em crise orgânica. Ademais, porque a aliança governamental com a burguesia nacional passa a ter o apoio progressivo dos demais setores dessa classe, do apoio da classe trabalhadora industrial e, a partir de 2006, do apoio explícito do subproletarado (setor mais empobrecido do proletariado) que votava tradicionalmente nos partidos tradicionais da burguesia.

Com o advento da crise econômica de 2008, com o fim do ciclo mundial da alta de commodities e a retomada do movimento de massas a partir de junho de 2013, esse pacto entrou em crise terminal. Isso se manifestou na reeleição apertadíssima de Dilma (PT), que ganhou por uma margem estreita de votos, superior em 3,28% com relação a Aécio Neves (PSDB). Nesta eleição ainda, perdeu parte significativa de sua base eleitoral, os trabalhadores assalariados das regiões proletárias de todo país. Desta maneira, a crise profunda do pacto lulista se manifesta não apenas de forma eleitoral, pois existe uma crescente polarização social na qual a burguesia quer construir outro patamar de governabilidade, que lhe permita retomar as margens de lucro obtidas no último período, enquanto, por outro lado, a classe trabalhadora e os setores médios da sociedade não querem perder conquistas como o baixo índice de desemprego, o aumento da renda do salário e as políticas públicas de compensação social. Por isso, entramos em uma fase na qual a polarização de classe vista nas manifestações de junho de 2013 tende a voltar à tona. É isso o que indica as recentes greves contra demissões em massa em importantes montadoras do Brasil como a Volkswagen, em São Bernardo do Campo, e a General Motors, em São José dos Campos.

A título de apresentação, este artigo está organizado da seguinte forma: (2) relato da configuração do lulismo; (3) o pacto e principais políticas; (4) críticas as caracterizações correntes; (5) a definição do lulismo; (6) luta de classes neste período; (7) políticas da esquerda frente à falência do pacto lulista.

  1. DA LUTA CONTRA A DITADURA MILITAR À CONSTRUÇÃO DO PT

O Brasil, bem como os países América Latina, é «fundado» sob o signo do trabalho escravo a serviço da acumulação estrangeira.[2] Intercalaram-se ciclos econômicos, como o do ouro, da pecuária, da mineração, do café, da borracha, voltados para a exportação, mas a estrutura produtiva continuou a mesma até o final do século XIX. A ruptura com esse modo de produção se estendeu até o final do século XIX e foi abolida de forma a manter um imenso contingente na situação de marginalidade social, o que para a indústria nascente que se dedicava ao processo de beneficiação do café para exportação foi extremamente vantajoso. A industrialização deve-se também a fatores exógenos, tais como a primeira guerra mundial em 1914 e a crise econômica de 1929. A guerra afetou a produção de bens, pois a indústria na Europa volta-se para a produção militar, o que obriga o Brasil a substituir as importações pela produção local. Depois o crash de 1929 derruba brutalmente o preço do café, que era o principal produto de exportação no mercado mundial.

O Brasil passa por intensa industrialização e urbanização no período de 40 anos. A industrialização, a formação do estado moderno e a urbanização mudam velozmente a fisionomia das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O período de 1940 a 1980 foi marcado por uma profunda transformação na qual o emprego industrial e na máquina pública cresceram 423% e 526%, respectivamente. O crescimento ou a industrialização não são fatores que em si atenuam a pobreza ou a desigualdade, mas podem, por outro lado, até ser fatores de ampliação das mesmas, conforme observado por pensadores como Celso Furtado. O dito subdesenvolvimento brasileiro e suas desigualdades regionais, longe de ser uma etapa necessária para o pleno desenvolvimento capitalista, reflete o lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho e os interesses das classes dominantes locais.

Essa desigualdade sempre foi funcional para o capitalismo semicolonial brasileiro. A lavoura arcaica amplamente presente em nosso território contribuía para baixar o custo da força de trabalho urbana que, por sua vez, era revertido em lucro e transferência de lucro no caso das empresas transnacionais (Oliveira, 2013). No mesmo sentido, podemos destacar que o emprego na indústria, serviços e administração pública beneficiava o lado patronal e estatal pela ausência de formalidade no vínculo empregatício, e esta informalidade evidentemente significava uma redução significativa no custo dessa mão de obra empregada.

Isto corroborava, portanto, que na economia do mundo existem padrões de desenvolvimento distintos entre os «países centrais» e os «países periféricos» e uma divisão mundial do trabalho que insiste em manter o grupo dos países periféricos como produtores e exportadores de mercadorias de baixo valor agregado. E é desta constatação que decorre a importância de pensarmos brevemente a história do movimento operário a partir da década de 1940.

Assim sendo, podemos começar nossa exposição a partir da migração nordestina, que povoou a indústria da construção civil e que, dada a industrialização acelerada e a falta de mão de obra especializada, acabou em parte tentando se inserir na indústria metalúrgica e química.

Após isto, já na década de 1940, ocorre um processo de urbanização acelerado. Este é o período de formação do nosso «fordismo tardio», constituído pela acelerada e caótica urbanização e pelo grande fluxo migratório. Tal período pode ser caracterizado, além disso, por uma forma de controle político em que se destaca o populismo, que vai até 1964, quando essa forma de controle político dá lugar ao controle autoritário inaugurado pelo golpe militar.

A nova classe operária que se estabelece nesse período, por sua vez, é plasmada no processo de industrialização e urbanização acelerada. Esse jovem operariado industrial, devido às terríveis condições de trabalho e também pelas novas condições de trabalho coletivo, não tardou em demonstrar a sua inclinação para a luta sindical e em desafiar a estrutura política fundada no populismo (Braga, 2012).

As condições precárias de existência fora e dentro das fábricas foram as bases do descontentamento que impulsionou setores da classe operária, que tendiam a se enfrentar com o regime, da luta sindical para a luta política. Os operários mais precarizados não ficaram prostrados frente ao populismo, demonstraram capacidade de organização e articulação com os operários especializados. O jovem proletário migrante, muitas vezes oriundo da construção civil, demonstra grande capacidade de adaptação social, articulação sindical e compreensão política. O proletariado fabril, então, a partir dos anos 1950, começa a desenvolver suas primeiras experiências de «auto-organização sindical». Essa organização de base é que foi responsável pela onda de greves que assolou São Paulo.

É conatural a formação da nova classe operária a predisposição para a sua organização de base, terreno fértil também para o desenvolvimento da conscientização política. Nesse período, o sindicalismo conviveu com uma crise que se expressava no ativismo de base, na «inquietação social» com as direções sindicais varguistas o que, apesar das dificuldades institucionais, – como a legislação trabalhista – proporcionou um ciclo de lutas e auto-organização nos anos 1950. A formação do chamado novo sindicalismo ocorre em um dos momentos mais radicalizados da luta operária no país (Braga, 2012). Assim, durante a ditadura militar, que caçou as organizações sindicais, prendeu, torturou, matou dirigentes e ativistas, apresenta-se um processo radicalizado de lutas.

2.1 Ascenso e derrota do movimento operário

Nos primeiros dois anos de ditadura militar, devido a dura repressão (intervenção nos sindicatos e perseguição dos dirigentes), houve grande retrocesso do movimento operário e da luta de classes como um todo. O golpe militar no Brasil ocorreu no interior do ciclo expansivo do capitalismo mundial, que vai até a crise do petróleo. Esse elemento, combinado com a repressão ao movimento operário, permitiu o crescimento econômico capitalista (o chamado «milagre econômico»), que vai até 1973 (Sader, 2013).

Mas, o movimento operário não tardou a retomar suas lutas após o golpe em 1964. O arrocho salarial, a inflação e a opressão no interior das fábricas foram o combustível material para que os trabalhadores retomassem as suas lutas no final de 1966. Esse movimento ganha impulso definitivo com a entrada em cena do movimento estudantil em 1968. A recuperação da economia com o crescimento econômico e a entrada em cena do movimento estudantil proporciona uma nova onda de lutas do movimento operário. A ditadura militar reagiu diante da possibilidade de aprofundamento da aliança entre operários e estudantes com uma forte repressão que levou ao exílio e à prisão diversos ativistas.

De 66 a 68 houve, de alguma forma, um prenúncio do que seria o final da década de 70. Apesar das dificílimas condições, surge um processo de organização de base que conta com a formação de comissões de fábrica que se organizaram de forma independente das direções pelegas. Período que conta com a greve vitoriosa de Contagem(MG) e de Osasco(SP), lutas realizadas em novos polos industriais e por um proletariado igualmente novo. Preocupado com o crescimento do descontentamento oriundo da ditadura e das greves radicalizadas, o governo golpista institui medidas que significam o fechamento total do regime. O AI-5 significou o fechamento do congresso com o objetivo de sufocar a aliança popular que poderia se formar em torno da classe operária. A ditadura militar – principalmente após 1968 – coloca condições de organização e resistência muito mais difíceis dos que as anteriores.

Depois de décadas de repressão militar sobre as forças transformadoras da sociedade, a ditatura dá sinais de esgotamento. O «milagre econômico» se esgota, a inflação começa a fugir do controle, a dívida pública chega à estratosfera e o estado perde capacidade de intervenção na economia. Na segunda metade da década de 1970, o proletariado volta a lutar contra a alta no custo de vida, por melhores condições de trabalho e pelo direito de livre organização e de greve, para isso é obrigado a enfrentar no cotidiano a repressão promovida pela patronal e pelos militares. A classe média rompe progressivamente com o regime e surge um poderoso movimento operário grevista que tende a transitar das reivindicações imediatas às políticas.

Combinado ao novo ascenso operário inicia-se o reerguimento do movimento estudantil em 1977, que começa rearticular a refundação das organizações estudantis. Em seguida, o movimento sindical de 1978 consegue concessões econômicas da patronal, mas o principal ganho foi ter conseguido se organizar depois de dez anos de forma independente da «aliança empresarial-militar» e garantir na prática o direito de greve. A partir daí a burguesia e os ideólogos do regime percebem que o melhor caminho é realizar uma lenta transição que não colocasse em perigo nenhum dos ganhos econômicos da classe dominante e muito menos as forças armadas e seus chefes -responsáveis pela tortura, assassinato, desaparecimentos e outros crimes.

Apesar da generalização do processo de lutas operárias, a vanguarda deste período foram os operários do ABC Paulista. No ano de 1979 houve um processo de lutas operárias – com um enfrentamento físico que levou à morte diversos operários. Esse processo de luta teve um componente espontâneo mas não podemos deixar de notar que contou também com a agitação de setores da esquerda organizada no interior das fábricas, como os grupos ligados à teologia da libertação, grupos e orientação guerrilheira e trotskistas.

No ano seguinte – março de 1980 – mais uma onda de greves se realiza. Desta vez a ditadura age de forma mais coordenada. Decreta a greve dos metalúrgicos do ABC como ilegal, prende a direção e intervém sobre o sindicato. Mas, mesmo com a direção presa, os trabalhadores organizam um comando de greve e mantêm o movimento por 23 dias. Houve nesse período um levante generalizado que, uma vez coordenado politicamente, poderia ter causado a queda da ditadura militar. Mas, este processo foi obstaculizado pela burocracia sindical ligada diretamente ao regime e principalmente à direção lulista, que se negou sistematicamente em unificar a luta dos metalúrgicos do ABC e das demais cidades.

O governo militar, diante da resistência dos trabalhadores, libertou os presos políticos ligados ao movimento operário, mas uma vez soltos, Lula e a nova burocracia preferiram o caminho da conciliação com a patronal e com o regime. Esse movimento político feito pela burocracia do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, corta a possibilidade de que a greve metalúrgica pudesse ser a locomotiva de uma mobilização radical contra a ditadura. E isso não se deu por falta de combatividade dos metalúrgicos do ABC, São Paulo e de outras regiões. Como se vê, a nova direção da burocracia, que veio a substituir os dirigentes varguistas, inicia a sua trajetória como dirigente de uma das principais ondas grevistas da história do Brasil sob o signo da traição política da classe trabalhadora. Tal fato irá se refletir como uma consequência negativa sobre a luta contra a ditadura militar na década de 1980, uma vez que esta luta perde o seu caráter radicalizado e passa a ser dirigida pelas correntes burguesas de oposição ao regime.

Apesar de todas as adaptações que houve durante as próximas décadas, à medida que o PT deixa deliberadamente de defender o socialismo e estabelece alianças eleitorais com setores da burguesia, a estratégia de colaboração de classes que vai ser posta em prática em 2002 surge já nesse período, ainda que de maneira inconclusa, porém, já matizada. Nesse momento estava se esboçando o que viria a ser o lulismo – a representação política que está à frente da máquina pública federal – doze anos depois. Temos aqui de forma panorâmica a origem da liderança de Lula e da burocracia sindical metalúrgica que vai se estender para a classe trabalhadora em todo o território nacional. Liderança essa que após um processo de pacificação das bases durante a década de 80 vai sufocando a auto atividade experimentada durante o final da década de 1970.

2.4. A contra–ofensiva patronal

A forma pela qual ocorreu o fim da ditadura no Brasil acabou repercutindo de maneira negativa sobre a consciência da vanguarda. A maioria dela foi ganha para a ideia de que a democracia burguesa poderia garantir as mudanças estruturais, mudar a natureza do estado burguês, através de políticas como o orçamento participativo ou da pressão da sociedade civil sobre os governos. Os setores organizados do movimento sindical, juventude estudantil e parte da classe média se inclinaram para a defesa da democracia burguesa como valor universal. Parte dessa ideologia era de que se poderia, através do voto, mudar a natureza do estado e que sem o enfrentamento contra o capital se poderia realizar as reformas que viriam a democratizar o acesso à terra, saúde, educação e etc.

A construção de gigantescos aparatos sindicais e políticos na década de 80 proporcionaram aos trabalhadores, durante a transição à democracia, poderosas ferramentas de luta. Essas lutas, por sua vez, garantiram conquistas durante a década de 80, mas ao mesmo tempo as direções desses aparatos foram se incorporando ao estado através de mandatos e cargos de confiança. Operou–se assim uma brutal mudança de perspectiva, isto é, de que se regulado de maneira correta, o estado poderia ser fonte de melhoria gradual na vida das pessoas sem que as oligarquias patronais fossem enfrentadas. Dá-se, por conseguinte, um fenômeno no qual a burocracia sindical se adequa e passa a operar a máquina pública. Como parte da nova situação, o número de greves caiu brutalmente.

Vivemos nos anos 80 a incorporação paulatina do PT à máquina do estado através de administrações municipais e estaduais abertamente burguesas. Postos parlamentares e no executivo por todo país foram conquistados em pouco tempo, o que fez do PT uma máquina política eleitoral poderosa e promissora. O PT nesse período ainda era expressão das lutas e se colocava no campo do «classismo». Defendeu a emenda Dante de Oliveira que previa a eleição direta para presidente da república, não votou no colégio eleitoral para apoiar a eleição indireta de Tancredo Neves, não votou a favor da constituição, apesar de assinar o seu texto.

Durante a Constituição de 1988, defendeu a instituição de uma carta que buscava garantir acesso ao trabalho, previdência social, propriedade da terra, saúde e educação. Contudo, não se tratava de uma Constituinte feita sob uma clara vitória do movimento social contra o regime, e sim de uma democratização controlada pela classe dominante e dentro dos estreitos limites do estado. Depois das experiências político-econômicas de instabilidade do governo Sarney[3] e do governo Fernando Collor, a classe dominante consegue se rearticular. Com a derrota de Lula para Fernando Collor de Melo o processo político se inverte. As forças conservadoras acabam retomando a iniciativa e começa a era do neoliberalismo no Brasil.

No front político, a derrota eleitoral de Lula nesse momento tem muito peso, pois o movimento sindical e popular organizado tinha uma relação direta com a sua candidatura. Essa derrota política eleitoral foi um dos fatores que facilitaram que, na década de 90, houvesse um conjunto de ofensivas da classe dominante visando impor a retirada de direitos e recuo das conquistas democráticas da constituição de 88. Esse processo de implementação do projeto neoliberal no Brasil –com a colaboração de PT e da CUT – significou a derrota política da poderosa onda de mobilização operária iniciada no final da década de 70 e estruturada institucionalmente na década de 1980 que, além do mais, significou «o aborto de um Estado de bem-estar social nacional e, acima de tudo, a vitória da burguesia liderada por sua fração rentista internacionalizada»[4]

A ofensiva econômica do imperialismo, com a derrota das experiências dos estados burocráticos e a reconversão capitalista em todo o globo, havia dado condições para o domínio absoluto das relações capitalistas, na qual os países periféricos deveriam participar de maneira subordinadas, abrindo sem reservas os seus mercados para os produtos dos países centrais e adequando o seu mercado de trabalho para a exploração mais direta. No entanto, a hegemonia neoliberal entrou em um franco processo de crise, elemento importante para que praticamente todos os países da América Latina entrassem em processos de rebelião.

Collor aplicou medidas estabanadas como a do sequestro da poupança e iniciou uma abertura drástica do mercado interno para o capital. Com o descontrole da inflação, confiscou as poupanças de forma indiscriminada de toda a população. É evidente que setores dominantes próximos ao governo foram avisados do confisco e tiraram o dinheiro da poupança ou resgataram posteriormente os valores, coisa que não ocorreu com os trabalhadores. Além disso, foi responsável por uma “abertura” econômica que causou uma quebradeira nunca vista na indústria nacional e também pelo desemprego de ao menos 20% da força de trabalho. Após denúncias de corrupção, sofreu um processo de impeachment. Este governo, portanto, além de não ter tido êxito no controle inflacionário, e somadas também as inúmeras denúncias de corrupção, acabou sendo derrubado por via institucional em 1992.

Em 1993, a economia brasileira passava por momentos de recessão prolongada, inflação aguda e crônica e desemprego. A crise econômica (até aí quase crônica no Brasil) atingiu seu ponto máximo, e o índice IGP (Índice Geral de Preços) chegou a estrondosos 2,851% ao ano. Itamar Franco, vice-presidente de Collor, via renúncia, é empossado em dezembro de 1992, tendo como desafio trazer “estabilidade a economia” em um quadro de inflação altíssima. A alta da inflação chegava a 2.851%, em janeiro de 1994 e a sua popularidade ainda mantinha-se baixa.

Depois de várias iniciativas para “sanar” a economia, Itamar Franco monta uma nova equipe na área econômica e chama Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o ministério da economia. É elaborado o Plano Real que em resumo significou transferir o custo do controle inflacionário para a massa de trabalhadores que (através de um mecanismo chamado tablita responsável por converter a moeda anterior ao real), fez com que tremendas perdas inflacionárias não fossem repassadas aos trabalhadores. A partir daí, a inflação caiu e Itamar Franco acabou seu mandato com altos índices de aprovação, o que possibilitou levar FHC ao Palácio do Planalto. Após a eleição de 1994 foi arquitetada definitivamente – depois do fracasso de Collor – a inserção subordinada do Brasil na nova divisão internacional do trabalho, parte orgânica do circuito global da acumulação transnacional do trabalho. Para isso, foi realizada uma reforma gerencial do estado adequando-o para que se subordinasse aos ditames do capital financeiro.

Durante os dois mandatos de FHC uma série de transformações na produção foi incorporada ao «fordismo brasileiro». As plantas foram reorganizadas, setores foram desmontados, funções foram sobrepostas, novas tecnologias informacionais foram incorporadas diretamente aos processos produtivos para intensificar a exploração sobre a força de trabalho. Além disso, com as terceirizações se estabeleceu maior diversidade nas formas de contratação do trabalho, aumento de rotatividade, flexibilização da jornada de trabalho e maior diferenciação entre os trabalhadores. Setores da indústria que forneciam componentes para as montadoras passaram ao controle direto do capital transnacional ou foram substituídos pela importação massiva. Isso, somado as privatizações da segunda metade da década de 90, acabou por integrar de maneira subordinada o Brasil no ciclo de acumulação do capital financeiro. Em suma, houve uma intensa transformação no processo produtivo para impor a lógica da financeirização à indústria, comércio e setores de serviços.

O neoliberalismo no Brasil tem presente dois fenômenos centrais: financeirização da economia e precarização das relações de trabalho. Desdobramentos de interesse do capital, que lhe tirou todas as amarras para buscar investimentos que lhe permitisse maior lucratividade. No final do segundo mandato de FHC, a estabilização monetária conseguida com o plano real do governo Itamar Franco já havia dado sinais de esgotamento.

2.5 PT: conciliação e defesa da ordem

A luta contra a ditadura militar dos anos 1970 e 1980 teve influência política decisiva na construção do PT. Este partido surge no caldeirão das lutas operárias, populares e contra o regime no final da década de 1970, como uma expressão do movimento, mas também como entidade capaz de dar organicidade a essas lutas.[5] Durante a década de 1990, porém, deu passos programáticos, organizativos e políticos que resultaram na perda do seu caráter operário e popular.

Do ponto de vista da construção do seu projeto, este teve na sua origem como pano de fundo a negação de alguns aspectos do que eram as sociedades não capitalistas e claro a experiência com o regime militar. Este momento foi grande catalizador político-construtivo ao ser responsável pela formação das maiores organizações operárias do Brasil: o PT e a CUT. Essas organizações souberam aproveitar o empuxo da radicalização operária contra a patronal no final da década de 1970 e pela mobilização de caráter amplamente democrático durante a primeira metade da década de 1980. A sua criação ocorreu a partir de um amálgama entre forças progressistas composto pela intelectualidade crítica, pelo cristianismo que fez a opção pelos pobres e, principalmente, por uma nova geração de dirigentes burocráticos que souberam – para não serem ultrapassados pelos fatos – acompanhar com representação, primeiro sindical depois política, o novo movimento operário.

No entanto, sem a vontade que brotou dos enfrentamentos contra a ditadura militar, originários especialmente das lutas salariais, não se poderia formar um partido com a envergadura do PT. Esse movimento de consciência só foi possível pela intervenção dos setores de esquerda que atuavam no interior daquele movimento. O PT, então, se origina como um partido «anticapitalista» e isso se pode ser verificado a partir dos documentos de fundação. A partir da experiência com as greves se percebe que não se pode avançar sem uma organização que unifique politicamente os trabalhadores para fazer frente aos patrões e ao estado.

A composição operária desde o início tem à cabeça um grupo de dirigentes que são parte da burocracia sindical dos metalúrgicos, docentes, bancária etc., influenciados por lideranças religiosas e intelectuais de esquerda. Não são dirigentes que foram simplesmente improvisados no calor da luta ou de um forte agrupamento da esquerda radical que pudesse determinar rumos políticos do partido ou do movimento social. Se o seu programa inicialmente é anticapitalista e de um socialismo difuso, não havia, por outro lado, a defesa aberta da revolução socialista desde baixo. O caráter burocrático da sua direção, a ilusão no processo de democratização e a fragilidade das correntes revolucionárias no seu interior resultaram em um projeto reformista. Esse fator é uma importante mediação para entender por que, apesar de inicialmente socialista, o PT segue uma dinâmica ascendente de conciliação.

A luta radicalizada contra o regime foi contida pela aliança entre a nova direção operária (Lula e a nova burocracia sindical) e os dirigentes das organizações burguesas de oposição ao regime que trataram de levar a luta contra a ditadura de maneira a não apostar no enfrentamento radicalizado. Guardando a gigantesca diferença de contexto, de alguma forma, essa aliança durante a década de 80 para lutar contra o golpe prefigurou a aliança do PT com a burguesia nacional na primeira vitória presidencial do PT em 2002, no sentido de que na década de 80 o PT já se consolidava como resultado de várias forças em seu interior, ainda que não tenha conseguido formular uma linha ou programa claro político-ideológico e sequer uma teoria de revolução neste período tão fértil.

Depois da formação da CUT e do PT no início dos anos 1980 e da transição negociada ao regime democrático burguês, uma intensa transformação política e social foi realizada no interior desses aparatos. De defensores de um socialismo difuso e de reformas democratizantes estas organizações passaram para a defesa direta do mercado. Houve um elemento que perpassou todo esse transformismo político que se mantém até hoje. E esse fio condutor foi o controle burocrático, mesmo nos momentos de maior democratização, sobre a vida desses aparatos e, outrossim, a estratégia gradualista que engessou qualquer possibilidade de enfrentamento radical ao capitalismo no Brasil.

O PT passa de uma organização que foi fruto direto de um dos períodos mais radicalizados da luta da classe trabalhadora, particularmente da classe operária, a uma organização que se coloca à frente de uma coalisão governamental que cumpre o papel político de desmobilizar a classe trabalhadora diante da possibilidade de que essa pudesse seguir o caminho da rebelião social vivida por toda a América Latina. Foi justamente para evitar este cenário de «crise orgânica» já em curso em vários países da América Latina que uma parte da classe dominante se inclina para a possibilidade de recompor a estabilidade que estava sendo perdida através de um governo do PT.

Diante da pós-queda do muro de Berlin, o PT começa a realizar inflexões imprimindo um caráter cada vez mais conciliador (Iasi, 2012). No final da década de 1980 passa a rever a sua política de alianças, contudo sem realizar alterações significativas em seu programa. Altera sua tática de aliança eleitoral e abre a possibilidade de estabelecer frentes com partidos burgueses. Em 1998, faz uma aliança com o PDT, entretanto tal aliança não se traduziu em uma revisão programática profunda. Durante o congresso de 1991, o partido «elabora estratégia que busca ampliar o espaço para a luta institucional, uma vez que o movimento social entra em descenso»[6]

Os governos do PT frente aos estados e prefeituras têm uma história considerável de serviços prestados ao sistema. Em vários momentos o PT no governo se colocou como uma força reacionário contra o movimento de massas e contra os funcionários públicos em âmbito municipal e estadual. O mito de uma originalidade «autêntica», de representantes legítimos da classe trabalhadora e seus interesses cai por terra quando comparados à história política dessa direção. É fato que o PT tem sido referência política para a classe trabalhadora desde o seu surgimento e que o PT também possui o respaldo dessa mesma classe nesse processo. Em realidade, o PT tem sido referência para o mais substancial da classe trabalhadora, os setores mais organizados da indústria, os trabalhadores sem-terra, as frações mais intelectualizadas da classe média. Mas também é verdade que nessa recíproca entre o movimento de adaptação do PT e o respaldo que recebe de frações da classe trabalhadora a formulação pode induzir ao erro de se pensar que há uma corresponsabilidade ou equivalência entre as partes envolvidas.

Para Iasi «a base social do influxo moderado do PT, e que torna possível a prevalência de um horizonte pequeno-burguês no projeto desse partido, está na burocracia partidária e sindical formada neste processo.»[7] Vale a pena ressaltar que essa burocracia não surgiu espontaneamente no interior do PT. Esta tem origem na burocracia sindical que fundou o partido e da qual forneceu muitos quadros para a sua direção. O que acontece com o PT é que a inicial diferenciação funcional se converteu em diferenciação política e social.

Há uma coincidência clara e necessária entre o processo de moderação política do PT e o fortalecimento em seu interior da burocracia partidária, assim: «o processo de inflexão moderada coincide com o amadurecimento desta camada, por isso não nos estranha a correlação precisa entre a lenta transformação da consciência expressa nas formulações partidárias ir assumindo os contornos de um projeto democrático pequeno-burguês, ou ‘popular’ se preferirem».[8] O fortalecimento dessa burocracia – que tem uma base social – no interior do PT sem dúvida foi decisiva para o processo de moderação da política, pois as pressões da base foram se arrefecendo por conta do desgaste e das políticas ativas desse setor no sentido de enfraquecer a disposição de combate dos trabalhadores. Não houve um “semireformismo” do PT e de seus quadros, mas sim um transformismo total, uma vez que tais quadros, ao chegar ao poder central, já traziam na bagagem várias experiências de gestão burguesa – e corrupta – a frente de governos estaduais e prefeituras. Além disso, os quadros de origem sindical eram responsáveis pelo trabalho de transformar a CUT e os sindicatos que dirigem em aparatos que rotineiramente sufocavam oposições, mobilizações ou traíam diretamente greves e outros movimentos.

O PT – diferentemente dos partidos social democratas ‘clássicos’ que, mesmo eleitoralistas, tinham uma base que se mobilizava frente aos grandes perigos da luta de classes – não é um partido que mobiliza mais a classe trabalhadora; isso ficou perdido nos anos 80. Esse ponto é interessante para polemizar com Braga (2012) quando este faz quase que um paralelo direito entre a burocracia sindical e a burocracia lulista governamental, pois lhe escapa o salto de qualidade que deu essa burocracia. Não se percebe que houve um tremendo processo de incorporação das lideranças sindicais aos aparatos do estado e de criação das novas lideranças partidárias diretamente ligadas ao aparato petistas.

Ao tratar da sua história Iasi diz que «a experiência do PT é um excelente exemplo do movimento de constituição de uma classe contra a ordem do capital que acaba por se amoldar aos limites da ordem que queria superar»,[9] afirmação que, acaba retendo uma visão um tanto quanto unilateral desse processo. Primeiro não podemos subvalorizar o movimento que fez a classe trabalhadora para que o PT pudesse ser posto como partido devidamente socialista. Foi um movimento operário massivo que começou com as lutas contra as condições de existência precária, tendo se politizado no percurso dessa luta, sendo diluído posteriormente na luta pelas «Diretas Já».

É fato que existe uma ligação dialética entre a consciência da classe e a evolução dos partidos que a representam, mas o caso é que o lulismo passou da defesa da estratégia socialista gradualista pela via eleitoral para a defesa direta da ordem, de políticas neoliberais e de contra reformas. Para isso, esteve à frente por mais de uma década de governos burgueses que atacaram o movimento dos trabalhadores nos governos estaduais e municipais. Quando o PT chega ao governo federal já havia se processado uma transformação radical em seu programa. Já havia um profundo recuo na consciência de classe e, nestas últimas décadas, o PT trabalhou deliberadamente para o manter.

Hoje, o PT não é mais um partido operário com uma direção burocrática e um programa reformista.[10] Trata-se de um partido no qual não há mais ligação orgânica com a classe trabalhadora, sua direção se aburguesou e seu programa passou a defesa do capitalismo. Não podemos abstrair o importante processo que foi a capitulação/transformismo do PT e de seus dirigentes iniciado já no começo da década de 1990 e completado durante a administração federal a partir de 2002. O que acontece com o lulismo é o observado por Christian Rakovski[11] em relação ao processo de burocratização da União Soviética depois da Revolução Russa de 1917. Esse autor é um dos primeiros a identificar na burocratização do partido e na centralização excessiva das decisões o fio condutor do processo de burocratização do Estado, pois a diferenciação funcional entre dirigentes e dirigidos vai se convertendo aos poucos em diferenciação social.

Esse recuo só pode ser compreendido se não perdermos de vista que a consciência de classe que contribui para consubstanciar o PT desde o início e no seu percurso teve uma clara delimitação reformista. O que não nos autoriza a afirmar que essa consciência se colocou diretamente contra o capital. Não foi simplesmente um movimento abstrato de consciência que acabou se moldando «aos limites da ordem» por fora da luta (Iasi, 2012). Essa abordagem incorre em dois problemas, um supra histórico, que acaba identificando um movimento contra a ordem do capital sem determinação histórica ou política, o que no caso dá ao respectivo movimento um alcance que não tinha, e por outro lado, tira a responsabilidade da direção no sentido de refrear esse mesmo movimento. Ou seja, trata-se de uma visão objetivista, que escamoteia o papel de freio que cumpriu o lulismo no início da década de 1980, perdendo assim o fio condutor do processo para a compreensão de sua posterior evolução política.

Assim, o PT passou por uma metamorfose política completa desde sua fundação até a vitória eleitoral em 2002. De um partido operário reformista na década de 1980, passa a ser partido operário-burguês na década de 1990 e, finalmente, em 2000 se estabelece com um partido burguês de caráter populista. De uma direção que estava aquém da radicalização nas décadas de 70 e 80, o PT passou na década de 90 a ser agente direto de colaboração do capital. Estabeleceu-se, por conseguinte, como uma nova burocracia que contribuiu de forma decisiva para sufocar a autoatividade dos trabalhadores durante duas décadas e apostou sistematicamente no processo de conciliação de classes e, uma vez frente a cargos, foi agente direto da ordem. De partido operário reformista dirigido por uma burocracia de origem sindical passou a partido totalmente integrado à ordem e ao serviço direto das políticas neoliberais, de maior liderança operária da história nacional – representada na figura de Lula – passou a chefe do poder executivo, valendo-se de todo o seu carisma para contribuir para a construção de um pacto social que, por sua vez, tirou a classe operária de cena durante praticamente uma década.

  1. A CONSTRUÇÃO DO PACTO SOCIAL

Nas economias centrais nas quais o neoliberalismo foi implementado na década anterior, já se iniciava um processo de revisão. Esta revisão passa pela manutenção dos pilares do neoliberalismo sobre os quais são inseridas políticas de compensação social sem que o orçamento do estado destinado ao pagamento de taxas de juros seja afetado.

Em 1999, após mais uma derrota eleitoral de Lula em 1988, uma nova inflexão foi realizada à direita pelo PT como forma de ganhar ainda mais a confiança de setores-chave da burguesia nacional, assim, o partido vetou a campanha que estava sendo chamada pela CUT e MST pelo Fora FHC, a qual parecia promissora.[12] Por outro lado, estávamos diante de uma América Latina convulsionada por rebeliões contra governos neoliberais e a continuidade do arranjo político baseado no neoliberalismo puro e duro de FHC poderia causar um choque de classe que não interessava a burguesia local e nem ao imperialismo, daí Lula aparece como alternativa de governo preventivo.

Nas pesquisas prévias à eleição de 2002 Lula não superava o seu patamar eleitoral histórico, ou seja, 30% das intenções de voto. Mas, com a crise da candidatura de Ciro Gomes, que estava em primeiro lugar nas pesquisas, foi identificada uma possibilidade de conquistar parte desses votos. A partir daí, a campanha foi reestruturada e aspectos decisivos do programa neoliberal foram incorporados, tais como a estabilidade monetária, o respeito aos contratos e compromissos com a burguesia. Será, porém, com a «Carta ao povo Brasileiro», de 22 de junho de 2002, que o processo de adaptação programática encontra a forma mais acabada. A carta ao Povo Brasileiro declarava que respeitaria todos os contratos estabelecidos com o capital. Esse posicionamento foi por alguns interpretado como uma tática para arrefecer resistências à candidatura de Lula, mas depois daria lugar a reformas que interessavam os de baixo.

Em julho é divulgado o programa da Coligação Lula Presidente no qual a conciliação com o capital financeira se faz de maneira ainda mais aberta. Neste programa se faz a defesa do capital transnacional em todas as suas formas e de que os pilares do neoliberalismo (superávit primário, controle da dívida pública em relação ao PIB) seriam mantidos e os compromissos anteriores honrados.

À guisa de comparação com o contexto político do governo anterior no intuito de demonstrar o processo adaptativo do PT, podemos dizer brevemente que, apesar dos crescentes descontentamentos com o governo FHC, no final de seu mandato não ocorre uma crise orgânica, a qual se pudesse ter vivido nos momentos que antecederam a eleição de Lula em 2002. Pois, para tanto, faltava uma crise de descolamento entre a economia e a superestrutura política. Na realidade, portanto, a chegada ao governo central foi um marco decisivo para o coroamento de um processo de adaptação total ao status quo, mas também o abandono da perspectiva dos trabalhadores na luta de classes que já vinha se processando de forma radical na década de 90. Processo no qual o PT e a CUT assumem definitivamente a perspectiva do capital frente a luta de classes.

A eleição de Lula em 2002 foi um acontecimento histórico. Foi a primeira vez que na história do Brasil um líder político de origem operária foi eleito sob a bandeira de um partido de origem operária para o cargo de presidente da república. Havia, de maneira geral, inúmeras expectativas (criadas, aliás, desde a fundação do PT em 1980) de que um governo de Lula e do PT poderiam abrir um período de transformações políticas e sociais que mudasse os rumos de uma sociedade tão marcada pela desigualdade social, exploração e opressão.

Este evento poderia, após os duros anos de reação que foram os 1990, ser um momento de viragem na correlação de forças tão desfavorável aos trabalhadores, abrindo caminho para uma transformação socialista. Havia, na realidade, no espectro ideológico da esquerda basicamente os que acreditavam que se poderia construir no Brasil algo semelhante a um Estado de Bem-estar Social parecido aos moldes europeus. Já em uma perspectiva mais radical, os que alimentavam o esquema da frente popular pensavam que governo, ao alimentar as esperanças nas massas sem as atender, abriria automaticamente um caminho para uma transformação socialista.

Assim, ao contrário do que pensavam alguns, o recuo programático do PT não se tratava apenas de uma tática para amenizar a restrição dos setores da burguesia mais arredios à candidatura de Lula. O que era aparentemente uma tática momentânea para se chegar ao poder, acabou sendo parte inseparável da estratégia política. Essa foi a tática que o PT e um setor da burguesia nacional encontrou para arquitetar a coalização eleitoral que levasse Lula à Presidência da República.

3.1 O bloco político no poder

Quando chega com seu candidato à Presidência da República, o PT não era sombra do que havia sido na década de 1980. O programa deste partido já estava totalmente adaptado aos interesses do mercado, do capital e do seu setor mais parasitário.

Como um partido de origem operária, que se forjou em um dos períodos mais radicais da luta de classes no país e portador de um programa socialista – mesmo que reformista – ao chegar ao governo federal desenvolve políticas que guardam uma linha de continuidade com tudo o que antes supostamente criticava. Compreender esse «paradoxo» tem sido um dos mais importantes desafios para os analistas da realidade política nacional.

O lulismo que assume o governo federal em 2002 guarda elementos de continuidade e descontinuidade com a burocracia sindical que traiu a greve metalúrgica radicalizada de 1980. Naquele momento se tratava de um núcleo político composto por dirigentes operários que romperam com a burocracia varguista, religiosos ligados à teologia da libertação, ex-militantes da guerrilha e intelectuais acadêmicos. Agora, trata-se de uma coalização com a grande burguesia nacional. O PT não é mais a expressão de um movimento de consciência feito pela classe trabalhadora a partir da sua experiência política nas últimas décadas. Ao impor contrarreformas neoliberais e políticas de compensação social rompe com parte de sua base tradicional (funcionalismo público) e se aproxima e ganha apoio massivo do subproletariado no primeiro mandato de Lula.

Como parte dessa estratégia, nas eleições de 2002 se estabelece a aliança com o Partido Liberal (PL) de José Alencar (grande empresário do ramo têxtil), que cumpre o papel de estabelecer a aliança simbólica entre trabalho e capital produtivo. No entanto, a política de alianças se estende para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e até para o ex-arquiinimigo Partido Progressista (PP) de Paulo Maluf. O PT, no afã de chegar ao poder central desenvolveu negócios escusos e fez acordos com partidos abertamente fisiológicos. Tais ações, no primeiro caso, envolveram dinheiro público para financiar a campanha eleitoral de 2002 e, no segundo, foram necessárias para comprar votos a favor de «reformas» na legislação. Consequentemente, o projeto de governo para ser imposto requeria, de um lado, construir consenso com as elites tradicionais e, de outro, extirpar do partido o que restava de crítica.

Lula chega ao poder através de uma aliança entre setores empresariais, burocracia sindical, camadas amplas da classe média e dos trabalhadores e, como resultados de suas políticas e posturas, perde o apoio da classe média. Contudo, afasta-se desse último e ganha a simpatia e a lealdade do setor que historicamente vota na direita e, assim, os trabalhadores mais pauperizados aderem ao governo por suas políticas de redução da pobreza monetária. O apoio de determinadas frações sindicais, como a Força Sindical, por exemplo, ao governo não foi conseguido por adesão programática, mas sim pela cooptação financeira das centrais e aparatos, e pelo recrutamento de dirigentes pela máquina administrativa.

O governo Lula – comparado a Getúlio Vargas nesse quesito – colocou sob seu comando todas as organizações tradicionais dos trabalhadores e estudantis com políticas de concessão à burocracia sindical, como foi o repasse para as centrais de toda a contribuição sindical, valor monetário que gira em torno de R$100 bilhões a cada ano. A mesma política foi dirigida à União Nacional dos Estudantes (UNE), que desde sempre esteve alinhada com o governo, recebendo um cheque de R$ 30 milhões. Trata-se da primeira parcela de um total de R$ 44, 6 milhões que serão pagos pela Comissão de Anistia para a reconstrução da sede, destruída por um incêndio provocado por milicos da ditadura. Esse enquadramento político ideológico das organizações tradicionais contribuiu enormemente para que as mobilizações durante os dois primeiros mandatos presidenciais do lulismo não alçassem dimensões nacionais ou obtivessem a solidariedade de outros setores, inviabilizando, assim, que esses processos ganhassem um caráter político mais abrangente, facilitando o isolamento e os ataques do estado por meio do judiciário ou da repressão policial direta aos movimentos.

Esse pacto contou também com uma poderosa manobra ideológica, pois foi capaz de manipular categorias sociais como pobreza, miséria, extrema pobreza, classe média. A manipulação política destes «significantes» foi extremamente eficiente para criar a aura de prosperidade que cobriu o cenário nacional, elemento fundamental para a construção da ideologia que vem justificando – se bem que de forma cada vez mais frágil – a existência do governo e das suas políticas (AB’Sáber, 2011).

Esse pacto social, apoiado por um amplo leque de partidos e grupos sociais, dos mais ricos aos mais pobres, foi extremamente eficiente no sentido de pacificar politicamente o país até os dois primeiros anos do primeiro mandato de Dilma. O lulismo seria umamalgamaque hipoteticamente atenderia às demandas dos setores mais empobrecidos da população e, por outro lado, a dos capitalistas de todas as estirpes. Mas, no que tange o modus operandi de fazer política, Lula teria reproduzido o patrimonialismo típico que foi herdado da formação nacional e cujo processo de democratização controlado pelas elites não foi capaz de superar. Assim, representantes da burguesia – e até o imperialismo – apostaram em uma frente com o PT que pudesse pacificar o país e realizar uma inflexão no neoliberalismo puro e duro dos dois mandatos de FHC.

3.2 Aplicando a cartilha neoliberal

O PT revigora o neoliberalismo por meio da ideológica «social-liberal». Lula/Dilma nada fizeram para que o Brasil alçasse condição distinta em relação ao seu lugar na cadeia econômica mundial. Apesar de ter alcançado à condição de sexto PIB mundial, a economia brasileira não alterou nenhuma das condições que a tirasse da condição de exportadora de commodities que participa da divisão internacional do trabalho como entreposto para a valorização do capital financeira internacional.

Do ponto de vista da política econômica, o governo Lula, manteve-se totalmente no campo da liberação do mercado e a favor das grandes corporações financeiras. O Banco Central foi entregue para um legítimo representante dos bancos e com isso as alavancas macroeconômicas foram operadas segundo os interesses do mercado. Assim, no lulismo a economia se coloca sempre a serviço do capital financeiro de forma ainda mais intensa do que na era FHC.

A abertura do mercado financeiro, a facilitação de remessas de capital, as altas taxas de juros são como cláusulas pétreas da economia e fizeram a alegria do capital transnacional desde 2002, o que torna os investimentos na produção industrial local muito menos atrativos. No entanto, o lulismo fez mais pelo capital através da «facilitação do envio de recursos ao exterior, a nova lei de falências que dá primazia aos créditos financeiros em relação aos créditos trabalhistas».[13] Lula, a partir de 2002, utilizou sua capacidade de liderança para convencer os trabalhadores de que era necessário tomar medidas antipopulares, pois não havia alternativa diante do «estado de emergência».[14]

A reforma da previdência espoliou o funcionalismo público e fortaleceu o capital financeiro, com o aporte de bilhões de ingresso através dos fundos de pensão. Esse ato inaugural de Lula para se alinhar definitivamente com a burguesia não deixa de ser a continuidade com o lulismo que, durante a sua escalada ao governo federal, tomou uma série de posições contrárias aos interesses dos trabalhadores.

O primeiro mandato de Lula pode ser sumariamente resumido através das políticas neoliberais. Desta forma, foram feitos contingenciamentos nos gastos públicos, elevação na taxa de juros, arrocho do salário mínimo e a contrarreforma da previdência. No segundo mandato a economia brasileira foi beneficiada pelo aumento das exportações, a valorização das commodities, e pela ampliação do mercado interno de massas também foi determinante para o crescimento. Em 2008, o Brasil foi pego pela crise internacional. O governo desenvolveu políticas anticíclicas que momentaneamente foram eficientes para recuperar o crescimento econômico, mas a longo prazo significaram o aumento do endividamento público e privado e a redução da arrecadação do estado.

Com a eleição de Dilma Rousseff em outubro do 2010, o lulismo obteve sobrevida para além da persona de Lula. Dilma foi eleita praticamente sem nenhum capital eleitoral, pois se tratava de uma militante política que nunca teve nenhum mandato parlamentar ou executivo. Foi eleita em 2010 a partir exclusivamente da popularidade transferida pela figura de Lula. A transição do segundo mandato de Lula para Dilma em 2010 ocorreu, do ponto de vista político, sem grandes alterações. No início do seu mandato manteve basicamente a mesma orientação da política econômica de Lula, fez um ajuste fiscal de 1,2% do PIB e manteve e ampliou a política de isenção fiscal de setores da indústria. O seu primeiro mandato parecia cópia do mandato de Lula e apesar da crise econômica que em 2009 fez o PIB ter despencado, no ano seguinte houve forte recuperação e Dilma parecia voar em céu de brigadeiro.

A partir de uma rápida recuperação da crise econômica internacional procurou desenvolver uma política na qual o governo tivesse maior poder de indução da atividade econômica através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse programa procurava colocar sobre o mesmo teto a maior parte das Parcerias Público Privadas (PPPs). Como parte desse projeto, tivemos o marco regulatório da extração de petróleo que obriga a Petrobras assumir a condição de sócia em todas as operações de extração do combustível –garantindo a segurança do capital privado – e a política de concessão privada para portos e aeroportos.

Dilma tentou realizar uma política econômica de orientação desenvolvimentista burguesa: reduziu a taxa de juros, quis estabelecer certo controle sobre o ganho do capital e desenvolver uma política de indução da economia através do PAC, mas diante da reação do capital financeiro, retrocedeu por completo do seu nacional desenvolvimentismo. A boça nacional desenvolvimentista de Dilma não durou muito. Retrocedeu no limite, embora as condições econômicas e política vividas de 2006 a 2010 já não existissem mais.

Estamos diante da crise terminal do pacto lulista. As manifestações de junho de 2013 mudaram a situação política nacional, deixando para traz um longo período de ofensiva política absoluta contra o movimento dos trabalhadores e da juventude. Uma nova situação política que demonstra vigor mobilizações radicalizadas por todo o país e que com fim do ciclo mundial de alta de commodities tende a se retroalimentar e criar um nível ainda maior de polarização política.

3.3 Lulismo e corrupção

O lulismo se configura como uma coalisão burguesa. Isso se pode verificar na formação política institucional interna e externa, na política econômica, na relação com o movimento de massa e na ética da relação entre o público e o privado. Questão que corrobora a ideia de que nenhuma forma de estado burguês ou de governo pode resolver a corrupção e a apropriação privada sistemática dos bens públicos. Problema intrínseco ao capitalismo e a todas formas de estado que alijam a classe trabalhadora da sua condução e que só pode ser resolvido colocando abaixo o estado burguês e construindo um autêntico estado operário.

Durante os doze anos à frente do governo federal uma série de denúncias políticas atingiram em cheio aos partidos da base aliada, particularmente ao PT. No período pós-ditadura militar o governo Lula foi o que mais sofreu denúncias de corrupção e o que mais se safou das mesmas. Foram aproximadamente 60 denúncias de corrupção. O primeiro grande escândalo do governo ocorreu em 2004, depois que o assessor parlamentar da Casa Civil, Waldomiro Diniz,foi visto em uma fita de vídeo pedindo propina para Carlos Cachoeira, homem forte da máfia dos caça-níqueis. Isso causou um descolamento político-eleitoral de muitos setores das classes médias, pois o PT tinha construído uma história ligada à bandeira de “ética na política” durante a década de 1990.

As crises políticas em decorrências da corrupção, apesar de não terem se desdobrado, até o momento, em mobilizações que redundassem em crises políticas de repercussões que levassem a processos de descontinuidade institucional (como o “Fora Collor” de 1992), foram responsáveis por ajustes importantes na política nacional. Como exemplo do que estamos falando, temos o realinhamento eleitoral verificado na eleição de 2006. A partir desse momento, parte importante da classe média deixa de votar no PT e, por outro lado, o setor mais empobrecido do proletariado (subproletariado) passa a votar nesse partido depois de historicamente rejeitar o PT como opção política eleitoral.[15]

Em 2005, o ex-diretor da Administração dos correios (Mauricio Marinho) é mostrado embolsando propina e relatando como era a estrutura de corrupção nos correios. Ao ser indiciado comochefedo esquema, Roberto Jefferson, deputado federal e presidente do PTB, delatou todo o esquema de corrupção que veio a ser conhecido como mensalão. Empresas que prestavam serviços ao governo faziam pagamento de mesadas aos deputados para que esses votassem nas propostas do governo. Ainda em 2005, veio à tona a “operação vampiros” da Polícia Federal que revelou esquema de corrupção e fraude na compra de hemoderivados, o que levou a queda de Humberto Costa (PT-PE), que acabou se reelegendo senador da república.

Essa crise ocorreu nas alturas. Não houve reação do movimento de massas como a da crise política desencadeou em 1992 após a denúncia de corrupção no governo Collor. Não se produziu uma irrupção do movimento de massas, dos trabalhadores e do movimento popular por uma saída independente do governo. Os únicos que tiveram a palavra foram os parlamentares, ministros e presidentes e também a grande imprensa. Esse fato possibilitou que houvesse uma rápida acomodação no cenário político. E como se dizia tudo «acabou em pizza” mediante acordos por cima, realizados não apenas nas costas do povo, mas contra ele. A crise foi abafada, contudo, e se voltou à normalidade depois de uma limpeza dos mais envolvidos.

Não houve uma resposta unificada da vanguarda diante da crise institucional. Mobilizações como as que ocorreram em Brasília no dia 17 de agosto caíram no isolamento, não tiveram continuidade nem foram parte de um plano de ação, e nem mesmo de um esforço unitário da vanguarda para tratar de colocar em movimento setores de massas, única forma de intervir de forma efetiva na crise. Então, a crise, como não passou por uma irrupção do movimento, acabou sendo reabsorvida de maneira relativamente fácil. O que ficou foi uma perda de «credibilidade» das instituições, que se manifesta de maneira desigual, no que se refere o governo, o parlamento, PT e os demais partidos.

Com a fragilização do PT, que teve os seus principais quadros (José Dirceu e Genoíno) atingidos pelas denúncias do “mensalão”, o PMDB vê a oportunidade de retomar o seu lugar privilegiado no Estado e resolve fazer parte da base aliada do governo. Ao ser atingido o núcleo duro do governo e do PT, obrigou Lula a tomar a frente do comando da máquina. A desmoralização dos seus principais quadros e a política da oposição de «sangrar, mas não matar» contribuiu para preservar Lula e também para que este assumisse ainda mais centralidade no interior do governo.

Apenas um ano após a crise gerada pela denúncia do “mensalão”, uma série de novas denúncias vieram à tona. Em 2006, Antonio Palocci, então Ministro da Fazenda, foi denunciado como mandante de um esquema de corrupção em Ribeirão Preto, cidade que Palocci havia sido prefeito. Mas não parou por aí. Os cartões corporativos, cartões de crédito de pagamentos de contas em viagens e com alimentação eram usados sem o menor controle.

Poucos meses antes da eleição de 2010, outra denúncia atinge o governo. Uma assessora direta de Dilma Rousseff, quando ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, é denunciada por tráfico de influência de empresas junto ao governo. Depois veio a crise das passagens aéreas que envolveram todo o Congresso, onde se constatou que passagens aéreas que deveriam servir para atividade política dos Senadores, estavam sendo usadas por familiares, apadrinhados políticos, namoradas, etc.

Após a primeira eleição de Dilma, mais uma série de denúncias contra ministros recém empossados irrompeu. Apenas 13 meses depois da eleição de Dilma sete ministros caem por denúncias de corrupção, dentre eles velhos conhecidos do fisiologismo nacional: Antonio Palocci, Ministro da Casa Civil, por tráfico de influência em favor de sua empresa de consultoria; Alfredo nascimento, por esquema de corrupção dentro do ministério dos transportes; Wagner Rossi por permitir lobby dentro do próprio Ministério da Agricultura; Pedro Novais, por denúncias de mau uso do dinheiro público no Ministério do Turismo; Orlando Silva, por esquema de propinas ligadas aos preparativos da copa do mundo cai do Ministério dos Transportes; e, finalmente, Carlos Lupi, Ministério do Trabalho, por convênios irregulares e desvio de verba pública no Ministério do Trabalho.[16]

Agora estamos diante de uma outra crise política que pode ter repercussões diluvianas ligada ao tema da corrupção estatal. O esquema veio à tona a partir da prisão de Paulo Roberto Costa, Diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras de 2004 a 2014, pela Policia Federal. A partir de acordo de delação premiada, o esquema de propinas (que movimentou cerca de 10 bilhões) à base aliada do governo em troca de contratos com as maiores empreiteiras e fornecedoras do Brasil é denunciado.

Nesse esquema havia um clube das empreiteiras que combinavam a distribuição dos serviços que seriam prestados a petroleira de forma a burlar totalmente a legislação pública de prestação de serviços. Uma determinada porcentagem dos contratos era passada para os partidos políticos e outra para altos funcionários da estatal, da seguinte forma: o PT ficava com 3% dos contratos, o PMDB com 2% e o PP com 1%.

O escândalo da Petrobras tem desdobramentos políticos e econômicos profundos. Do ponto de vista da economia – com altos executivos presos e as empresas sendo consideradas idôneas – tem significado a interrupção de obras públicas, a demissão de trabalhadores e a interrupção de toda uma cadeia produtiva. Do ponto de vista político (apesar de haver denúncias contra o PSDB) coloca sob suspeita chefes parlamentares dos principais partidos da base aliada, bem como a própria legalidade destes partidos e mesmo a validade do último pleito. Situação que retroalimenta a crise política vivida desde o início das denúncias ainda antes da eleição presidencial de 2014 e pode jogar água no moinho da movimentação de oposição ao governo – pela esquerda e pela direita – que começa lentamente a ganhar repercussão.

Parece que a oposição burguesa majoritariamente tende a repetir a política de “sangrar sem matar”. Porém, devido à situação política de maior polarização social e à falência do pactolulista, as atuais denúncias podem ter desdobramentos mais graves do que as de 2005, pois afetam diretamente toda a base de sustentação do governo em uma situação que pipocam greves em todo o país e a oposição burguesa se fortalecesse. Claro que se não houver uma intervenção da classe trabalhadora nesse processo o mais provável é que haja a mesma acomodação, como a vista em 2005, só que agora o mais provável é que o governo siga enfraquecido até o final do seu mandato. Desta forma, o governo Dilma tende a se tornar cada vez mais um governo sem bases de sustentação sem que isso signifique a perda de seu mandato.

3.4 Compensação social e desigualdade

Em setembro de 2003, o governo começava articular a sua política social através do Programa Bolsa Família, expansão do crédito popular. Esse conjunto de medidas diante da «desertificação» da década de 90 foi sentido pelos mais pobres como um alívio nas suas condições de existência. Esta política teve efeito também no mercado interno, que estava em depressão devido ao cenário recessivo mundial, e nas políticas neoliberais de governos anteriores.[17]

As análises que colocavam o Brasil como paraíso da estabilidade econômica, de inflação baixa e dos avanços sociais que levariam o país para o rol dos mais desenvolvidos não davam conta de que, de acordo mesmo com os dados do governo federal, temos 16 milhões de pessoas vivendo na pobreza extrema, número equivalente a toda população da Holanda(Barbosa, 2012).

Assim sendo, é preciso cautela ao caracterizar a «envergadura» das políticas de compensação social em relação ao custo para o Estado, pois se partia de um alto índice de pobreza absoluta. Como resultado da não intervenção nas causas estruturais da desigualdade nacional, na América do Sul, o Brasil é o terceiro pais com maior desigualdade da América Latina, perde apenas para Colômbia e Bolívia. No que tange a composição percentual de pobres na população, «o indicador brasileiro é pelo menos duas vezes superior ao de Argentina, Chile e Uruguai.»[18] O Brasil continua entre os dez países mais desiguais do mundo. Apesar de a desigualdade ser inferior a 1980, atualmente o índice de desigualdade é semelhante a 1960, mesmo a economia brasileira tendo crescido oito vezes nos últimos cinquenta anos.

Durante o segundo mandato do governo Lula houve uma recuperação do dinamismo econômico com crescimento do rendimento familiar. Este não é um fenômeno inédito na história econômica brasileira, também ocorreu durante os anos 70 sem que isso significasse a redução estrutural da pobreza e da desigualdade social. O rendimento do trabalho na renda nacional subiu 4,8% no período de 2004 a 2010. A «mágica» do lulismo começa a ser desvendada quando se verifica que a um custo orçamentário bem reduzido o desemprego[19] e aumento do poder de compra ocorrem através de políticas de incentivo ao consumo de massas.

A desigualdade chegou a se ampliar durante o período de 2004 a 2010, pois se a renda do trabalho teve um crescimento de 10,3%, a da propriedade foi de 12,8%. O que provocou o aumento da desigualdade da renda nacional entre trabalho e propriedade em 2010, voltando a patamares de 1995. Durante esse período o governo Lula recupera a situação pré-FHC. Mas, a «evolução» do mercado de trabalho não é apenas cruel do ponto de vista da remuneração em si, também é em relação às condições de trabalho. De 1996 a 2010 o trabalho terceirizado cresceu 11,1%, ao passo que o aumento das empresas foi de 16,4% em média. A rotatividade da força de trabalho é outro indicador que piorou nos anos de auge do lulismo, em 2010 a taxa era de 63% no Estado de São Paulo, em 1995 era de 50,5%.

Na verdade, longe de reduzir a desigualdade social com suas políticas de compensação social ou criar uma nova classe média no pais, o governo lula fez com que diferença na relação da renda populacional entre ricos e pobres fosse ampliada, a classe social “que mais cresceu proporcionalmente, de 2003 a 2008, não foi a classe C, nem a D. Foi, isso sim, as classes A e B, que têm renda familiar acima de 4.807 reais – e o dado não leva em conta a valorização da propriedade, ações e investimentos financeiros.»[20] A redução da desigualdade não depende apenas da capacidade de consumo imediato, pois o aumento do consumo não diz respeito a redução da desigualdade social ou mesmo sobre a melhora das condições gerais de vida, como acesso a saúde, transporte, saneamento básico.

Na tradição teórica dos economistas do subdesenvolvimento o principal responsável pela desigualdade e pobreza era a incapacidade da economia exportadora em assimilar a mão de obra disponível no mercado de trabalho, o que a obrigava a viver em condições de subsistência, «a saída apontada, então, era a industrialização.»[21] Não é necessário dizer que mesmo após o processo de industrialização a desigualdade e a pobreza permaneceram e se recriaram sob distintas formas. Mas, no processo acelerado de industrialização as massas não foram absorvidas ao mercado formal de trabalho apesar da industrialização crescente da economia a partir da década de 50.

As políticas do lulismo são tributárias da ideologia desenvolvimentista por considerar que o desenvolvimento capitalista em condições de subordinação ao capital internacional pode combater as desigualdades sociais, assim essa política se focou em incentivar as atividades econômicas e políticas de compensação social a uma parcela gigantesca da população. Se compararmos o rendimento do trabalho em relação a produtividade da indústria que no governo do PT cresce sem interrupção, verificamos que essa não acompanha os ganhos de produtividade. Daí a conclusão de que a pobreza relativa cresceu na última década.

  1. NATUREZA DO LULISMO: DA REVOLUÇÃO PASSIVA À FRENTE POPULAR

As principais correntes de opinião apresentam formulações distintas sobre os governos petistas. Nosso objetivo é encontrar uma chave analítica que permita construir uma caracterização mais totalizante, que passe pela governabilidade, e o fator social, pelas movimentações da superestrutura à base da sociedade, fazendo todas as mediações possíveis entre história, práticas e objetivos deste “organismo” chamado Lulismo. A partir da eleição de Lula em 2002, esforços interpretativos têm sido desenvolvidos e após 12 anos à frente da administração central ainda se debate a natureza dos governos petistas.

Os dois mandatos de Lula e o primeiro de Dilma – até Junho de 2013 – foram marcados por grande estabilidade política. A reeleição de Lula em 2006 ocorre a partir de um realinhamento no qual os setores mais pauperizados da classe trabalhadora rompem com os partidos tradicionais e passam a votar no PT e durante um período o crescimento econômico capitalista e o consumo de massa permitiu ao PT a construção da ideologia de que mais de 30 milhões de pessoas haviam entrado para a classe média, falácia que não demorou para ser desmascarada pelos analistas sérios, pela crise econômica mundial e pela luta de classes no final do primeiro mandato de Dilma.

4.1 Lulismo como fenômeno progressivo

Nesta parte do trabalho vamos apresentar as categorizações sobre o lulismo em duas grandes vertentes. Na primeira o governo surge como fenômeno progressista e na segunda como um fenômeno regressivo.

4.1.2 O pós-neoliberalismo

Vamos começar apresentando elaborações não-críticas, as que notadamente buscam justificar as políticas do governo a partir de chaves como pós-neoliberalismo (Emir Sader) ou reformismo fraco (André Singer). Para o primeiro autor, as políticas do PT teriam superado as orientações neoliberais e para o segundo, o lulismo seria um reformismo fraco porque o subproletariado que deu a vitória a Lula em 2006 seria avesso a enfrentamentos com a ordem.

Para Sader “os governos de Lula e Dilma podem ser caracterizados como pós-neoliberais pelos elementos centrais de ruptura com o modelo neoliberal – de Collor, Itamar e FHC – e pelos elementos que têm em comum com outros governos da região, como os Kirchners na Argentina, da Frente Ampla no Uruguai, de Hugo Chávez na Venezuela, de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador”[22]. Os governos da América Latina citados podem de fato ser considerados como uma descontinuidade com o neoliberalismo puro e duro implementado na região durante os anos 1990 a partir de uma ruptura imposta pelo movimento de massas, o que de conjunto os faz guardar imensa distância com o lulismo no Brasil.

Para efeito de esclarecimento, o governo de Evo Morales teve no seu início características de governo de Frente Popular porque foi composto no calor de um tremendo movimento popular que derrubou governos, mudou drasticamente políticas econômicas e impôs um governo de coalização instável com o Movimento ao Socialismo que era dirigido por Morales no seu centro. Já o processo venezuelano tem características um tanto diferentes pois, além do elemento comum da onda de indignação popular que o antecedeu e da instabilidade, Chávez aparece desde o início muito mais como figura bonapartista do que Morales.

Em todos os países citados por Sader a formação dos governos foi antecedida por rebeliões populares que desestabilizaram por completo o cenário político e formaram governos que na sua maioria conviveram desde o início com instabilidade decorrente da pressão política exercida diretamente pela luta de classes. E este definitivamente não foi o processo pelo qual o lulismo chegou ao governo federal. No Brasil, não vivemos uma rebelião popular que precedeu as eleições de 2002 e, apesar da CUT ocupar um espaço importante no governo, não convivemos com instabilidade decorrente do choque direto entre as classes sociais trabalhadores x patrões.

Sader atribui a hegemonia lulista as suas qualidades enquanto liderança política, a sua intuição e o pragmatismo de Lula, pois «combinou estabilidade monetária e retomada do desenvolvimento econômico e políticas de distribuição de renda, que assumiram centralidade nas políticas do governo. Essa combinação é a chave do enigma Lula»[23] O relato apresentado parece, à primeira vista, razoável, porém apresenta muitas porosidades. A dominação em questão tem no carisma de lula um componente importante de ligamento porém não poderia se sustentar sem o consentimento (apoio) ativo de setores da classe dominante, da burocracia sindical e dos setores mais empobrecidos da classe trabalhadora que passam a votar em lula a partir de 2006.

Essa forma de hegemonia seria um pós-neoliberalismo devido à «decisão do governo de priorizar as políticas sociais e a reinserção internacional do Brasil. O primeiro aspecto mudou a fisionomia social do país, o segundo, nosso lugar no mundo. A crise de 2008 consolidou o papel ativo do Estado, da indústria, com política anticíclicas, que permitiram resistir os influxos recessivos que vieram dos países do centro do sistema».[24] O autor apresenta orientações comuns a todos os países da América Latina que teriam rompido com o neoliberalismo, essas orientações estariam baseadas nas seguintes prioridades: políticas sociais e não o ajuste fiscal; processos de integração regional e o papel do estado como indutor do crescimento econômico e distribuição de renda. A lista de itens apresentada pelo autor teria concretizado a ruptura e constituído o pós-neoliberalismo na América Latina.

Nos limites deste texto não podemos nos debruçar sobre as políticas dos governos latino-americanos na última década, isto seria objeto de outro trabalho, porém podemos verificar se essas prioridades se aplicam ao pacto lulista. No entanto, pensamos que nenhuma destas supostas prioridades se aplica ao Brasil.

Em primeiro lugar, uma das primeiras medidas de Lula foi aplicar um ajuste fiscal, aumentar a taxa de juros e depois realizar a contrarreforma da previdência, tudo isso somente no primeiro mandato. Depois, apoiou-se no boom das commodities o que, portanto, fez com que o crescimento econômico ampliasse as políticas de compensação social. Dilma, porém, já em seu primeiro mandato recuou rapidamente diante do alarido do capital, especialmente quando sinalizou políticas de indução da economia pelo estado. No segundo mandato, contudo, quer impor um duro ajuste fiscal que tem como alvo direitos os trabalhadores e investimentos públicos.

Que a fisionomia social do país tenha mudado durante os governos lulistas é uma afirmação que merece ser analisada, pois as politicagens do governo conseguiram reduzir durante um período pobreza monetária de parte da população, mas isso está longe de significar a eclosão de uma nova classe social ou uma nova classe média (Pochmann, 2012). Por outro lado, apesar da renda do trabalho ter alcançado uma porcentagem maior em relação a renda total do país, não significa a redução da desigualdade social mas sim que mais trabalhadores ingressaram oficialmente no mercado de trabalho.

Sobre as condições de infraestrutura, educação, saúde e transporte nenhum apresentou mudança significativa. A resposta ao agravamento da crise econômica é guiada pelas diretrizes do neoliberalismo na medida em que Dilma responde com a mais dura receita neoliberal: aumento da taxa de juros, ajuste fiscal, redução de direitos e demissão. Podemos chegar à conclusão que as políticas sociais do lulismo, com Lula ou com Dilma,na verdade não são as políticas prioritárias desta formação governamental, ou seja, mais se assemelham como apêndices das grandes coordenadas macroeconômicas ditadas pelo neoliberalismo que diante de qualquer crise – econômica ou política- passam imediatamente para o terceiro plano. Assim, caracterizar as diretrizes desses governos como de continuidade do neoliberalismo acopladas às políticas sociais ampliadas e focadas nos setores mais pobres parece atender de forma mais precisa o que se estabeleceu no Brasil a partir de 2002.

4.1.3 O governo em disputa

Durante anos discutiu-se internamente no PT e na CUT a possibilidade de disputar a direção do partido com as correntes majoritárias para que pudesse voltar ao seu caráter original e para uma linha de classe. Estas correntes em uma operação ideológica, que não se sustenta em dado algum da realidade, passam a afirmar que os governos petistas a partir da eleição de Lula em 2002 também são governos em disputa.

A caracterização de que nestes governos a orientação política pode ser disputada pelo movimento social é defendida por correntes internas do PT, como O Trabalho (corrente lambertista), Democracia Socialista (corrente mandelista), Esquerda Marxista (ruptura do O Trabalho) e dirigentes de movimentos sociais, como o MST. Essa caracterização é um exemplo de teoria-justificação. Feita por essas correntes para se manterem, preservando uma aparência de esquerda, no interior do partido. Há décadas afirmam que a direção do PT pode ser disputada pela esquerda, entretanto, essa caracterização tem como fundamento, por um lado, justificar a total adaptação as correntes oportunistas/burocráticas e à dependência material destas correntes aos aparatos e ao Estado.

Nessa tese Lula/Dilma só não foram mais à esquerda porque faltou ao PT e ao movimento de massas força para empurra-lo (sic). Essa é claramente uma caracterização que não responde ao fenômeno político e sua anatomia específica, mas à dependência material em relação aos aparatos – do PT, da CUT e do Estado -, vide a política que teve o MTST em São Paulo as vésperas da abertura da copa do mundo.

A postura de capitulação da “esquerda petista” (DS e O Trabalho) não é exatamente uma novidade. Historicamente essas correntes capitularam politicamente a todas direções burocráticas que se colocavam na frente de processos políticos importantes no pós-guerra, pois consideraram-nas revolucionárias. Orientação oportunista estratégica que influenciou decididamente as correntes que hoje desenvolvem a linha de que o PT, a CUT e o governo estão em disputa. Do ponto de vista organizativo estes seguidistas deram a linha da diluição no interior dos aparatos. Este é o exemplo da DS,ou de dependência quase que total à estrutura burocrática, como é o caso do O Trabalho.

Uma demonstração que a direção deste movimento continua operando com a mesma caracterização foi a fala do grande dirigente do MST em um evento em defesa de Dilma no Rio Grande do Sul após as manifestações massivas pelo seu impeachment no dia 15 de março. Stédile, em seu discurso contra o impeachment, afirma categoricamente que o ataque ao governo é um ataque direto ao povo brasileiro e ao movimento, chama o governo a discutir as medidas econômicas e para ir para rua: “companheira Dilma, não se assuste. Deixe o (Miguel) Rossetto cuidando do Palácio e venha para as ruas, que é onde vamos derrotar a direita e seu plano diabólico.” Assim, a caracterização de “governo em disputa” é o que se denomina como teoria-justificação, uma operação ideológica que tem como objetivo não revelar o real, mas justificar uma política indefensável. A chamada “esquerda petista” nunca deu uma batalha real contra a direção destes aparatos, sempre capitulou às políticas da maioria da direção sem dar uma verdadeira batalha política, isso porque desde cedo condicionou a sua existência material e política ao aparato partidário e sindical.

Já a direção de importantes movimentos corporativos como o MST tem outras determinações políticas para sustentar essa caracterização de que o governo está em disputa. A queda do Muro de Berlim acabou quase que por completo com a perspectiva de uma transformação política e social profunda, ou seja, revolucionária. A partir daí, a direção destes movimentos, ao invés de a partir de um balanço das experiências históricas das revoluções do século XX e da necessidade de construir uma verdadeira revolução socialista, elaboram que governos progressistas e até o Estado burguês são espaços de disputa para o atendimento de suas demandas especificas (Ramírez, 2004).

4.1.4 O reformismo fraco

Dentro do campo que podemos considerar como não-crítico temos André Singer como um dos principais formuladores. Para esse autor, o lulismo seria uma espécie de varguismo que através da industrialização teria integrado os migrantes camponeses à classe trabalhadora urbana. Isso seria possível pelo realinhamento político no qual o subproletariado, cerca de 40 milhões de pessoas, teria se inclinado eleitoralmente para eleger Lula a partir de 2006. Esse realinhamento político foi o que permitiu que políticas de combate à pobreza e a desigualdade pudessem ser desenvolvidas de maneira ampla e prolongada durante os dois mandatos de Lula.

O lulismo seria uma revolução passiva. Um fenômeno ambíguo, em que a estabilidade econômica tem reservada no interior do governo o mesmo espaço que políticas de distribuição de renda. Assim, o “realinhamento eleitoral» que contou com o apoio massivo do subproletariado a partir de 2006 determinaria o grau de sua política reformista (reformismo fraco), pois este grupo social seria avesso ao enfrentamento com o capital. O realinhamento político eleitoral foi possível porque Lula proporcionou o que o subproletariado sempre desejou, «um Estado suficientemente forte para diminuir a desigualdade sem ameaça à ordem estabelecida.»[25] Essa é a tese forte do autor, o lulismo é a nova representação política de uma parte do proletariado que ontologicamente seria reformista, pois nunca terá como perspectiva de transformação a via do conflito de classes. Fenômeno ocorrido a partir de 2006, quando os mais pobres passam a votar em Lula, significou uma politização pela separação entre ricos e pobres. Mas, segundo os mesmos dados que levanta o autor e os dados da última eleição não se pode dizer que o montante total da chamada classe média não vote em Lula, ou que todos os pobres não votem na oposição tucana.

Há outra premissa problemática que permeia toda a análise do autor. A de que o subproletariado teria como perspectiva política estrutural a não confrontação com o capital. Segundo Singer, Lula foi eleito para aplicar um programa de combate à pobreza sem que isso significasse um confronto com o capital. Ao relatar o lento realinhamento político, o autor se trai. Desconsidera, pois, que a fração mais pobre da população trabalhadora não é homogênea, sendo composta de sub-frações que tem comportamentos distintos, podendo ser parte da organização de movimentos populares na cidade e no campo e, por conseguinte, assumindo posições de enfrentamento direito à repressão, como foi em junho de 2013, ou podendo ainda, de outra maneira, ser base eleitoral para a oligarquia política, como foi em parte nas eleições de 2014.

Singer apresenta o subproletariado como um setor que tem uma estratégia política voltada para a construção de um Estado que atenda às suas reivindicações sem que que para isso se indisponha com a ordem estabelecida. Assim, esse setor, que viu em Lula o «inventor» de um estado que atendesse os mais pobres sem enfrentar o capital, «deu-lhe suporte para avançar, acelerando o crescimento com redução da desigualdade no segundo mandato, e, assim, garantindo a vitória de Dilma em 2010 e a continuidade do projeto ao menos até 2014.»[26] Segundo o autor, pela condição histórica e social desse setor, a exemplo dos camponeses, este não possui homogeneidade social para construir ideologia e organizações políticas próprias que representem os seus interesses. Assertiva esta que é apenas uma hipótese e que, ainda assim, não determina ou nos faz inferir que este setor tenha como perspectiva ou estratégia o estabelecimento de uma política de concepções sem enfrentamento à ordem.

Essa construção,aliás, na qual a fração mais pobre, precária, vulnerável da classe trabalhadora tem uma psicologia política pacífica precisa ser desmistificada, pois é sobre ela que se assenta todo o edifício que dá justificação ideológica para o governo. A conclusão política de Singer se assenta na ideia de que o capitalismo brasileiro tem na pobreza de um grande contingente de trabalhadores o principal entrave para o seu desenvolvimento.

Sob essa ótica, portanto, para que possamos desenvolver o país autonomamente seria preciso superar a condição de empobrecimento do proletariado, pois «a miséria anulava a possibilidade de surgir um setor industrial voltado para o mercado interno»[27]. Então se tivermos um mercado interno consumidor podemos desenvolver uma produção com maior valor agregado e assim diminuir ou acabar com o capitalismo dependente no Brasil. Dentro dessa perspectiva nacional-desenvolvimentista – da qual não compartilhamos – não parece que a questão se resolve de maneira satisfatória, pois é como se pudéssemos superar a formação econômico-social sem romper com os elementos estruturais do capitalismo local.

Para o autor, esse realinhamento eleitoral pode estabelecer uma perspectiva de transformação radical da situação econômica e social do país, outro lugar na divisão internacional do trabalho, uma melhora estrutural das condições de vida das massas. Assim «o sonho rooseveltiano tornar-se-á regulatório da política brasileira por período extenso»[28]. Não podemos concordar que as políticas de bolsa tenham resolvido essa questão e nem aberto o caminho para uma solução estrutural. Pelo contrário, essas políticas se não superadas podem significar a perpetuação dessa condição social.

Singer também quer sustentar que a partir do governo Lula se estabeleceu uma polarização entre ricos e pobres, pois não se pode dizer que as políticas desse governo são continuidade das políticas sociais desenvolvida pelos governos tucanos anteriores. Mas, a nosso ver não parece que essa seja uma polarização que se sustente perante as políticas – processo de privatização dos portos, aeroportos, PPPs e outras – adotadas pelos sucessivos governos petistas.Claro que os eleitores de Lula e agora Dilma tem na memória – ou na transmissão desta pela propaganda governamental – o neoliberalismo puro e duro da era FHC e não querem abrir mão da ampliação das políticas sociais e de acesso ao crédito experimentadas nos últimos doze anos, porém isso está longe de opor estatistas contra defensores das soluções mercantis.

O autor ao descrever essas medidas e sua correspondência ideológica realiza uma troca de sujeitos, porque ao falar dessas medidas deveria dizer que, em verdade, foram as que serviram para ganhar a confiança de setores da classe dominante, embora não como se Lula tivesse usado políticas neoliberais como um jogo de cena para iludir a classe dominante para, com isso, criar condições para desenvolver políticas a favor dos pobres sem se enfrentar com o capital. Na realidade, portanto, o programa do subproletariado seria o de garantir uma lucratividade ao capital financeiro e às transnacionais nunca antes vista em troca de políticas que não passam de paliativos à condição de pobreza.

Outrossim, o autor não se detém em identificar esse setor como fundamental na composição política que está à frente do governo devido a sua capacidade de definir pleitos eleitorais e afirma que o subproletariado teria influência decisiva na luta de classes. Aqui temos um malabarismo político que precisamos descortinar, pois o autor faz uma extensão descabida da importância política do subproletariado, transforma mecanicamente o volume eleitoral desse setor em capacidade de definir a luta de classes. A caracterização que arredonda esse corpo analítico é a da que o lulismo a partir da sua «virada programática que começara em 2002» (ponto básico de análise que coincide com a análise empreendida quando afirma que Lula havia traído os trabalhadores ao imprimir contrarreformas) constitui um governo que arbitre entre as classes e que se caracterize por um «reformismo fraco».

Ao conquistar o apoio da massa de trabalhadores pauperizados, Singer(2012) compara Lula com Luis Bonaparte ao conquistar o apoio dos camponeses em 1848. Para Singer, o governo, a partir do ponto de vista da sua base de sustentação, realiza uma arbitragem entre as classes de acordo com a correlação de forças de cada momento, ora aplicando políticas conservadoras, ora políticas progressivas. O que não diz é que, além do subproletariado ter sido conquistado como base política eleitoral (parte do consentimento passivo) do lulismo a partir de 2006, há outra base política – a classe dominante – que tem muito claro ideologicamente o porquê apoia o governo. Também escapa a esse esquema interpretativo que houve outras contrarreformas neoliberais no governo Lula como a reforma da previdência e outras, que só não foram levadas a cabo, porque o escândalo do mensalão colocou o governo na defensiva. O mesmo vem acontecendo no atual governo Dilma.

Para Singer, o lulismo se configura em uma hegemonia baseada na arbitragem entre as classes sociais na qual existe equilíbrio entre as partes e nenhuma delas têm condições de impor suas «soluções». O efeito embelezador da interpretação do lulismo é bastante considerável. É fato que as políticas do governo significaram, em um cenário de crescimento econômico, a redução da pobreza absoluta, porém dizer que houve uma redução da desigualdade é exagerar na análise.

A hipótese de que o lulismo é um reformismo fraco exige primeiramente uma discussão sobre o conceito reforma. Para o autor, o «reformismo fraco» deste governo se não empata a exploração capitalista, ou seja, o «moinho diabólico», atua para amenizá-lo. Este seria um reformismo que se colocaria a favor dos trabalhadores, e se daria conforme um processo progressista, mas lento. E não poderia ser de outra forma, uma vez que este se caracterizaria como o setor que daria sustentação ao governo.

Desta forma, Singer não incorpora a sua análise que a maior parte dos empregos conquistados estão na base da pirâmide salarial e são precários. Confunde, assim, o realinhamento eleitoral do setor mais empobrecido da classe trabalhadora com pertencimento orgânico.

Para o autor o lulismo seria a fruição do reino da ambiguidade onde políticas díspares convivem harmonicamente: «pagam-se altos juros aos donos do dinheiro e ao mesmo tempo aumenta-se a transferência de renda para os mais pobres. Remunera-se o capital especulativo internacional e se subestimam as empresas industriais prejudicadas pelo câmbio sobrevalorizado. Aumenta-se o salário mínimo e se contém o aumento de preços com produtos importados. Financia-se, simultaneamente, o agronegócio e a agricultura familiar»[29]. Essa análise peca pela total falta de proporção entre as políticas que beneficiam o capital e as que as beneficiam a classe trabalhadora.

4.2 As abordagens críticas

Agora trataremos de apresentar as caracterizações do lulismo como fenômeno político regressivo. Nesta perspectiva vamos nos deparar com a formulação de que o lulismo seria uma forma de hegemonia que se assemelharia a um frente popular, uma revolução passiva ou uma hegemonia da pequena política.

4.2.1 O governo de frente popular

A caracterização de governo de frente popular feito por alguns setores da esquerda, notadamente pelo PSTU, a partir dessa década e meia de experiência, não resistiu ao tempo e muito menos à realidade. No entanto, este problema não se dá apenas na medida em que este setor mantém praticamente a mesma caracterização, apesar de todo o material para a análise política de que dispomos. Tal problema decorre de erros teóricos, delineados em diversos contextos, situações e acontecimentos históricos (vide a caracterização sobre Cuba, ou mais recente sobre a Croácia), que, por sua vez, prejudicam a relação dialética entre teoria e prática, caracterização e política, como parte de uma interpenetração dinâmica, gerando portanto, problemas não só teóricos, mas práticos e táticos, especialmente diante da luta de classes, uma vez que uma caracterização inadequada pode levar a uma linha política incapaz de comportar as demandas dos processos políticos e suas devidas estratégias.

Caracterizar, por conseguinte, o governo lula como um governo reformista sem reformas, ou de frente popular, a nosso ver é um equívoco, pois implica na forma que se estabelece para o combate ao governo e na organização da classe em relação a ele. Valério Arcary (militante do PSTU) afirma que o governo Lula «foi um governo quase sem reformas progressivas e muitas reformas reacionárias, porém, com uma governabilidade maior que seus antecessores»[30] Nesse balanço entre contrarreformas e reformas do autor, sem prejuízo das contradições e totalidade, qual é o signo que predomina? É verdade que esse governo teve mais governabilidade que governos burgueses anteriores, como FHC, por exemplo, mas esse elemento não pode determinar o seu perfil político ou caráter de classe. Governos burgueses autoritários ou mesmo reacionários experimentaram durante períodos relativamente longos estabilidade política às custas de processos repressivos ou cooptação dos principais dirigentes dos trabalhadores.

Esta proposição, assim, é uma espécie de «remasterização» do conceito de frente popular usado por Trotsky para explicar processos nos quais setores e governos são constituídos a partir da coalizão de partidos que representam classes antagônicas. Valério pondera quando diz que “não há muitas dúvidas de que o governo Lula foi um governo de colaboração de classes, ou seja, um governo burguês atípico ou sui generis, porque dirigido pelo PT.»[31] Mais uma vez aparece de forma diferente a tese de um governo de frente popular. O fato de ser dirigido pelo PT torna um governo burguês atípico? Aqui o fenômeno do transformismo petista foi desconsiderado na análise.

É certo que Lula foi fundamental para estabilizar a situação política que vinha se perfilando no final do governo FHC e que se polarizava. Mas é preciso identificar outro propósito. Além do elemento antecipador de um possível processo de levante popular que poderia reproduzir as rebeliões vividas em vários países da América Latina, os governos Lula/Dilma cumpriram o papel de aprofundar o processo de financeirização do capitalismo no Brasil e de o estabelecer como principal representante do neoliberalismo na América do Sul.

Arcary considera que a novidade histórica de Lula é que esse foi o primeiro governo de «colaboração de classes, em um país periférico, que não foi hostilizado pelos governos das potências que dominavam o sistema internacional de Estados.»[32]. Essa caracterização é correta, mas é preciso dizer que o fato não é de que o governo não seja atacado pelo imperialismo, ao contrário, para ser mais preciso nesta caracterização, ele tem colaborado diretamente com o imperialismo no campo internacional, vide a ocupação do Haiti e a pseudoneutralidade frente aos problemas que relacionam seus vizinhos e a burguesia estrangeira, como no caso das Ilhas Malvinas.

É preciso que fique claro que a alta popularidade do lulismo durante a última década se apoia nas políticas de compensação social, não exatamente em reformas. Da mesma maneira, é necessário estabelecer uma distinção entre as políticas de compensação social e as reformas estruturais. As políticas de compensação social não são exatamente reformas que mudam estruturalmente a dinâmica social, mas podem, ao invés disso, culminar em condições para se agudizar a desigualdade social.

A partir de uma premissa equivocada se chega dentro dessa lógica a formar conclusões não menos falsas. Se assim, vejamos. Arcary coloca a seguinte questão: «Por que reformista? Por que foi um governo de colaboração de classes. O tema não é controverso. Por que quase sem reformas?». A premissa de que o governo é de colaboração de classes segundo a perspectiva do autor leva a conclusão mecânica de que seria então um governo reformista. Nesta lógica, apesar de ser um governo que aplica mais contrarreformas do que reformas, esse continua sendo um governo reformista porque é de colaboração de classes? Os fatos acabam sendo anuviados em nome de um esquema mental que considera que se o governo é um governo do PT, um partido operário, é um governo de colaboração de classes e portanto e, necessariamente, um governo de frente popular.

Nesse sentido,há dois aspectos a serem considerados. O primeiro é que o PT foi decisivo para que o movimento da consciência de classe dos trabalhadores na década de 80 ganhasse uma expressão política reformista, mas a experiência e as derrotas da década de 90 foram o chão para que mesmo esse classismo primário refluísse. Nesse caso o PT também teve papel decisivo como elemento consciente da «corrupção» desse ganho de consciência da década de 80 e, dessa forma, ele foi expressão de um ganho na consciência, mas durante a década de 90 atuou para corrompê-la.

Verdade que as «massas populares» precisam de pontos de apoio para realizar as suas lutas, porém muitas vezes o fazem sem contar com organizações políticas já instituídas e também podem fazer a luta sem que suas pautas sejam expressão direta dos efeitos mais duros da crise econômica. Esse foi o caso da rebelião juvenil de Junho de 2013. Um setor das massas tomou as ruas em reposta às condições de existência de todo um setor urbano da população, particularmente o que vive nas periferias das grandes cidades. Esta mobilização nacional sacudiu a situação política e fez a popularidade do governo despencar, demonstrando que a ação política das massas é fundamental para limpar o terreno analítico, ou seja, para se estabelecer uma clara distinção entre a propaganda governista e a realidade social e política.

Ao dialogar com os setores que argumentam que o governo não tinha correlação de forças para desenvolver políticas pró-trabalhadores, Arcary coloca que a questão chave é saber se «durante os últimos anos, o governo lula esteve ou não disposto a desafiar o domínio capitalista sobre a sociedade brasileira.»[33] A nosso ver, essa não parece ser uma questão real, se for considerado o movimento político que o PT fez nas últimas décadas, e parece um impressionismo em relação ao nível de consciência e capacidade de revolta das massas. É como se houvesse através da eleição de Lula em si a possibilidade de um desbloqueio da luta de classes na medida que as massas iriam se sentir traídas pela não realização de um programa mudanças estruturais.

Apesar de estar em uma perspectiva política distinta, Luiz Werneck Vianna[34] sustenta que o lulismo seria uma frente de classes no qual conviveriam forças contraditórias, mas que os conflitos, em última instância, seriam decididos pelo presidente. Nesse sentido, o parlamento teria perdido poder de mediação com a sociedade, pois esse teria sido absorvido por conselhos, como o do desenvolvimento econômico e social. O Estado (e governo) teria um certo elemento bonapartista, criando uma espécie de relação direta com a sociedade ao trazer para o seu interior representantes diretos de vários setores e, além de absorver politicamente representantes da sociedade civil, também criou várias formas de dependência financeira através de ongs, doações, transferências do FAT, bolsas e etc. Vianna(2011) observa que há um processo generalizado de centralização administrativa que é puxado por políticas públicas de justiça social, o que requer racionalização das ações, o que leva racionalidade administrativa. Como exemplo utiliza o Conselho Nacional de Justiça que tem estabelecido um forte controle e centralização sobre o poder judiciário.

Demandas democráticas contraditoriamente estariam reforçando ou instituindo mecanismos nos quais se «prescinde da participação dos cidadãos, uma vez que decorre da ação das elites ilustradas(…)elites que encontram no governo a oportunidade de realização das suas agendas de democratização social».[35]

Vianna acerta quando diz que o governo desde o início rompeu com o seu programa e estabeleceu continuidade com o governo anterior em relação a política econômica. Vemos aqui dois equívocos. Em primeiro lugar porque não é verdade que houve uma ruptura abrupta com um programa radical, não foi exatamente uma surpresa para o campo da esquerda o que ocorreu com o PT; em segundo lugar, um estado que abrigasse todas as classes sociais parece colocar uma situação de igualdade que não havia no interior do governo devido às mediações causadas pelas distintas representações no interior desse «condomínio presidencial».

Como expressão desse encontro de classes sociais distintas teríamos a presença de representantes do «capitalismo agrário e os trabalhadores do campo, ai incluído o MST, ambos ocupando, pelas suas representações, posições fortes na Administração»[36] Para o autor, o governo Lula não estaria senão que repetindo a tradição política nacional a realizar um movimento sem superação, uma «dialética sem síntese», pois depois de várias eleições superaram eleitoralmente o PSDB para logo após reintegrá-lo ao poder através da presidência do banco central. Aqui se comete o mesmo equívoco que muitos analistas em relação a definição do governo Lula como uma forma de revolução passiva, apesar de todo o rastro político de conservadorismo deixado pelo PT durante o seu movimento até chegar a vitória eleitoral de 2002. Perde-se a dimensão de que não se trata mais de uma forma de transformação e que assume, com efeito, o programa das «forças de conservação».

4.2.2 A hegemonia às avessas

Dentro do quadro de autores críticos ao lulismo se encontra o renomado sociólogo Francisco de Oliveira. Este considera que o lulismo é um fenômeno político regressivo, que cumpriu o papel de desmobilizar e despolitizar o país e aplicou um programa contra os interesses dos trabalhadores. Esse renomado sociólogo, reúne em torno de suas teses pesquisadores que compartilham da mesma compreensão – com adequações aqui e ali – de suas questões e hipóteses centrais. Apesar deste setor da intelectualidade acadêmica apresentar uma crítica um pouco mais contumaz e dialogar com organizações políticas que estão na oposição de esquerda ao governo, pensamos que também apresentam como resultado de sua pesquisa uma visão que não compartilhamos.

Na elaboração de Oliveira: » esse curioso fenômeno em que parte ‘dos de baixo’ dirige o Estado por intermédio do programa ‘dos de cima’[37], desconsidera-se a trajetória política que faz o PT na década de 90 e o seu profundo «transformismo» que não nos permite afirmar que «parte dos de baixo» dirige o Estado. A burocracia sindical lulista quando chega ao governo já fez um movimento político-social de incorporação tanto social quanto programática à classe dominante.

O autor afirma que o mandato era «intensamente reformista no sentido clássico do termo» no qual se esperava o «alargamento dos espaços de participação nas decisões da grande massa popular, intensa distribuição de renda» e finalmente uma reforma política e da política que desse fim a longa persistência do patrimonialismo»[38] Mas, não chega a estas conclusões a partir da configuração político-social do governo e do conjunto de suas medidas nesses 12 anos e, desta forma, não conclui que o profundo transformismo petista e lulista não nos permite dizer que há uma “hegemonia às avessas” e que não houve uma inflexão total das propostas petistas e sim um longo processo de adaptação desse partido ao programa social-liberal. Sobra a Oliveira uma reação atônita e infelizmente pouco interpretativa em relação ao o que é o pacto lulista.

4.2.3 A revolução passiva à brasileira

Vamos a análise do que estamos chamando de falsas premissas que compõem o corpo teórico que traduz de maneira equivocada o conceito gramsciano de revolução passiva aplicado ao lulismo como movimento político. Além disso, existe um alinhamento teórico em torno das interpretações de Oliveira sobre o qual teremos que tecer alguns comentários.

Nas palavras de Ruy Braga: «a esse curioso fenômeno «transformista» em que parte «dos de baixo» dirige o Estado por intermédio do programa «dos de cima», Chico chamou «hegemonia às avessas»: vitórias políticas, intelectuais e morais «dos de baixo» fortalecem dialeticamente as relações sociais de exploração em benefício «dos de cima».[39] O governo Lula,então, foi um dos mais estáveis da história do país e isso se deve a construção de um governo de coalização que contava com o apoio dos sindicatos e dos principais movimentos sociais. Além disso, foram criadas uma série de expectativas em torno de um presidente que tinha origem operária e foi liderança do grande movimento operário que surgiu no final da década de 1970.

Não podemos concordar com a análise de que Lula, a burocracia sindical, o seu governo de aliança com José Alencar e toda banca possam ser considerados com «parte dos de baixo» e nem que aplicavam uma «hegemonia às avessas» ao aplicar um programa que não lhes era comum. O deslocamento eleitoral do subproletariado, setor de classe que soma mais de 40 milhões de pessoas, portanto um peso eleitoral importantíssimo, foi um fenômeno decisivo na reeleição de Lula, após o afastamento de grandes contingentes da classe média a partir da denúncia do «mensalão» em 2005, o que lhe permitiu derrotar o PSDB em 2006, eleger Dilma em 2010 e reelegê-la agora em 2014.

Assim, nesta perspectiva, o programa Bolsa Família “teria garantido a maciça adesão dos setores pauperizados das classes subalternas brasileiras ao projeto do governo, jogando no campo do seu adversário eleitoral, isto é, da instrumentalização da pobreza e da gestão burocrática dos conflitos sociais, o governo Lula soube derrotar o «Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), mas ao preço da despolitização generalizada das lutas sociais.»[40] Que o governo Lula tenha utilizado do mesmo expediente de conceder políticas de compensação social que os seus adversários eleitorais é uma questão que parece estar fora do debate aqui. Mas, aqui entra em cena a identidade estabelecida por Oliveira e seguida por Braga entre redução da pobreza monetária – até Singer reconhece isso – e combate à desigualdade social.

Braga está correto quando refuta a tese de que o subproletariado não pode ser confinado apenas a «participação política eleitoral» e que esse setor de classe também foi o responsável pela construção do PT, da CUT e também pela eleição de Lula, pois «a reconstrução sociológica da formação da trajetória dessa fração de classe mostrará que apesar da atual estabilidade do modo de regulação proporcionada pelo «transformismo» petista, a hegemonia lulista encontra-se assentada em um terreno historicamente movediço.»[41] Isso é correto, pois o subproletariado tem sido um setor que demonstra grande dinamismo social, e nesse dinamismo, ao se incorporar a classe trabalhadora, acaba por se transformar no setor jovem e mais dinâmico dessa classe.

Apesar dos seus limites sociais e políticos dos camponeses sem terra ou do movimento dos trabalhadores sem-terra, que não podem como o fez a classe operária na década de 80, formar um partido ou uma central sindical da envergadura da CUT, também podemos presenciar que o subproletariado é responsável por inúmeros exemplos de combatividade e politização.

A dialética do lulismo é composta pela combinação entre consentimento passivo das massas e consentimento ativo das direções sindicais. Dessa forma, essa formação política tem como essência «o consentimento passivo das massas(…)com o consentimento ativo das direções sindicais». Não parece que o lulismo seja apenas a junção da liderança sindical, enriquecida pelos cargos públicos, fundos de pensão e outros «negócios» com a massa do subproletariado que está seduzida pelas políticas de compensação social.

Por isso é certo afirmar que que o subproletariado pode passar da inatividade política a atividade como em outros momentos da história política brasileira. Porém, não se pode transpor de maneira mecânica a relação entre a burocracia sindical da década de 1970 com o setor mais precário da classe trabalhadora que ao combater a pauperização se politizou e acabou construindo as maiores organizações operárias da história do Brasil, como faz Braga. Importantes revoltas do subproletariado contra as condições de existência – como as dos trabalhadores nas obras do PAC em Belo Monte, por exemplo – já estavam ocorrendo desde 2011.

Para o autor, a dialética do lulismo seria composta da seguinte forma: «o momento negativo deve ser buscado no amadurecimento da experiência operária ao longo do clico grevista de 1978-80, o conservador na reconciliação da burocracia de São Bernardo com a estrutura sindical oficial e, consequentemente, com o Estado capitalista – coroada pela transformação, ao longo dos anos 1990, do PT em notável máquina eleitoral -, e a elevação, na conquista do governo federal em 2002, que possibilitou aquela burocracia sindical converter-se, definitivamente, em gestora da poupança dos trabalhadores»[42]

Compartilhamos a ideia de que a burocracia lulista tem sua genealogia ligada ao grande ascenso sindical do final da década de 70 que foi parte da negação da estrutura sindical e da ditadura militar, luta sindical que ao romper com o oficialismo se colocou como direção, entretanto, já na greve de 1980, ela cumpriu o papel de freio da necessária unificação metalúrgica, única forma de criar a força necessária para impor as reivindicações operárias, enfrentar a patronal e os militares e a partir daí criar as condições necessárias para reagir à ditadura de forma cabal.

A hipótese de o lulismo ser uma espécie de revolução passiva não se sustenta, pois seria um processo no qual conservação e transformação ocorrem de forma combinada – como todo movimento dialético, é composto por uma dada combinação de mudança e conservação que pode ser quantitativa ou qualitativa – no qual um elemento não neutraliza o outro, ao contrário predomina sendo que, no caso da revolução passiva, a transformação é predominante.

  1. UMA DEFINIÇÃO DA HEGEMONIA LULISTA

Procuramos interpretar o fenômeno em questão utilizando ferramentas conceituais consagradas pelo marxismo revolucionário durante o século XX. Ferramentas estas que estão sendo usadas em larga escala, mas de forma equívoca a nosso ver.

5.1 As contribuições teóricas de Trotsky e de Gramsci

Pensamos que existem duas contribuições para interpretar o fenômeno político em questão que, guardadas as suas especificidades, podem ser encaradas de forma complementar. Estamos falando das categorias políticas elaboradas por Leon Trotsky e Antonio Gramsci para interpretar os processos políticos do século XX. Estes dois autores têm como critério encontrar a lógica própria dos processos políticos. Assim, não se trata de invenções categoriais que se sobrepõem aos fenômenos, ao contrário, buscam na realidade o seu movimento lógico, não é a coisa da lógica, mas a lógica da coisa que está em questão.

Esse é o caso da análise que Trotsky faz da Frente Popular na França durante a década de 1930. A análise sobre um movimento político de esquerda que acaba como governo de conciliação de classes, deixou-nos lições preciosas sobre o fazer político. Gramsci, por sua vez, analisa o processo de modernização italiano no século XIX e também deixa um ferramental conceitual decisivo através da «revolução passiva» (predomínio da transformação na dialética reação-transformação) e da «contrarrevolução» (predomínio da reação) para compreendermos o desenvolvimento histórico que nem sempre ocorre por rupturas revolucionárias, principalmente se levamos em conta o percurso histórico brasileiro.

Há entre os dois autores significativos pontos de encontro sobre essas respectivas formulações – principalmente em relação aos conceitos de bonapartismo sui generis e revolução passiva – para explicar a formação dos estados modernos e a composição de governos no interior do desigual desenvolvimento econômico e político vivido no Brasil. Da mesma forma que a categoria de “frente popular”, o conceito de «revolução passiva» em absoluto não se aplica ao Brasil da era lulista. No Brasil não assistimos nem a sombra do que poderia ser uma revolução passiva. Por aqui as condições políticas que levaram Lula ao governo não contavam com uma luta generalizada de descontentamento popular espontânea ou de forma organizada, o que havia sim era o descontentamento com a política neoliberal de FHC que tendia sim a uma rebelião, mas apenas tendia. Daí a política do PT e da maioria da burguesia de montar um governo de coalização. Tudo isso como uma forma de prevenir a necessidade de uma reação direta à insatisfação popular.

Quais seriam as condições para a realização da frente popular? Segundo Trotsky nessa aliança do proletariado com a burguesia imperialista, ou melhor em «uma aliança do proletariado com a burguesia imperialista, representada pelo partido radical, e outros despojos da mesma espécie e menor envergadura. Essa aliança se estende ao terreno parlamentar.»[43] Ou seja, para que aja uma aliança do proletariado com a burguesia imperialista isso só pode ocorrer através de um partido operário, que no caso da França está representado pelo Partido Comunista Francês (PCF) que, apesar de reformista, ainda poderia ser considerado como operário. Por outro lado, a burguesia imperialista tem no Partido Radical a sua representação.

Nessa composição de classes, não há um equilíbrio, pelo contrário, a burguesia «conserva toda a sua liberdade de ação» e «limita brutalmente a liberdade de ação do proletariado»[44]. O governo de Frente Popular comporta um elemento que muitas vezes é desconsiderado por aqueles que enquadram o lulismo nessa categoria, mas que é indispensável para a composição dessa forma de governo burguês. É o elemento da instabilidade: a atividade política do movimento de massas. Fator que ficou mais evidente no governo de Dilma, mas que esteve presente em alguns momentos do governo de Lula.

A frente popular conta com uma participação ativa das massas, que «mostram, por seu voto e por sua luta, que querem derrubar o partido radical, os chefes da Frente Única, ao contrário, aspiram a salvá-lo.»[45] Ou seja, as massas mostram pelo voto e pela luta que querem derrubar os elementos burgueses dessa frente, mas os dirigentes, atuam no sentido de preservá-los. Portanto há um latente descompasso entre a vontade política das massas e a ação dos partidos que representam os proletários.

Trotsky descreve a operação na qual os dirigentes dos partidos operários ganham a confiança das massas por intermédio de um programa «socialista», mas somente para entregar «voluntariamente a parte do leão desta confiança aos radicais, nos quais as massas não tem confiança alguma»[46] Opera-se uma espécie de «transformismo» político cujos dirigentes operários em quem as massas depositam sua confiança, no curso do processo de seu enfrentamento com a burguesia, se transformam em dirigentes que, ao ascender ao governo, traem imediatamente a confiança das mesmas.

Com a «evolução» da Frente Popular na França não restou muito mais do que a colaboração de classes entre pseudorepresentantes do proletariado (reformistas e stalinistas) e da pequena burguesia (radicais), não uma aliança entre proletários e a pequena burguesia. Na verdade, o partido da pequena burguesia representa os interesses do capital financeiro no interior da frente popular. A Frente Popular vive um drama político de repercussões históricas, e não consegue superar o impasse histórico porque teme a debandada da classe média, assim fica a meio caminho para não ameaçar a ordem social.

Trotsky como agudo analista político prevê que o impasse não pode durar ad aeternum e, apoiada pelo capital financeiro, a pequena burguesia tende à direita. Assim, a exemplo de outros países da Europa, uma nova configuração política se estabelecerá, significará «o começo do fascismo na França, não somente como organização semimilitar dos filhos de boa família, com automóveis e aviões, mas também como verdadeiro movimento de massas»[47]. Aqui vemos que a Frente Popular de maneira «clássica» configura uma situação – inclusive mundial – de polarização política que tende a levar a situação revolucionárias ou contrarrevolucionárias, estamos no meio da era dos extremos.

A construção do pacto lulista que se efetivou na eleição de 2002 se deu em um momento antes da possiblidade de eclosão de uma «revolução passiva». Por outro lado, as demandas populares não foram atendidas por essa forma de dominação. Aqui parece que não cabe muito esforço conceitual, basta descrever quais foram as políticas do lulismo até hoje que dão conta de afirmar que as políticas de compensação social não são exatamente o atendimento das demandas dos de «baixo». Em Gramsci a revolução passiva é um conceito que se aplica quando estamos diante de grandes acontecimentos e desafios históricos, tais como as reformas na Europa durante o século XIX que foram responsáveis pela centralização política e a passagem de regimes monárquicos para república, na qual a classe dominante respondeu “pelo alto” as tarefas que a Revolução Francesa exigia, ou seja, foi um caminho de transformação que anulou a – perigosa – possibilidade de mobilização das massas populares.

A desigualdade no desenvolvimento capitalista na Europa e em outros continentes proporcionou formações sociais distintas. Convivem com os processos clássicos (mesmo estes contêm uma série de movimentos contraditórios) de formação capitalista e do estado moderno com vias «tardias» como a alemã, italiana e japonesa, além das «hipertardias» como as da américa latina. São processos de modernização não clássicos porque não contaram com revoluções que bloquearam a mobilização política das massas populares e não significaram uma ruptura radical com o antigo regime, como a revolução francesa do final do século XVIII, maior exemplo disso.

O conceito de «revolução passiva» por Gramsci se dá a partir da observação de experiências históricas concretas, como a transição na Itália do regime feudal para o capitalismo, a restauração pós-napoleônica na França da década de 1840 ou a unificação alemã sob Bismarck. Esses processos ocorreram sem a participação das massas camponesas, os seus partidos foram neutralizados pois não conseguiram formular projetos hegemônicos para atender aos interesses do povo, o que significou a marginalização destes partidos.

Para se compreender a «revolução passiva» é útil o conhecimento do conceito de «crise orgânica», pois quando essa ocorre há um «abalo das estruturas e superestruturas de um bloco histórico, abrindo-se a possibilidade de surgimento de novas formas de organização social»[48] Desta maneira, diante das crises orgânicas as antigas classes dominantes temem que novas revoluções populares como as jacobinas ( na qual a classe dominante poderia perder o controle político) se realizem e, assim, procura construir processos que incorporem as reivindicações dos de baixo de forma moderada, sem participação popular, tal como foi a transição do feudalismo para o capitalismo na Itália.

O lulismo frente ao governo federal parece longe da categoria de revolução passiva. Trata-se de um governo de coalização que acabou, por contingências políticas, findando num reforço do papel do chefe em seu interior. Gramsci diz que «cada governo de coalisão é um grau inicial de cesarismo, que pode ou não se desenvolver até graus mais significativos.[49] Nessa forma de governo «se exprime sempre a solução ‘arbitri’, confiada a uma grande personalidade, de uma situação histórico-política caracterizada por um equilíbrio de forças de perspectiva catastrófica.»[50] Ou seja, dá-se uma situação em que uma personalidade política forte assume o poder a partir de um ponto de equilíbrio entre as classes, evento sem o qual se enveredaria possivelmente a uma situação de crise generalizada, vazio temporário de poder. Uma vez consolidada, contudo, a assunção ao comando pode levar a uma solução progressista ou regressiva, mas novamente contamos com a presença de forças políticas ativamente contrárias.

Para se caracterizar se a saída pelo alto – cesarista –, através de um golpe de estado ou de uma eleição, trata-se de uma «revolução passiva», segundo Gramsci, é necessário considerar dentro desse processo se na «dialética ‘revolução-restauração’ é o elemento da revolução ou o elemento da restauração que prevalece».[51] A revolução passiva não é uma revolução desde baixo, feita pelas massas, uma revolução jacobina e isso determina que se dê um processo combinado entre os elementos de restauração e revolução, mas no qual predomina o elemento revolução. Tal fato só é possível, porém, porque a classe trabalhadora não dispõe de organizações políticas que possam construir uma contra hegemonia capaz de dirigi-la para revoluções em que ela esteja na cabeça e realize o seu próprio programa.

As crises econômicas em Gramsci, bem como para outros autores clássicos, não significam imediatamente uma crise política e, muito menos, favorável ao socialismo. A crise política, conforme surja, pode levar a fenômenos políticos regressivos como «golpes de Estado por parte das classes dominantes».[52] Assim,da definição de revolução passiva é necessário fazer as análises políticas mais concretas possíveis para se poder identificar do que se tratam os fenômenos estudados, pois no processo de enfrentamento a uma forma ou outra de dominação existem distintos desdobramentos e também cabem diferentes políticas de enfrentamento.

Apesar de ser uma transformação por cima, a revolução passiva provoca mudanças moleculares na correlação de forças e se transforma «em matriz de novas modificações.»[53]. Parece que nesse critério a revolução passiva daria lugar a possibilidades de transformações desde baixo. Em uma comparação com Trotsky, seria um quadro similar às frentes populares, que dariam lugar a um processo de radicalização, abrindo possibilidades para avanços ou retrocessos históricos.

O esquema teórico de que o lulismo seria um arranjo político entre a burocracia sindical/política e o “precariado”(Braga, 2012) como fulcro da «revolução passiva à brasileira» nos parece também um equívoco. No interior do governo a burocracia cutista cumpre o papel de administrar diretamente os negócios da burguesia. Mas, o governo não é definido apenas pelo “consentimento ativo” dos dirigentes do PT e da CUT, é também composto por representantes políticos diretos da burguesia em suas várias frações dentro do governo.

Afirmar que o Brasil é um caso de revolução passiva devido ao “consentimento passivo” das massas é abstrair um dos elementos dessa forma de hegemonia (dominação) burguesa. Falta ao lulismo e às suas políticas um alcance estratégico que provoque mudanças reais na superestrutura ou mesmo nas relações entre as classes. Essas políticas, além de serem um paliativo, acabam por reproduzir a pobreza entre as massas.

Gramsci diferencia a «grande política» da «política menor». A grande política está voltada aos grandes projetos, para defesa ou destruição de «determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais.»[54] A «grande política» portanto não se faz sem o conflito aberto entre classes sociais ou entre setores de classe, conflito este que de alguma forma muda a fisionomia da sociedade na qual ocorre essa disputa. O autor italiano acrescenta que «é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política»[55] Assim, a «grande política» pode, de alguma forma, ser traduzida em uma manobra política que tire a ação das massas da vida política da sociedade.

A «política menor» é a política do cotidiano, das questões parciais, parlamentares ou palacianas, ou seja, das disputas «que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida, em virtude de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. «[56] Como não existe hegemonia sem consenso, a hegemonia da pequena política ocorre sobre o consentimento passivo. No consentimento passivo não há auto-organização das massas, o que predomina é a aceitação resignada do poder como está posto. Para Coutinho (2010), quando se naturaliza que o fazer político não passa de uma disputa pelo poder no interior da classe dominante ou entre as elites, ocorre hegemonia da pequena política[57] Assim, as batalhas hegemônicas podem ocorrer não apenas no meio da disputa de projetos hegemônicos de sociedade, apesar desta ter sido uma forma bastante presente na história. Atualmente, as disputas não têm ocorrido em torno de posições políticas realmente divergentes, pois «que diferença substantiva existe atualmente, por exemplo, entre conservadores e trabalhistas na Inglaterra? Ou entre o governo de FHC e o governo de Lula?»[58]

5.2 A política social-liberal

As expectativas em relação ao governo do PT tinham algumas variantes. Havia aqueles que acreditavam que poderia ser construído no Brasil algo semelhante a um Estado de Bem-estar Social e aqueles que acreditavam que as esperanças nas massas e a frustração daí advinda iriam abrir um caminho para uma transformação radical no Brasil.[59] Quando de sua eleição, Lula já era tributário de mais de uma década de adaptação política e o PT já era responsável pela gestão de dezena de governos estaduais e municipais com perfil liberal. Assim o neoliberalismo da década de 1990 pode ter continuidade com os governos do PT, mesmo que dentro de uma nova forma política que se legitimava por uma composição governamental que incluía um líder carismático, os aparatos sindicais e representantes da burguesia.

O PT montou uma coalisão para governar sem enfrentar os interesses de nenhum setor da burguesia. O que fez foi por vezes privilegiar esse ou aquele setor com isenção fiscal ou políticas de incentivo, mas nada que pudesse colocar em questão o predomínio do capital financeiro ou do capital internacional sobre a economia brasileira. Ou seja, a ideologia de governo de enfrentamento ao capital financeiro ou ao capital internacional não se sustenta nem mesmo pela estrutura do capitalismo, que não pode separar nas condições atuais o setor «financeiro» do «produtivo».

Não tardou para que o projeto mostrasse realmente a que veio. Já nos primeiros anos de governo Lula, tivemos a aplicação de políticas abertamente contra os interesses dos trabalhadores. Leda Paulani faz uma consideração correta quando afirma que as políticas compensatórias «ao invés de integrar os excluídos, elas consagram a fratura social: distribuem uns poucos recursos àqueles que jamais conseguirão se integrar, para que se possa dar andamento tranquilo à usual política concentradora e excludente (não por acaso, o criador desse tipo de instrumento é um indivíduo de cujo credo liberal ninguém duvida, o economista monetarista norte-americano Milton Friedman)»[60] Na mesma linha da autora podemos medir o governo, ou seja, mais pelo programa que coloca em prática do que pelo que fala, e nesse caso o maior beneficiado é o setor financeiro, a agroindústria exportadora de soja principalmente. Lula e Dilma tem realizado gestões abertamente burguesas à frente do governo federal, sobretudo, a manutenção das políticas econômicas neoliberais nos primeiros anos do governo Lula, altas taxas de juros e reforma da previdência[61]

Para usar as categorias utilizadas pelos defensores de que o Brasil seria um caso de revolução passiva, a partir de 2002 teríamos que encontrar nesse fenômeno uma dialética entre “restauração” (reação conservadora à possibilidade de mudança) e «renovação». Ou seja, a revolução passiva começa com uma reação conservadora (para que se preserve as estruturais político-sociais) à possibilidade de mudança e depois vem a renovação – momento em que as demandas populares são satisfeitas sob controle.

O fenômeno do lulismo frente ao governo federal se aproxima mais de um processo de contrarreforma do que de revolução passiva, pois enquanto que em uma revolução passiva se atende parte das reivindicações populares em uma contrarreforma «é preponderante não o momento do novo, mas precisamente o do velho.»[62] Estamos diante de um processo mundial de destruição de direitos sociais, de destruição do Estado de Bem Estar Social, que ocorre apesar da resistência dos trabalhadores em toda a parte do mundo. A tensão entre conservação e mudança reflete conceitualmente de forma muito mais concreta a realidade política do que o conceito de revolução passiva. Ou seja, no Brasil temos assistido a imposição muito maior de elementos conservadores do que de elementos inovadores.

5.3 Um governo de coalizão preventivo

Para nós, a aproximação sobre a forma hegemônica de dominação que se estabeleceu a partir de 2002 está a serviço de encontrar estratégias políticas de combate ao capitalismo. A atualidade dos debates sobre o lulismo se explica porque o estabelecimento dessa forma de governo e a sua atual crise tem/teve grande repercussão na luta de classes. O seu estabelecimento causou rupturas – ainda que de vanguarda -, cooptou as principais lideranças e tirou as massas das ruas. Agora, finalmente, a sua crise abre uma situação política mais favorável para a luta da classe trabalhadora, para a recomposição do movimento operário e da esquerda socialista.

A dominação política burguesa nos governos do PT tem sua singularidade, pois não se trata da simples continuidade do governo anterior. Do contrário, seria difícil explicar mais de uma década de estabilidade político-social vivida desde 2002, à medida que crescia a agitação política contra o neoliberalismo no início dos anos 2000 e ocorriam na América Latina Rebeliões Populares em vários países. Nesse momento, a classe dominante percebe que o Brasil poderia ser o próximo país a explodir politicamente, por essa razão se inclina majoritariamente para a candidatura de Lula. Esse por sua vez assume todos os acordos necessários para ter o apoio da classe dominante, e o ponto central deste acordo era não tocar nos pilares do edifício neoliberal construído na década anterior.

O lulismo surge em 2002 como resultado de uma coalisão com um setor da burguesia, a burocracia sindical e a partir de 2006 do subproletariado, que em um movimento de realinhamento eleitoral passa a votar no PT(Singer, 2012).[63] Da mesma forma, essa composição termina com o afastamento de amplos setores da classe média em decorrência do «mensalão» em 2005. Além disso, setores importantes da burguesia nacional fazem parte desse realinhamento eleitoral, e por razões políticas e econômicas bancam a eleição dos mandatos do PT.

A escolha de José Alencar(PL)para o cargo de vice-presidente tem uma função ideológica muito importante, esse representaria o setor produtivo dos empresários no governo, aquela fração do capital que se liberto do capital financeiro pode contribuir para trazer soberania, emprego, renda para os trabalhadores. Foram montados ministérios com representantes direitos das frações burguesas. Tivemos a presença no comando do Banco Central um representante “puro sangue” do capital financeiro, do agronegócio e dos exportadores e da burguesia industrial. Por fim, temos as lideranças sindicais que ocuparam ministérios, milhares de cargos no governo e nas estatais. Lula cooptou a burocracia sindical não-lulista com uma reforma sindical que aumentou o imposto sindical, transferindo para os sindicatos cerca de R$ 100 milhões anuais. Estes dirigentes não dependem mais dos ingressos por via dos aparatos sindicais ou partidários, pois estão integrados a burguesia por via da gerência dos fundos de pensão, da alta administração das estatais, etc.

O lulismo foi um pacto feito por cima – assistido pelas massas – entre o PT e a burguesia que tratou de construir a hegemonia da pequena política brasileira às custas de colocar em baixo do tapete as reais demandas da classe trabalhadora e de criar a ilusão de que as questões sociais poderiam ser resolvidas por fora da grande política. Essa manobra política teve grande eficácia, pois se apoiou em anos de valorização e crescimento das exportações de commodities.

O conceito gramsciano de pequena política[64] parece mais adequado para identificar a abordagem política da composição eleitoral da qual estamos tratando. Nunca esteve em jogo a luta por projeto distintos de sociedade, a política passa por fora da vida cotidiana e é entregue a administração pura e simples do que está posto.

Aqui se apresenta uma questão chave para o debate com todas as linhas interpretativas sobre o pacto lulista. Ou seja, que esse pacto significou continuidade e descontinuidade em relação aos governos anteriores de FHC. De outra forma não podemos explicar por que o lulismo foi capaz de estabelecer a pacificação política nacional por praticamente uma década. Porém, nessa dialética entre continuidade e descontinuidade sabemos que – apesar da eficiência das políticas que levaram à redução da pobreza monetária – o que predomina são os elementos de continuidade das grandes linhas macroeconômicas ou sociais.

A justa compreensão sobre esse tema permite apreciação concreta sobre as políticas desenvolvidas pelos governos petistas durante esses últimos doze anos, o que também joga luz sobre a composição sociopolítica dessa forma de governo. A questão da permanência e até aprofundamento do neoliberalismo é fundamental para fazer a polêmica com toda sorte de analistas de um amplo leque ideológico – de Emir Sader a Ruy Braga – pois em todos eles o pacto lulista é uma forma de dominação burguesa similar a uma frente popular ou a uma revolução passiva que ao contrário de outras experiências – como a de Allende, por exemplo – acabou tendo vida longa.

Deu-se, pois, um caminho de transformação que anulou a – perigosa – possibilidade de mobilização das massas populares. No neoliberalismo lulista «não está em jogo nenhuma opção entre diferentes modelos de sociedade. Podemos assim dizer que há, na era da contrarreforma neoliberal, sem grande contraste a hegemonia da pequena política»[65]. A modernização econômica e a mobilidade social não são elementos que em si não garantem a redução da desigualdade social. Ou seja, sem processos de ruptura com a ordem neoliberal e com o capitalismo não se pode realizar combates efetivos e duradouros contra a desigualdade social, foi isto o que demonstrou mais uma vez a crise econômica aberta em 2008. Por outro lado, a composição do governo na qual participam as principais lideranças do movimento de massas, as políticas sociais-liberais que centralizam e focalizam as políticas sociais para os mais pobres e a alta das commodities permitiram o estabelecimento de uma sólida hegemonia que durou uma década.

Levando-se tudo isso em consideração, a nosso ver uma definição que capta essa totalidade de fenômenos e que nos permite fazer a luta política pela mobilização independente dos trabalhadores no Brasil é a de que o lulismo configura-se como um governo de coalizão preventivo, no qual predomina estruturalmente a contrarreforma, a nosso ver é esta a visão que se ajusta de maneira mais adequada à forma de dominação burguesa aberta em 2002.

  1. A LUTA DOS TRABALHADORES E DA JUVENTUDE

Na história recente do Brasil o pacto lulista foi um dos arranjos políticos mais eficientes para apaziguar a luta de classes e deslocar a política e seus encaminhamentos para os gabinetes palacianos. Durante os dois mandatos presidenciais de Lula/Dilma assistimos mobilizações contra a reforma da previdência, por melhores condições de ensino, salariais, em defesa do emprego, por demarcação de terra e etc. Protagonizaram lutas importantes, bancários, trabalhadores dos correios, funcionalismo federal, metalúrgicos, professores, operários da construção civil das redes públicas estaduais. Contudo, a integração dos aparatos ao bloco governante, desde a luta de resistência contra a reforma da previdência, somado a ausência de instrumentos alternativos de organização das massas trabalhadoras e juvenis, cumpre um papel de prevenir e conter o movimento de massas.

Nesta parte do artigo iremos descrever alguns momentos desse processo de resistência enquanto o pacto lulilsta se impunha na manutenção da correlação de forças desfavorável para a luta. São estes a reforma da previdência, a crise do mensalão e a radicalização estudantil a partir de ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) com uma repressão nunca vista desde o período militar. Em seguida, trataremos de outro momento referente ao pacto lulista e a crise econômica mundial, e também do fim do ciclo de alta das commodities, que já dá os primeiros sinais de esgotamento político com a greve dos funcionários públicos federais, as greves dos operários das obras do PAC, a luta indígena pela demarcação de terras e finalmente a onda de indignação popular a partir de Junho/2013.

6.2 Luta de classes em uma situação política desfavorável

De 2002 a 2013 estivemos sob uma correlação de forças bastante desfavorável. As lutas ocorreram em um ambiente político no qual o lulismo exercia uma hegemonia quase que inconteste, o que fazia com que os processos de resistência dos trabalhadores e da juventude acabassem isolados em seu próprio âmbito. Isso ocorreu em relação à reforma da previdência, aos escândalos de corrupção, às lutas operárias por demandas salariais e em defesa do emprego e às lutas estudantis e populares.

A luta contra a reforma da previdência no início do governo lula foi a primeira experiência de parte da classe trabalhadora no enfrentamento com o governo. A Proposta de Emenda Constitucional número 40(PEC 40) era basicamente uma proposta de reforma. Em junho de 2003 foi enviada pelo governo e consistia basicamente em cobrar contribuição previdenciária aos aposentados, com o fim da aposentadoria integral para os servidores públicos, o fim da paridade entre ativos e inativos e o estabelecimento da idade que se associa ao tempo de serviço para a aposentadoria.

No dia 11 de junho um ato em Brasília contra a reforma da previdência reuniu cerca de 20 mil funcionários públicos e trabalhadores de outra categoria. No entanto, a mobilização que também ocorreu nos estados não foi suficiente para impor a retirada da PEC 40 da pauta do Congresso, pois o projeto contou com apoio popular, com a traição da CUT e com o empenho pessoal de Lula que usou todo o seu prestígio para impor a reforma.

Apesar da vitória do governo, a resistência a reforma da previdência causou uma crise no interior do PT e da CUT. Um ataque tão duro a um setor da classe trabalhadora – uma verdadeira contrarreforma – por um governo recém eleito com a promessa de realizar reformas sociais, não poderia passar sem crises e rupturas. Esse processo teve como manifestação concreta a expulsão de quatro parlamentares do PT que votaram contra a reforma a PEC 40 e o início de um processo de recomposição do movimento de massas que iremos discutir em outra seção deste texto.

No final do primeiro mandato de Lula, a denúncia do mensalão – esquema de desvio de dinheiro público para financiar campanhas eleitorais do PT e de sua base aliada e também para pagar para que parlamentares votassem nas propostas do governo – causou uma grave crise política no governo e no PT. Contudo, essa crise ocorreu nas alturas e os trabalhadores e o povo ficaram como espectadores.

O bloco composto pela classe dominante, as transnacionais, a banca financeira e a oposição burguesa quiseram que Lula permanecesse no governo, pois lula e seu ministro da fazenda, Antonio Palocci, aplicavam um plano econômico neoliberal bem ao gosto da maior parte da burguesia. A política da oposição burguesa ao governo foi de “sangrar mas não matar” com o objetivo de colher os frutos eleitorais em 2006, tática essa que não funcionou, pois tanto Lula quanto o PT se recuperaram. Lula ganhou no primeiro turno e o PT ampliou sua base parlamentar.

Da parte do movimento não houve explosão do movimento de massas, como a crise política que se desencadeou em 1992 após a denúncia de corrupção no governo Collor. Não houve uma resposta unificada da vanguarda diante da crise institucional e algumas mobilizações, como as que ocorreram em Brasília em agosto, caíram no isolamento. Não se produziu uma irrupção do movimento de massas, dos trabalhadores e do movimento popular por uma saída independente do governo. A crise teve como resultado um enfraquecimento do PT frente ao governo e frente à vanguarda lutadora, porém essa combinação de desmobilização dos trabalhadores e de uma linha de preservação da institucionalidade possibilitou que houvesse uma rápida acomodação no front político e a crise foi reabsorvida totalmente no processo eleitoral de 2006.

Nos anos seguintes, o movimento estudantil universitário protagonizou as lutas mais radicalizadas durante o período áureo do lulismo. Na verdade, desde a ocupação da Reitoria da USP em 2007, este setor vem se enfrentando com governos estaduais e com o governo federal. Por todo o país assistimos a lutas radicalizadas contra as políticas de extensão/precarização das universidades federais, lutas estas que foram duramente reprimidas pelas forças federais e estaduais. O movimento universitário resistiu durante anos a uma dura repressão movida pelos governos estaduais e federal, que colocou em prática uma sanha repressiva que contou com a repressão violenta da polícia contra manifestações, prisões, processamento e expulsão das universidades de centenas de ativistas. Entretanto, estas lutas não foram suficientemente fortes para colocar em questão a coalização lulista e a correlação de forças desfavorável.

Durante anos a juventude e a classe trabalhadora brasileira pareciam estar adormecidas frente aos sucessivos governos e suas políticas neoliberais. Mesmo ocorrendo importantes lutas, principalmente nas universidades públicas, como USP e Universidades Federais, ou nas obras de infraestrutura e nas periferias das grandes cidades por moradia e outras demandas, o momento político anterior a repressão desses processos não foi detonante para uma reação.

Dentro deste contexto no qual as lutas de categorias e setores da juventude e do movimento popular não conseguem transcender a sua singularidade e ganhar ares de mobilização nacional, o movimento operário industrial também deu o ar da graça a partir da crise econômica mundial, momento que coincide com final do segundo mandato de Lula. Uma série de fábricas em todo o território nacional nos anos 2008 e 2009 se mobilizam contra o arrocho salarial e as demissões massivas que tinham como causa os efeitos da crise mundial, a partir dos primeiros efeitos da crise econômica mundial, especialmente com a queda as exportações e a política do capital, que queria aproveitar o momento e passar a operar com um quadro reduzido de trabalhadores, o que promoveu a demissão em massa em algumas empresas.

Os casos mais impactantes neste momento foram as demissões de 800 trabalhadores na General Motors (GM) e de 2400 trabalhadores na Embraer em São José dos Campos. O intrigante é que um ano antes o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SMSJC – ligado à CSP-Conlutas) anunciou uma grande vitória por ter evitado demissões em massa através do afastamento remunerado de centenas de trabalhadores da empresa. Quando estes trabalhadores em 2009 foram desligados não houve resistência alguma às 800 demissões e o SMSJC não chegou nem a propor uma resistência grevista.

No segundo semestre, a luta contra os efeitos da crise sobre os trabalhadores continuou animando lutas contra o desemprego e o arrocho salarial. Foi um movimento por reivindicações salariais que mobilizou categorias que se organizam em âmbito nacional, como bancários e correios, e categoriais-chave para o processo produtivo industrial, como os metalúrgicos em nível nacional.

Importantes lutas no segundo semestre se deram como a campanha salarial dos metalúrgicos da Volkswagen e Renaut, de São José dos Pinhais, no Estado do Paraná (em greve por tempo indeterminado); Volkswagen, Ford e mais seis autopeças, em Taubaté, interior do Estado de São Paulo e no ABC paulista. A maior parte destas lutas conseguiram reposição salarial, mas não romperam com a “normalidade” das campanhas salariais que ocorrem anualmente, ou seja, foram greves salariais que não se enfrentaram politicamente com o governo e nem utilizaram métodos radicalizados. Com o fim dos anos de crescimento econômico e com a chegada da crise no Brasil em uma segunda onda, a partir de 2012, a situação começa a mudar. Greves que ao enfrentaram a dura repressão do governo chegando a militarização completa dos canteiros de obras, como foi o caso de Belo Monte, no qual houve prisão de trabalhadores e intervenção direta do exército. Mas o que predominou foram lutas isoladas e a ação reacionária do estado.

6.3 Junho 2013: a onda de indignação popular

A onda de mobilização estudantil em junho de 2013 contra o aumento das passagens abriu uma nova situação política nacional. Essa nova situação teve até agora ao menos 5 conjunturas. A primeira foi a da eclosão do movimento estudantil que se enfrentou diretamente com as forças de repressão. A segunda se estabelece pela intensa repressão de todas as esferas administrativas contra a radicalização do movimento. A terceira foi greve radicalizada dos garis, professores e condutores. A quarta se estabelece com a unificação da burguesia em torno da realização da copa, a derrota da greve dos metroviários e as eleições presidenciais de 2014.

Atualmente estamos em outra conjuntura, marcada pela crise orgânica do pacto lulista, a radicalização de setores chave da classe trabalhadora contra o desemprego e o sequestro, até o momento, da indignação política contra o governo pela burguesia que, desde 2013, vem disputando politicamente a onda popular de indignação. Tudo isso sem que a esquerda independente apresente uma plataforma de luta contra o ajuste e um fórum unificado de luta diante da crise política.

Em um primeiro momento da crise econômica mundial as políticas anticíclicas e posteriormente o fluxo de capitais externos na busca de melhores condições de lucratividade se estabeleceram. Isso permitiu, após uma intensa queda do PIB em 2009, uma não menos intensa recuperação no ano seguinte. Nos anos posteriores, a crise econômica mundial começa a deslocar o seu centro para a periferia do sistema, fenômeno que com a perda de arrecadação do governo federal, devido às medidas de isenção fiscal, provoca a redução da capacidade de expansão das políticas sociais do governo. Por outro lado, somado a deterioração dos ganhos com as políticas de redução da pobreza monetária devido à alta inflacionária, principalmente de alimentos, as terríveis condições estruturais na qual estão submetidos os trabalhadores começam a emergir de forma explosiva através de violentos enfrentamentos entre os trabalhadores das obras do PAC de um lado e patrões e governo de outro.

As greves nas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foram os primeiros sinais de que o pacto lulista estava por se esgotar. Afinal, as condições econômicas e políticas que o sustentaram por uma década estavam se exaurindo. Ocorreram greves e manifestações na construção da hidrelétrica de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, na construção da refinaria de Pecem, no Ceará, na construção da Refinaria de Abreu e Lima, no Estado de Pernambuco, na Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba, e nas obras da Hidrelétrica de Mato Grosso do Sul. Entretanto, essa onda de greves continuou no ano seguinte. Em março de 2012 os trabalhadores das obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio em Rondônia entraram em greve.

Além destes se mobilizaram operários nas obras da Plataforma da Petrobras, na Bahia, na obra do estádio das Dunas, no Rio Grande do Norte, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Houve uma aliança com o governo e a patronal para reprimir essa onda de greves. Esta aliança colocou em prática desde a repressão policial, a criminalização do movimento, passando por prisões e demissão política de ativistas. Trata-se de uma onda de manifestações que começou em 2011 e se estendeu até 2013.

Trabalhadores dos canteiros de obra lutaram contra baixos salários, acidentes fatais de trabalho, condições totalmente insalubres de trabalho com acidentes fatais, distanciamento das famílias. Na realidade, os operários chegavam a ficar mais de seis meses sem poder deixar os canteiros de obra. Uma onda de indignação enfrentou a dura repressão da patronal que contou com a cumplicidade do governo federal e a conciliação e o entreguismo dos dirigentes sindicais, em sua ampla maioria ligados a CUT.

Mas não era apenas nas cidades ou na construção civil que a situação política mudava. Os povos indígenas chegaram a ocupar simultaneamente mais de 75 fazendas na luta pela demarcação de território indígena (Dilma foi uma das presidentes que menos assentamentos e demarcações de terra realizou). Um dos episódios mais escandalosos da repressão do estado que tem Dilma Rousseff (PT) como cabeça foi o assassinato do índio terena no Mato Grosso do Sul em uma reintegração de posse em benefício do latifúndio, em que atuaram na repressão a polícia militar do estado e a polícia federal.

E assim e por outras razões, o pacto lulista perde lentamente a sua sustentação até que a onda de indignação de junho/2013 inaugura um período de questionamento aberto a essa forma de dominação.

O governo enfrentou, em Junho de 2013, uma onda gigantesca de rebeldia protagonizada pela juventude organizada pelo Movimento Passe Livre na luta contra o aumento das passagens. A luta contra o aumento das passagens parecia repetir a dinâmica dos anos anteriores. Passeatas pela cidade que mobilizavam algumas centenas de pessoas mas que depois de algumas semanas de dissipavam por completo. Contudo, desta vez já havia no cenário político nacional uma acumulação de descontentamento político e social que foi base para que a repressão policial e a resistência da juventude fossem estopim de uma onda gigante de protestos.

Os atos que se iniciaram no dia 6 de junho de 2013 tinham como pauta os aumentos da passagem e a luta pela tarifa zero. Após a dura repressão, as manifestações ganharam a adesão de massas e o movimento passa a incorporar diretamente amplos setores sociais e reivindicações diversas. A repressão policial ao ato contra o aumento das passagens no dia 13 de junho em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais serviu como estopim para a explosão do maior processo de massas visto desde o Fora Collor de 1992, não apenas em tamanho, mas também em politização.

Mesmo após a vitória da redução das tarifas de passagens em 23 cidades, 1,5 milhões de pessoas se manifestaram por todo o país, em capitais, cidades de médio e pequeno porte. As maiores manifestações ocorreram no Rio de Janeiro (RJ), com aproximadamente 300 mil, e em São Paulo (SP), com mais de 400 mil pessoas. O cenário político mudou radicalmente. Mudança que, apesar de deixar os governantes e analistas de gabinete “atônitos”, teve motivações bem concretas, tais como: crescimento do custo de vida causado pela inflação, queda do rendimento dos trabalhadores, precarização do trabalho e carestia dos serviços públicos.

Em um primeiro momento, o movimento sai vitorioso com a redução das passagens em mais de 13 capitais. O governo tentou absorver a onda de protestos com a política diversionista do plebiscito sobre a reforma política, de reformas cosméticas no legislativo e da destinação do royalty do pré-sal para educação e saúde. Mas, a onda de indignação não se deteve e seguiu durante a copa das confederações com atos gigantescos, realizados nos arredores das arenas, que chegavam a ter quase a mesma quantidade de pessoas que estavam assistindo os jogos.

No mês de Julho, as centrais sindicais governistas e não governistas convocaram um dia de manifestações em todo o país tentando pegar carona na onda de manifestações de junho. Não houve da parte dos organizadores destes atos, nem dos setores não governistas, a preocupação de construir a unidade com a juventude que protagonizou junho. Conseguiram mobilizar algumas centenas de trabalhadores, mas faltaram a estas manifestações a massificação e a radicalidade verificada em junho.

A grande onda massiva de indignação de Junho não teve grande durabilidade, logo após a Copa das Confederações as manifestações continuaram a ocorrer quase que cotidianamente porém sem a mesma quantidade de pessoas. Fator que favoreceu toda a movimentação política dos governos para reprimir as manifestações que ocorreram no segundo semestre de 2013.

A conjuntura de pós-junho foi de endurecimento. Manifestantes presos nos conflitos passam a ser enquadrados como formadores de quadrilha e o uso de máscaras nas manifestações no Rio de Janeiro é proibido. O governo federal, por sua vez, passa a atuar em sincronia total com o paulista e fluminense para reprimir manifestações juvenis, tais como as ocorridas em São Paulo e Rio de Janeiro no dia 15 de outubro, repressão esta que resultou em centenas de detidos, autuados como participantes do crime organizado e uso de armamento letal, e um endurecimento maior no código penal para criminalização dos movimentos sociais, bem maior fortalecimento da instituição policial com a possibilidade de unificação entre todas as forças repressivas, inclusive o exército, contra grandes manifestações. Porém, apesar da repressão, as manifestações seguem praticamente cotidianas durante o segundo semestre do ano de 2013 e seguem perigosamente para o decisivo primeiro semestre de 2014.

As jornadas de junho de 2013 abriram um novo momento político no qual a correlação de forças entre as classes, que era totalmente desfavorável para os trabalhadores com os pactos conservadores dos sucessivos governos petistas, mudou. Caracterizamos esse processo como uma onda de indignação popular, uma rebelião estudantil e popular que incialmente não havia atingido os setores fundamentais da classe trabalhadora, não podendo assim mudar por completo a correlação de forças entre as classes sociais. Apesar de conjunturas duras contra ofensivas, como no caso da repressão no final de 2013 e durante a Copa, a pacificação política das massas foi deixada para traz nessa nova situação política. Junho de 2013 trouxe como resultado indelével uma situação propícia para processos de radicalização dos trabalhadores, descolamento dos aparatos burocráticos, maior polarização social e política.

Uma série de novos fenômenos políticos ocorreram a partir dessa eclosão da onda de indignação popular iniciada em junho de 2013. O ano de 2014 se iniciou com a greve dos garis da cidade do Rio de Janeiro. Este setor ultraprecarizado enfrentou aguerridamente – apesar da pouca tradição de luta – a burocracia sindical que se colocou abertamente contra a greve, o prefeito peemedebista do Rio de Janeiro (Eduardo Paes), a repressão policial a mando do governador também peemedebista (Sergio Cabral), a justiça do trabalho que decretou a greve ilegal, e a ameaça de demissão. Apesar disso,os garis do Rio de Janeiro voltaram ao trabalho após uma greve que conquistou uma reposição salarial de 37%.

As táticas da greve eram discutidas e decididas durante as assembleias e quando a primeira comissão de negociação não se demonstrou a altura da luta, foi substituída também em assembleia. Por outro lado, a força do movimento impactou o cenário político nacional, colocando a greve no centro das atenções. Não se pode deixar de considerar que a solidariedade nacional ao movimento e o apoio explícito da população do Rio de Janeiro (em pleno carnaval) também contribuiu para a vitória inconteste dos garis. Essa foi a greve de trabalhadores que depois da onda de indignação da juventude, em junho de 2013, mais chamou a atenção por sua radicalização e auto-organização.

Mas o movimento dos trabalhadores nesta nova situação política não parou. Com a proximidade da Copa do Mundo que se realizaria em junho, uma série de categorias, como professores da rede estadual do Rio de Janeiro, Condutores e Metroviários, além de movimentos sociais como o de moradia e os sem-terra, que têm Data Base no primeiro semestre, viram a possibilidade de efetivar campanhas salariais que pudessem conquistar ajustes acima da inflação. No mês de maio os condutores protagonizaram uma onda de greves radicalizadas. Essa onda iniciada no Rio de Janeiro, Baixada Fluminense, se estendeu para São Paulo, Grande São Paulo, Salvador, Recife, Florianópolis. Esses movimentos grevistas, particularmente no Rio e em São Paulo, contaram com dois novos e explosivos ingredientes em relação às campanhas salariais anteriores.

Os trabalhadores não aceitaram a política de conciliação da burocracia sindical com os patrões e a justiça do trabalho e a partir daí colocaram em prática métodos radicalizados de luta. Piquetes auto organizados foram realizados nas garagens, ônibus tiveram os pneus furados e foram abandonados nos corredores de ônibus. A perda de controle do movimento pela burocracia sindical chegou a tal ponto que em São Paulo obrigou o tribunal regional do trabalho a ir até as garagens em busca de alguém da base que tivesse legitimidade para negociar em nome dos trabalhadores. Assistimos a um furacão grevista à revelia da burocracia sindical e, apesar dos tribunais regionais do trabalho decretarem as greves ilegais, essas greves foram vitoriosas na maioria dos casos.

Os professores da rede municipal de ensino de São Paulo realizaram uma greve que durou mais de 40 dias que derrotou a truculência do governo Haddad e conquistou um reajuste salarial acima da inflação. Soma-se a este processo a greve dos funcionários, professores e estudantes das universidades públicas que fizeram a greve em resposta à truculência do Conselho de Reitores das Universidades Estatuais Paulistas que teimou em não conceder absolutamente porcentagem alguma de reposição salarial.

Parte importante também deste momento foi a mobilização dos trabalhadores sem teto dirigidos pelo MTST. Esse movimento protagonizou passeatas com a participação de milhares de trabalhadores em defesa da área denominada Copa do Povo em Itaquera. Movimento que acabou negociando com o governo essa área e a inclusão no programa minha casa minha vida do governo federal em troca de não realizarem nenhuma manifestação na abertura da copa.

Os metroviários de São Paulo realizaram uma greve entre os dias 5 e 9 de junho. O governo do estado se negou sistematicamente em negociar as reivindicações da categoria e utilizou amplamente a força repressiva contra os trabalhadores e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) impôs duríssimas resoluções para quebrar o movimento como as multas de 100 mil reais por dia de greve, além de decretar a greve abusiva, impondo, a partir daí, multa diária de 500 mil reais diários. Essa greve, ao contrário da maioria das mobilizações anteriores acabou sendo derrotada, pois parte dos bens do sindicato foi confiscada e 42 trabalhadores, dentre estes diretores do sindicato, cipeiros e ativistas em geral, foram demitidos.

A luta acabou sendo um ponto fora da curva, pois a direção do sindicato dos metroviários, ao atrasar a greve, perdeu a conjuntura mais favorável. Perdeu o momento de radicalização da greve dos condutores no mês de maio, a greve dos trabalhadores da educação do município de São Paulo que fizeram uma greve de mais de 40 dias e as mobilizações massivas dos sem teto. A direção do sindicato ficou em uma encruzilhada política, pois não aproveitou o melhor momento em maio para fazer a greve de forma unitária com os rodoviários e com os professores, em uma conjuntura em que ainda não havia tanta unidade patronal-governamental.

Após a derrota da greve dos metroviários de São Paulo e um intenso processo de repressão contra os ativistas, a conjuntura que se colocava às vésperas do início do mundial se modificou e deu-se a constituição de uma unidade total entre a patronal e o governo para garantir a realização do evento. Assim, devido à derrota da greve dos metroviários, que terminou na demissão de 42 trabalhadores, e a decisão na assembleia do dia 11 de junho de não manter a greve, esvaziaram-se as condições políticas para que se pudesse realizar ações mais contundentes.

Por um lado, o movimento contra a Copa teve grande perda numérica com a capitulação da direção do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de São Paulo. Dias antes da realização da abertura do evento, o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, viajou até São Paulo para fazer um acordo pessoalmente com a direção do MTST. Em troca do da área em Itaquera (Zona Leste da Capital) e da inclusão desta área no programa Minha Casa Minha Vida do governo federal, a liderança do movimento se comprometeu com o governo em tirar os manifestantes da rua durante a Copa. Como esse era o movimento que ainda estava (naquele momento de endurecimento total com greves e manifestações) colocando um grande número de manifestantes na rua, a luta na abertura da Copa, no dia 12 de junho em São Paulo, foi esvaziada.

A decisão política de Dilma e Alckmin era de impedir a qualquer custo que as vias de acesso ao estádio da abertura da Copa fossem tomadas pelos manifestantes e impor um clima de terror para que a manifestação durante o dia não se ampliasse. Assim, os setores que se atreveram a ir às ruas se manifestar contra os gastos e a realização do evento foram duramente reprimidas pela Tropa de Choque e pelo Exército, como parte do esquema nacional de repressão. A manifestação convocada pelo movimento “Não vai ter copa” não pode nem se instalar em frente ao metro Vila Carrão, pois imediatamente à chegada dos ativistas, estes foram recebidos com uma chuva de gás lacrimogêneo. O ato convocado em frente ao Sindicato dos Metroviários, nas proximidades do metrô Tatuapé, pôde se instalar, mas foi impedido pela polícia de seguir em passeata. A partir da chegada dos manifestantes que estavam no Vila Carrão e a provocação Black Bloc, a polícia começou a atacar a manifestação.

Após a abertura da Copa do Mundo, manifestações – apesar de seu caráter de vanguarda – ocorreram em todo pais. Protestos que reúnem algumas centenas de pessoas ocorrem em todas as cidades-sede (Natal, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Manaus e etc.) da Copa. Em São Paulo, uma manifestação do MPL (Movimento Passe Livre) em comemoração há um ano das manifestações massivas que contiveram o aumento das passagens reuniu, no dia 20 de junho, mais de 2 mil pessoas. Entretanto, a unidade quase total entre a burguesia e o governo, que impôs uma conjuntura de Estado de Sítio contra os movimentos sociais durante a Copa, não logrou recuperar em termos da correlação de forças vivida na situação política do préjunho, quando a hegemonia lulista se encontrava em pleno vigor. Assim, mediante uma nova situação política e a deterioração das condições econômicas, o cenário nacional não demoraria em criar fissuras entre a classe dominante e contradições desta com o governo que permitissem que o movimento dos trabalhadores e da juventude voltasse a ser protagonista.

Depois da Copa, como era de se esperar, o segundo semestre foi polarizado pela questão eleitoral e as poucas lutas que ocorreram ficaram a margem do cenário nacional. O processo eleitoral de 2014 contou com elementos totalmente inesperados como a morte de Eduardo Campos, candidato a presidente pelo PSB e a eleição passou por vários revezes. Marina Silva (assumiu o lugar de Campos na disputa) passou rapidamente para o segundo lugar, chegando a figurar e se aproximar de Dilma. Depois, com os ataques sofridos pela campanha de Dilma, caiu irremediavelmente para o terceiro lugar e no segundo turno passou a apoiar a candidatura de Aécio Neves (PSDB) Dilma acabou vencendo a eleição no segundo turno com uma diferença de apenas 3%, a menor verificada desde a eleição presidencial de 1989.

Houve nessa eleição, além da óbvia polarização entre as duas principais candidaturas, o aprofundamento da tendência verificada desde 2006, ou seja, o aprofundamento de um fenômeno que se iniciou em 2006, quando Lula passa a contar com o voto dos trabalhadores mais pobres e da região nordeste, e a perda de base eleitoral nas regiões mais industrializadas. Dilma é eleita com uma votação esmagadora nas regiões norte e nordeste e fragorosamente derrotada nas regiões sul e sudeste. Verifica-se o mesmo nas regiões periféricas das grandes cidades e nos cinturões industriais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ou seja, a votação de Dilma nos grandes cinturões industriais demonstra que o lulismo perde apoio eleitoral e político entre setores da burguesia, mais notadamente entre os importadores e financistas, na classe média das regiões sudeste e sul, mas também entre o proletariado de todas as regiões do país.

  1. A POLÍTICA DA ESQUERDA: SUPERAR SECTARISMO E ECONOMICISMO

Para finalizar é preciso ao analisar a política da esquerda independente diante do governo que caracterizamos como de coalisão preventivo. Na sequência, iremos discutir as questões ligadas às políticas deste setor e os desafios da atualidade diante da crise do pacto lulista.

Não existe uma relação mecânica entre caracterizações de determinados fenômenos políticos e políticas para este fenômeno, pois a política de uma organização vai depender da situação para poder ganhar certa autonomia. Porém, é inegável que as caracterizações dão os balizamentos e acabam por enquadrar a linha política de qualquer organização.

A caracterização de “governo em disputa”, “frente popular” ou mesmo “revolução passiva” tem correlatos bastante evidentes na política das organizações menos ou mais atuantes no campo da esquerda.As correntes que analisam o governo como em disputa, MST, O Trabalho, DS, pensam que Dilma (ou a CUT) pode se inclinar a esquerda e desenvolver uma política de reformas a favor dos trabalhadores; as que pensam que se trata de uma frente popular, PSTU e Socialismo e Liberdade (PSOL),alimentam um esquema de que essa forma de governo carrega uma contradição latente que pode a qualquer momento gerar uma crise em seu interior, assim as exigências de que tome medidas progressistas seria central em sua política. Além das políticas que derivam diretamente da caracterização equivocada do governo, de outra forma, temos também presente uma concepção marcada pelo processo de superestruturação, que atinge a totalidade da esquerda inserida nos aparatos sindicais, populares e estudantis, na medida em que esses aparatos estiveram nos últimos anos envolvidos na mobilização efetiva dos trabalhadores. Complementar a esse problema, é o fenômeno do economicismo, postura que advém de uma adaptação da linha política das correntes políticas ao nível de consciência imediato dos trabalhadores, estes últimos que tendem a lutar em um primeiro momento por suas demandas especificas.

Cabe às correntes revolucionárias permanentemente elaborar, a partir do nível de consciência e das demandas imediatas, saídas políticas e apresentá-las aos trabalhadores, embora não tenha sido essa a prática que temos assistido. Não se apresentam saídas políticas como forma de educar politicamente camadas mais amplas dos trabalhadores no cotidiano e nem em momentos de crise, na qual as plataformas políticas são decisivas para abrir caminhos mais avançados de luta. Vamos nos dedicar à análise sobre a política do PSTU, porque dentre as correntes da esquerda independente hoje figura como o agrupamento que tem mais influência sobre o conjunto da vanguarda e em alguns setores do movimento de massas. Nesse sentido, vamos nos dedicar a analisar a abordagem equivocada dessa organização em relação ao processo de reorganização do movimento no primeiro mandato do governo Lula; a crise política do “mensalação” e a crise do Senado; ao processo de resistência dos trabalhadores diante dos ataques patronais a partir da crise econômica mundial; e a sua postura em relação as manifestações de junho e sua política eleitoral.

7.1 A recomposição política e o partido revolucionário

Apesar da chegada de Lula ao planalto ter iniciado uma experiência de desilusão entre os trabalhadores, ela abre as condições necessárias para a construção de alternativas de massas opostas ao projeto petista.

O PT, a priori, enquanto agrupamento político, mesmo após a expulsão de correntes minoritárias no final na virada da década de 1980 e o processo de adaptação a ordem do capital durante os anos 90, não significou perda de base de sustentação eleitoral ou política no interior da classe trabalhadora. Mas, essa capacidade de aglutinação começa a mudar com a eleição de Lula em 2002.

Esse fato encerra na prática a expectativa de que um governo do PT pudesse realizar reformas sociais, econômica ou políticas. Claro que existe uma distância significativa entre esse fato político e a percepção subjetiva da ampla vanguarda e das massas de que é necessário construir outros instrumentos de luta superando o PT e a CUT. Isso depende, inclusive, de um processo de experiência real que conte dentre outros fatores com a capacidade de construção de alternativas da parte dos setores da esquerda que se mantêm independentes.

A reforma da previdência logo no início do primeiro mandato de Lula colocou objetivamente um setor da classe trabalhadora em rota direta de colisão com o governo. O que,por sua vez, provocou um processo de recomposição que, apesar de limitado, ocorreu em duas frentes: um processo de reorganização político e um processo de reorganização sindical. Contudo, este processo de recomposição foi limitado por razões objetivas e subjetivas. A reforma da previdência não atingiu o conjunto dos trabalhadores, uma vez que essa reforma veio completar o processo iniciado por FHC. Assim quem ficou na alça de mira foram os funcionários públicos federais, mesmo porque a reforma do funcionalismo estadual ficou a cargo dos seus respectivos governos, o que possibilitou a Lula dividir o ônus da reforma da previdência com os governos estaduais.

Os funcionários públicos passam a ter a necessidade de apresentar não apenas o tempo de serviço para se aposentar, bem como o tempo de serviço é substituído pelo tempo de contribuição e se acrescenta como fator obrigatório a idade mínima. Como os trabalhadores do setor privado já haviam passado por este processo, a luta contra a reforma acabou limitada aos funcionários públicos federais. A reforma colocou o funcionalismo público em pé de igualdade com os demais setores dos trabalhadores, percepção política que acabou sendo fator de contenção de um possível processo de irritação generalizada, deixando os funcionários públicos federais isolados.

Do ponto de vista da ruptura com o governo essa luta ocorreu em apenas um setor do funcionalismo público, sobre o conjunto da classe trabalhadora, e sem que houvesse um enfrentamento político radicalizado. Então, a ruptura política com o governo ocorreu apenas em um setor do funcionalismo público, isto é, aquele que foi diretamente atacado durante a reforma da previdência. Os batalhões pesados do movimento operário e o movimento popular, por outro lado, continuaram como base do governo. Como desdobramento imediato dessa situação, tivemos a ruptura de um setor do funcionalismo público com o governo, o PT e a CUT.

A expulsão dos parlamentares petistas que votaram contra a reforma no Congresso poderia ter se desdobrado em um processo de reorganização política e sindical que pudesse – apesar de não se tratar de razões objetivas de um deslocamento de massas – ter organizado sindicalmente um amplo setor de vanguarda e poderia ter politicamente reagrupado em uma mesma organização as principais correntes revolucionárias. No entanto, por decisões políticas equivocadas esse processo tem sido atrasado desde então.

Com a expulsão dos chamados “radicais do PT” se abriu uma discussão em toda a vanguarda sobre a possibilidade de construir uma organização comum da esquerda não governista. Isso não se concretizou, todavia, principalmente por uma linha sectária levada a cabo pela direção do PSTU. As discussões em torno da construção do novo partido foram interrompidas a partir da exigência deste partido de que as discussões programáticas em torno do novo partido tivessem como condição prévia a garantia de que o novo partido seria organizado necessariamente em torno do centralismo democrático.

Evidentemente que as correntes e os ex-parlamentares que tinham acabado de romper com o PT não aceitaram essa proposta e começaram a imediatamente coletar assinaturas para legalizar um novo partido sem o PSTU. Assim surge o PSOL, que contou desde o início com correntes políticas trotskistas, como o MES, CST, uma ruptura da DS e correntes que acabavam de romper com o PSTU como Socialismo e Liberdade e o MTL (Movimento Terra Trabalho e Liberdade), além de intelectuais renomados como Carlos Nelson Coutinho, Ricardo Antunes, Milton Temer e etc. Diante da recente ruptura com o PT e tendo pela frente um fenômeno político totalmente novo para a vanguarda é evidente que uma série de discussões em torno do programa e dos critérios de funcionamento deveriam ser feitos com mais cuidado.

A principal responsabilidade sobre não termos conseguido avançar na construção de uma alternativa para o conjunto da vanguarda neste momento foi da direção do PSTU. Pois, ao querer impor o centralismo democrático para um recente processo de reagrupamento da esquerda socialista, acabou perdendo a oportunidade de se credenciar politicamente em um setor mais amplo de militantes. Isso porque essa corrente tem uma visão um tanto quanto esquemática sobre a questão do “centralismo democrático” e do “partido leninista”.

Um partido que começava a se organizar não poderia ser desde o início mais que um partido-movimento com correntes políticas internas, este é, em muitos casos, o caminho natural de diversos partidos que se formaram durante as últimas décadas, e como estamos vendo atualmente na Europa. Outro fator é que como seria nesse partido a corrente majoritária, poderia dar a batalha no seu interior para que esse partido fosse ganhando um perfil revolucionário mais claro, com isso os setores mais oportunistas perderiam espaço no seu interior. Mas, ao invés disso, quis impor com um ultimato o regime interno do partido. Fez duas exigências inaceitáveis: a de que as discussões programáticas tivessem como condição inicial o centralismo democrático e de que o processo de legalização só ocorresse a partir de 2005. Aceitando-se a segunda exigência, se por ventura o processo de discussão programática não avançasse até o final de 2005, as demais correntes que ao serem expulsas do PT ficariam sem legalidade para disputar as eleições do próximo ano, e isto as obrigaria necessariamente a pedir legenda para o PSTU, uma situação de fragilização política que ninguém poderia aceitar.

A questão central é que a direção do PSTU queria usar a condição de maior corrente da esquerda e a legalidade para impor às demais correntes a sua hegemonia sem que fosse para isso necessário um processo paciente de experiência na luta de classes, construção política e organizativa comum com os demais. A partir daí, a ruptura dos setores que acabavam de romper com o PT com o fórum destinado a discutir a construção do novo partido foi inevitável. O PSTU ao mesmo tempo que impunha na prática a ruptura com as correntes que haviam sido expulsas do PT tentou impulsionar um “movimento por um Novo Partido”. Essa política foi um fracasso para o PSTU e a aversão dos setores mais amplos da vanguarda a essa organização cresceu. O sectarismo continuou se manifestando em medidas inacreditáveis, tal como a de orientar os seus militantes e simpatizantes em não apoiarem a legalização do PSOL, um crime político, considerando-se a necessidade e a possibilidade de construir um espaço de unificação da esquerda.

Todavia, sem um setor que pudesse contrabalancear as tendências mais oportunistas, manifestadas inicialmente pelo setor ligado à Heloisa Helena no interior do PSOL, o partido foi construído desde a origem com a perspectiva de se construir um novo PT das origens, partido amplo que pudesse se equilibrar entre reforma e revolução. Sem a coluna de militantes do PSTU que, por inépcia da sua direção, ficou fora desse processo e da disputa em seu interior para que o partido se inclinasse a esquerda, este processo ocorreu de maneira muito débil. A partir de um programa político rebaixado, foi estabelecido um regime interno federalista no qual os mandatos parlamentares tivesse mais poder dos que os organismos partidários (candidatos descumprem abertamente decisões congressuais) e uma estratégia política na qual o parlamentarismo é o centro da vida política.

Um instrumento que unificasse a esquerda é fundamental em um cenário mundial marcado por rebeliões populares em várias partes do mundo (com forte incidência na Europa) e, da mesma maneira, o debate sobre a necessidade de trabalhar pelo reagrupamento da esquerda revolucionária começa a ser reconhecido por várias correntes políticas. Agora, no Brasil, a partir da crise do pacto lulista se redobra a necessidade de colocar de pé um partido revolucionário que possa disputar a hegemonia de setores da classe trabalhadora e da juventude. No entanto, ao contrário do que pensa a direção do PSTU, a construção de um partido revolucionário não decorre de medidas administrativas, como a exigência prévia de funcionamento inicial em torno do “centralismo democrático”.

A experiência histórica ligada à construção demonstra que a construção de um partido revolucionário depende da capacidade do partido e de sua direção de compreender politicamente as tarefas postas, construir estratégias de luta, ligar-se aos setores mais dinâmicos da classe operária e da juventude e com eles realizar experiências políticas de luta. É claro que um partido revolucionário estabelecido tem a necessidade de se organizar em torno desse critério – que pode assumir várias formas, dependendo da luta de classes e da etapa de construção desse partido – e possa colocar em prática a sua linha política, mas essa não é a condição quando se trata do início do reagrupamento de correntes revolucionárias.

Pela necessidade premente diante de desafios no Brasil e no mundo cada vez maiores e imediatos da esquerda revolucionária, pensamos que é necessário que as principais organizações da esquerda independente, como o PSTU e as correntes marxistas do PSOL, assumam a tarefa de abrir na vanguarda a discussão sobre a necessidade de iniciar a construir de fóruns voltados para a construção de um partido marxista revolucionário – e não se trata de construir outro guarda-chuvas oportunista como o PSOL. Esse partido desde o início tem que ser construído a partir de um programa socialista e uma concepção revolucionária de transformação social – com direito de tendência que supere a pulverização que vive a esquerda revolucionária hoje.

7.2 A recomposição e unificação do sindicalismo classista

Do ponto de vista sindical, a reforma da previdência de Lula foi o maior ataque direto aos servidores públicos, o que evidentemente gerou uma onda de desilusão deste setor com o governo, surgindo ai um setor que pudesse ser a base social para o lançamento de uma central operária alternativa. Esse fenômeno foi identificado por todos os setores, mas foi o PSTU que teve o mérito de levar à frente a construção dessa alternativa sindical quando a CUT apoiou o governo na reforma da previdência.

Em relação a linha de construir a Conlutas à esquerda do PSOL, isto provocou uma divisão. Um setor apostou na construção da nova central e outro em formar a Intersindical como uma frente de sindicatos para realizar uma mediação entre os que já haviam rompido com a CUT/UNE e os setores que ainda não tinham dado esse passo. No entanto, apesar do acerto político em apostar na construção de uma alternativa à burocracia governista, a direção do PSTU dirigiu esse processo como uma estratégia novamente sectária e ultimatista. Pois, da mesma forma que na discussão sobre a construção de um novo partido, a linha de construção dessa alternativa sindical esteve marcada desde o início por uma linha ultimatista. Em vez de criar as condições para se aproximar desse setor a política da direção do PSTU foi a de realizar uma campanha no sentido de que quem estava na CUT deveria ser considerado governista. O PSTU chegou a defender que não poderia haver unidade de ação com os setores que não haviam rompido com a CUT.

A outra oportunidade perdida de unificação sindical da esquerda independente deu-se por motivos de orientação sectária e foi a do Congresso da Classe Trabalhadora (CONCLAT) ocorrido na cidade de Santos (SP), em 2010. Os debates principais em torno desse Congresso de Unificação entre Conlutas, Intersindical e agrupamentos menores era sobre o caráter da nova central, se organizaria apenas trabalhadores ou trabalhadores e movimentos populares. Da outra parte estava novamente o PSTU com o debate de que o congresso deveria funcionar a partir do “centralismo democrático”, no qual as votações deveriam ser resolvidas por votação de maioria e minoria.

Já no final dos trabalhos, foi a votação sobre qual seria o nome da nova central que rompeu o Congresso. O PSTU queria garantir que o nome da nova central tivesse “Conlutas” em sua composição, assim a nova central deveria se chamar CSP-Conlutas, por ser uma marca que não poderia se perder, de acordo com o argumento dos dirigentes desse partido. Mas o que se queria de fato era deixar no nome do novo agrupamento sindical a marca de uma hegemonia que não tinha sustentação política efetiva. Durante essa votação os delegados das demais correntes se levantaram e se retiraram da plenária. A partir daí houve a implosão efetiva do congresso que se dividiu ao menos em três partes. A Conlutas se manteve com o acréscimo de CSP no nome, a Intersindical se manteve e a CST formou o Juntos para lutar. Ou seja, um congresso que era para unificar a esquerda independente acabou por reforçar a fragmentação.

Do ponto de vista sindical, o PSTU repetiu o mesmo erro cometido durante a possibilidade de unificação política a partir da expulsão dos parlamentares radicais do PT em 2003. Mais uma vez o critério do “centralismo democrático” foi utilizado de maneira equívoca, pois da mesma forma que na unificação partidária a construção do regime de funcionamento não pode se dar de maneira externa a experiência comum.

É verdade que temas de princípio, tais como a independência com relação aos patrões e com o governo, a mobilização e a democracia de base, por exemplo, não se pode abrir mão. Porém, o esquematismo da direção do PSTU ao querer impor de forma brutal todos os temas – e provocar uma ruptura pelo nome da organização -, para as demais correntes se demonstrou um erro político sem precedentes e atrasou por muitos anos a unificação das correntes políticas independentes em torno de um único agrupamento que possa começar a fazer frente a hegemonia da CUT em um momento em que as lutas dos trabalhadores diante da crise orgânica da hegemonia lulista se estabelece de maneira incontornável.

Estamos agora em um momento em que o governo e os patrões diante da crise econômica voltam a carga contra os trabalhadores através de ajustes que tiram direitos, e promovem demissões e arrocho salarial. Por outro lado, estamos em um momento em que os trabalhadores e a juventude estão resistindo aos ataques. Por isso, é necessário que o movimento sindical independente desenvolva uma estratégia de unificação que reúna em um mesmo fórum sindical todos os setores para a partir daí poder disputar a hegemonia da direção do movimento dos trabalhadores com a CUT que no novo cenário de polarização da crise terá cada vez mais dificuldades em controlar a luta.

7.3 A política ante críses institucionais

Diante das crises políticas ligadas a corrupção – “mensalão”, corrupção no congresso e agora o esquema de corrupção nos contratos da Petrobrás – as saídas proposta não levaram em consideração a necessidade de construir uma saída socialista transicional. Durante a crise do “mensalão”, em 2005, o PSTU, defendeu um sistema de consignas que ia dos “Fora todos” até “Por um Brasil socialista”. Nessa formulação se perdia o timbre da situação mais geral da luta de classes, pois se desconsidera a expectativa dos trabalhadores na democracia burguesa e que durante a crise do “mensalão” não houve nenhuma mobilização popular ou dos trabalhadores.

Já em meio à crise do Senado Federal, em 2009, devido aos “atos secretos” (medidas tomadas pela Presidência do Senado para contratar para o Congresso filiados políticos e parentes). A postura do PSTU mudou de forma drástica. Diferentemente do episódio do mensalão, na qual o PSTU apresentou uma proposta maximalista para a questão, na crise do Senado a formulação apresentada foi de “Fim do Senado, por uma Câmara única”. Formulação essa que mal arranhava o problema. O “Fim do Senado…” não pode ser uma bandeira em si, deve encontrar uma série de reivindicações que conduzam a uma perspectiva de ruptura revolucionária, ao contrário disto o programa para este momento fica restrito aos marcos da institucionalidade burguesa. Por outro lado, era importante apresentar tarefas que fossem pontes entre a situação atual e as reivindicações transitórias.

Na crise de corrupção na Petrobras denunciada a partir da operação da Polícia Federal (PF) denominada de “Lava Jato” em referência a lavagem de dinheiro desviado da empresa feita por doleiros envolve as principais empreiteiras do país, políticos da alta cúpula de partidos como o PT, PMDB, PSDB, PP e Solidariedade (partidos da base aliada do governo e de oposição). Neste esquema as empreiteiras pagavam propina para diretores da empresa indicados por partidos governistas em que parte era repassada para os cofres dos partidos (calcula-se que foi movimentado nesse esquema algo em torno a 10 bilhões). E, sem atinar para os diversos aspectos do processo, mais uma vez o PSTU defende como bandeira política o “Fim do Senado”, desligada de bandeiras que possam mobilizar em torno de saídas políticas mais gerais para a crise.

O principal problema da linha do PSTU é de, em meio a crises políticas, não levar em conta que o levantamento de demandas democráticas deve ser parte de um sistema de consignas transicionais. Diante dos seguidos exemplos e experiências com o Estado burguês, incluindo o seu parlamento, não apresentar uma proposta aos trabalhadores que vá para além da democracia formal consiste em um rebaixamento do programa que só pode ser explicado pela adaptação desta direção à lógica dominante da democracia formal. Assim, mais uma vez o critério de utilizar um sistema de consignas que vá das mais imediatas até as mediatas é perdido. Durante essas crises levantamos políticas que tivessem voltada para o atendimento das necessidades prementes dos trabalhadores, de democratização e as de superação socialista, porém sem desconsiderar que não podemos propor tarefas que significam o fortalecimento do regime, tal como “Fim do Senado” pura e simplesmente e nem deixar de considerar que vivemos sob a égide da democrática formal.

Em meio a uma situação de polarização política entre o governo, nenhuma reforma política que saia dessa tensão irá favorecer os trabalhadores, pois governo e oposição burguesa, apesar das diferenças pontuais, querem realizar micro reformas para aperfeiçoar a máquina que alija as massas de trabalhadores do poder, além de reduzir o espaço da oposição que representa os trabalhadores (PSTU, PSOL e PCB). Como em outros momentos e, principalmente, agora que entramos em uma crise orgânica da hegemonia lulista, pensamos que qualquer sistema de consignas para a crise política deve conter a consigna de Assembleia Constituinte Soberana e Independente imposta pela mobilização direta dos trabalhadores, o que contribui para que os trabalhadores encontrem caminhos para substituir a representação formal (burguesa) por uma estrutura de poder baseada na mobilização e em organismos de representação direta.

7.4 A situação exige mais do que economicismo

Aqui entramos no terreno da política para o movimento sindical. Nesse quesito predominou o economicismo, ou seja, as demandas imediatas dos trabalhadores são tratadas de forma a não considerar a necessidade de politização constante das lutas. Não se trata apenas de propaganda voltada para a formação de setores mais amplos dos trabalhadores, o que tem grande importância também, mas de mediante as lutas procurar formas de generalizar o problema, tentar transformar demandas importantes em lutas nacionais que comovam os que não fazem parte de determinada categoria em luta.

Comecemos por destacar a postura do PSTU em relação a mobilização dos trabalhadores da GM de São José dos Campos (polo industrial que fica entre São Paulo e Rio de Janeiro) no primeiro semestre de 2008, que enfrentaram um pacote de ataques da empresa. Este foi um dos exemplos de processo de mobilização que permitia e exigia uma política que rompesse com o isolamento a que foram submetidos estes trabalhadores, mas o PSTU, ao não romper com a sua lógica corporativa e imediatista, tratou de manter a mobilização dos trabalhadores da GM restrita geograficamente a São José dos Campos e a seu controle político. No final desse processo foi imposta pela empresa a contratação de trabalhadores temporários.

No início de 2009 a GM de São José dos Campos vai, justamente, atacar primeiro o elo mais fraco: os mesmos contratados em caráter temporários após a luta de maio/junho de 2008 que descrevemos a cima. Ao não avaliar concretamente o que significava a introdução dos contratos temporários, a direção não preparou os trabalhadores a contento para os futuros enfrentamentos com a patronal, fato que contribuiu para que não houvesse resistência diante da demissão de mais de 800 trabalhadores.

Além de não preparar os trabalhadores para o que viria não foi capaz nem de impulsionar uma real resistência diante das demissões, pois, diante da demissão de mais de 800 trabalhadores temporários na GM a única política desenvolvida pelo sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos foi realizar uma paralisação de duas horas em frente à fábrica e um ato no centro da cidade que reuniu no máximo 2 mil pessoas. A falta de resposta político-sindical à altura na demissão na GM foi seguida da demissão massiva (4.200) dos metalúrgicos da Embraer (fábrica de aviões), também em São José dos Campos.

No segundo semestre de 2009, logo após a demissão de milhares de metalúrgicos em São José dos Campos, a Conlutas apresenta um balanço triunfalista em relação a sua campanha salarial por ter conseguido uma reposição salarial em torno de 1% a mais do que os metalúrgicos do ABC que são dirigidos pela CUT. O que pode diferenciar verdadeiramente uma alternativa sindical não são acordos salariais com alguns pontos percentuais superiores ao da burocracia sindical governista, mas uma postura sindical totalmente distinta que seja capaz de lutar por demandas específicas e articular as categorias em luta. No segundo semestre deste mesmo ano uma série de categorias, como carteiros, bancários, metalúrgicos, fizeram greves simultâneas sem que o PSTU propusesse a unificação destes trabalhadores.

O esforço de politização desse setor se restringe apenas em exigir do governo federal que atenda as demandas populares, trabalhistas ou estudantis, nunca se faz um apelo de politização ao conjunto diretamente aos trabalhadores ou a juventude para que tal luta seja alvo de uma campanha nacional, isso nem quando a luta atinge diretamente a sua base, como na última greve dos trabalhadores da GM de São José dos Campos, por exemplo. A compreensão da situação de polarização política que entramos logo após a eleição de outubro de 2014 exige respostas políticas. Isto implica, necessariamente, que as lutas em curso, e as que irão surgir, se convertam em lutas profundamente políticas, o que é estratégico para a recomposição do movimento operário e estudantil.

7.5 diante da onda de Junho…

Sabemos que as jornadas de Junho e a situação política aberta a partir daí colocaram maiores desafios para esquerda. Foi uma onda de indignação juvenil comparável às passeatas massivas pelo “Fora Collor” de 1992 ou em relação ao nível de enfrentamento às manifestações contra a ditadura militar do final da década de 1970. Contudo, do ponto de vista do patamar político, ficou aquém destas expressões, pois se tratou de uma onda de indignação popular depois de duas décadas defensiva do movimento de massas.

Foram longos vinte anos de retrocesso político que não pode ser desconsiderado se queremos compreender a dinâmica da luta de classes desde então. Para recuperar o tempo político perdido serão necessários alguns anos de luta de classes, inclusive, com efeito, para atingir o patamar de consciência política de décadas anteriores. Essa nova etapa da luta de classes no Brasil vai, obviamente, conviver com momentos de refluxo, mas algumas características fundamentais vão ser mantidas, tais como: predisposição de amplos setores de massas em tomar as ruas e se envolverem diretamente nos temas políticos.

Essa nova situação política colocou/coloca a prova organizações, sua estrutura militante, direção e políticas. Mas também a partir da maior atividade da classe trabalhadora e da juventude são criadas condições mais favoráveis para o desenvolvimento de correntes que passem por essas provas com uma linha política correta. Fazemos essa digressão para dizer que é necessário, a partir dessa consideração, compreender que essa nova situação política de maior atividade da classe trabalhadora não irá se inclinar para o socialismo para a esquerda revolucionária sem uma dura e prolongada batalha das organizações revolucionárias no interior desse movimento, o que necessariamente nasce de forma difusa, contraditória e com elementos de atraso. Assim, como forma de aferição de política, seguiremos nossa análise no intuito de tratar brevemente da forma como o PSTU interviu nas jornadas de junho.

No 18 de Brumário[66], texto que analisa a revolução francesa de 1848 (mas que tem grande valor histórico e teórico para se compreender a dinâmica da luta de classes e particularmente a dinâmicas das crises políticas), Marx afirma que os homens não fazem a história em condições ideais, porém nas que são tramitadas pelo passado, que “a tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos vivos como um pesadelo” e que nas crises políticas os homens tomam emprestado do passado seus nomes, suas palavras de ordem e sua linguagem. Em nossa opinião, essa “lei histórica” demonstrada e analisada por Marx pode ser uma importante chave para compreendermos porque setores importantes de massa assumem a bandeira e o hino nacional como máscaras para manifestarem sua indignação. É claro, evidentemente, que há setores que se utilizam das mesmas roupagens de forma esclarecida e identificada conscientemente com as ideologias dominantes, mas não é esse o caso das multidões que estão indo às ruas.

Sobre o atraso político de um setor da juventude não podemos desconsiderar que desde a derrota da greve dos petroleiros em 1995 entramos em uma etapa de refluxo do movimento dos trabalhadores no qual a ofensiva neoliberal deu à tônica. Se fizermos um recuo ainda maior, após a queda do muro de Berlim houve uma brutal ofensiva ideológica para “provar” que não havia alternativa ao capitalismo e que as experiências “socialistas” fracassaram e eram contra toda forma de individualidade e democracia. Todavia, a explosão de rebeldia popular inaugurou uma nova situação política nacional, colocando o Brasil no circuito internacional de rebeliões populares, o que criou uma situação tremendamente mais favorável para a reconstrução da consciência classista e socialista de massas.

A massificação do movimento e a disputa do mesmo pela direita levaram alguns setores a tirarem conclusões equivocadas sobre o processo e as tarefas que decorriam dele. A começar pela direção do movimento, o MPL, que suspende a convocação de todas a mobilização afirmando que a pauta da redução da passagem já havia sido conquistada e as manifestações estavam tomando rumos contrários à proposta do MPL. Não foi apenas o MPL que tirou conclusões impressionistas e equivocadas sobre o processo. Organizações como PSOL e PSTU também se equivocaram sobre os rumos do movimento e as políticas adequadas diante da explosão da situação de passividade das massas.

A polêmica com o economicismo do PSTU continua, pois permeia toda a política dessa organização. Durante as manifestações de junho essa organização apresentou uma pauta baseada apenas em reivindicações econômicas que tinha como síntese um “plano econômico dos trabalhadores”. Política essa que não conseguiu rivalizar com a manobra diversionista do governo federal e do PT que por sua parte apresentava a proposta de “reforma política” através de um plebiscito como forma de esvaziar a política das ruas.

O necessário era apresentar uma linha que contivesse uma formulação totalizante (política) para a situação. Medidas anticapitalistas são necessárias para qualquer situação de crise política, mas um conjunto de medidas soltas no espaço não pode se realizar e, por isto, é necessário um fórum de luta que as coloque em prática. Assim sendo, diante da perspectiva de saída bonarpartista apresentada por Dilma, deveria haver uma tentativa de diálogo direto com as massas na rua. Por isso,consideramos correto naquele momento retomar a agitação de uma Constituinte soberana e independente dos patrões e do governo.

7.6 Sectarismo e política eleitoral

As eleições foram outro momento decisivo da nova situação para testar a política da esquerda. Em meio a deterioração, na nova situação política pós junho se acumulava o processo de desgaste do governo e abriu-se um campo maior de disputa no interior das massas para a esquerda. No entanto, essa situação política e eleitoral mais favorável não foi aproveitada, pois as maiores organizações da esquerda independente (PSOL e PSTU) não formaram uma frente eleitoral para participar da eleição.

A incapacidade de construir uma frente eleitoral nestas eleições demonstrou mais uma vez a profundidade dos problemas de formulação política da esquerda socialista no Brasil. Perdeu-se oportunidades de ampliação do espaço eleitoral entre as massas, de avançar no terreno cada vez mais necessário, isto é, o terreno da unificação política das esquerda e inserção em setores da classe trabalhadora – como os dos cordões industriais em todo país – que começam a não votar mais no PT. Situação essa que ocorreu devido a uma combinação de sectarismo(PSTU) e oportunismo(PSOL) e, em meio a uma polarização burguesa não vista desde 1989, perdemos a oportunidade de apresentar uma alternativa socialista unificada para o país.

Mesmo com a política do PSOL de ficar com a candidatura a presidente e vice, o que parece ter sido o motivo real da não aceitação do PSTU de entrar na aliança com o PSOL, faltou desta organização uma batalha para que todas as organizações políticas e sindicais fizessem parte da construção pela base da frente de esquerda para as eleições. O cálculo do PSTU era de que poderia obter uma quantidade de votos similar ao do PSOL, como sabemos hoje esse cálculo eleitoral passou longe do resultado das urnas que deu ao PSOL 1,5% dos votos e ao PSTU 0,9%.

A esquerda socialista perdeu a possibilidade de dialogar mais amplamente com os setores de massas na primeira eleição após a rebelião de junho de 2013 e capitalizar parte da base operária e da juventude que o PT vem perdendo. Não compreendeu que a tarefa central nas eleições deste ano era fazer um amplo chamado para que a esquerda revolucionária construísse um movimento capaz de criar uma chapa que representasse de fato os milhões de jovens e trabalhadores que desde Junho protagonizam um histórico processo de lutas.

Perdeu-se um espaço político valioso para se apresentar um programa socialista para uma imensa massa de jovens e trabalhadores, que estão cada vez mais descontentes com a política tradicional, essa posição também não contribuiu em nada para preparar as lutas que irão enfrentar, advindas do “remédio amargo” do ajuste pós-eleitoral. Ou seja, perdeu-se a oportunidade de apresentar uma saída socialista unificada para os trabalhadores e jovens radicalizados em um momento em que já se esboçava a fase terminal do pacto lulista.

7.7 A crise de hegemonia

Já caracterizamos que a partir de Junho de 2013 superamos a situação política reacionária (de refluxo quase total do movimento de massas) vivida no Brasil durante os anos de auge do pacto lulista. Uma mudança na situação política que não conseguiu alterar por completo a correlação de forças entre as classes, mas que abriu um patamar muito superior de politização da sociedade, que se manifesta no aumento da quantidade e variedade de manifestações, na radicalidade das lutas com paralisações constantes de rodovias, greves com piquetes, sabotagens e ocupações e etc.

A crise econômica no Brasil combinada com a onda de rebeldia de 2013, denominada a seu tempo por nós como um processo de rebelião popular, rompeu com a situação política reacionária que vivemos durante mais de dez anos e inaugurou uma nova situação política que, por sua vez, não conseguiu alterar completamente a correlação de forças entre as classes. Apesar de não termos entrado em uma situação política de rebeldia generalizada, ou em uma situação pré-revolucionária, como querem determinados analistas, de lá para cá, momentos de relativa tranquilidade são interrompidos com uma atividade massiva e radicalizada dos trabalhadores e da juventude não vista há anos em nosso território. Houve conjunturas de ascenso do movimento, conjunturas de fortalecimento do governo e endurecimento com as lutas e agora uma nova fase no interior dessa situação que está sendo marcada pela crise orgânica do lulismo, que tem como desdobramento uma polarização política que até agora está sendo capitaneada pela direita.

A perda de sustentação do governo está ligada a irrefreável recessão, perda de capacidade de pagamento dos juros da dívida, desvalorização cambial, inflação e crescimento do desemprego. Os setores da classe média alta se afetam com a depreciação cambial e são os que estão mobilizando multidões contra o governo. Dilma tentou reagir com um pacto de medidas anticorrupção,contudo as denúncias ligadas a operação “Lava Jato” não param de atingir o governo e o PT.

Estamos em meio a uma crise que, mesmo que não venha a se desdobrar em um impeachment de Dilma, tende a significar um longo período de indefinições e polarização política. Podemos dizer, assim, que estamos diante de uma crise política orgânica pela combinação entre a deterioração econômica, perda de apoio popular e de base parlamentar e mobilizações de rua.

Após a eleição de 2014 entramos em uma nova conjuntura e o pacto lulista entra definitivamente em uma crise estrutural. Não se trata de qualquer conjuntura, pois se constitui uma combinação superior entre os problemas políticos e econômicos verificados até as eleições presidenciais. A crise política até a eleição de Dilma podia ser camuflada e ter os seus efeitos diluídos porque até o momento os elementos da crise (tais como o crescente desemprego e os ataques diretos a direitos conquistados) não se demonstravam tão explosivos como agora. Dilma ganhou a eleição com o argumento de que a oposição iria aplicar políticas neoliberais, cortar direitos e acabar com políticas sociais. No entanto, a primeira medida do governo foi elevar a taxa de juros, seguida da nomeação de um “notório” economista neoliberal para titular de Ministério da Fazenda. Em seguida, para garantir um superávit primário de 1,5% em 2015, anunciou restrição de direitos trabalhistas como o acesso ao seguro desemprego, a pensão por morte e outros. Para coroar a linha abertamente neoliberal, o governo no final do ano contingenciou 30% do orçamento federal.

Esse pilar de sustentação do governo tem se deteriorado rapidamente. Apenas no primeiro mês deste ano foram demitidos mais de 30 mil trabalhadores, número este que se soma aos milhares de demitidos na indústria metalúrgica, na construção civil e agora no setor de serviços. Todavia, a resistência dos trabalhadores já se faz notar pelas greves radicalizadas da classe operária industrial contra demissões, nos serviços públicos, como a dos professores do Estado do Paraná e nas mobilizações dos trabalhadores contra as demissões na construção civil e rebelião nacional dos caminhoneiros por reajuste no frete, contra o aumento do DIESEL e melhores condições de trabalho. No início do ano fomos agradavelmente surpreendidos pela resistência radicalizada dos operários da Volkswagen de São Bernardo do Campo contra a demissão de 800 trabalhadores. No mês de janeiro tivemos uma greve que contou com uma incrível disposição de luta dos trabalhadores, que realizaram a greve no interior da fábrica, piquetes diários, arrastões no seu interior e manifestações públicas. Depois de 11 dias de greve a empresa cedeu e reincorporou os trabalhadores. Processo similar ocorreu na General Motors de São José dos Campos no mês seguinte. Após o anúncio de que a empresa iria desligar 784 trabalhadores que estavam layout os operários resolveram fazer uma greve no interior da fábrica, garantindo a paralisação completa da planta, o que fez com que uma semana depois a empresa recuasse das demissões.

Além das greves radicalizadas e vitoriosas dos trabalhadores da Volks (São Bernardo do Campo) e da GM (São José dos Campos) contra as demissões em massa – processos que trazem a classe operária industrial para a cenário político nacional depois de mais de uma década de apatia total – as demissões nas obras e empresas contratadas pela Petrobrás a partir do escândalo de corrupção envolvendo partidos, empresa e prestadores de serviço, devido à interrupção de pagamentos a luta contra o desemprego ocorrem em um cenário em que há uma combinação explosiva, de fatores políticos e econômicos que colocou o governo Dilma contra a parede. Este elemento é o que gera maior agitação sindical que, se bem aproveitada, pode se desdobrar em uma luta política importante contra as medidas do governo e que se coloque como alternativa à polarização com o governo que está sendo protagonizada atualmente pela direita.

Diante da perda de protagonismo do governo, que perdeu base social e política, e apesar da radicalização vista nas últimas greves, quem está de posse da iniciativa política é a classe dominante. Isso ficou claro no ato do dia 15 de março quando cerca de 2 milhões de pessoas saíram às ruas para se mobilizar contra o governo. O sucesso das convocações contou com a participação da grande mídia que dava notas constantes sobre as manifestações com tom de convocação. Esses atos, apesar do total apoio político não foram convocados diretamente pelos partidos da oposição burguesa (PSDB ou DEM), contudo pelas redes sociais através de movimentos neoconservadores intitulados como “Brasil Livre”, “Vem pra rua” e outros. Mas, ficou claro que a composição social majoritária dessa manifestação era de classe média, eleitores de Aécio Neves e com renda acima de cinco salários mínimos.

Esse setor se mobiliza contra a corrupção na Petrobrás e pelo impeachment de Dilma a partir de uma plataforma política claramente reacionária. Após as manifestações, Dilma, para retomar algum protagonismo político, anuncia um pacote de medidas anticorrupção. No entanto, o centro da sua política é o ajuste fiscal que se dirige principalmente contra os trabalhadores. Dilma em qualquer entrevista diz que o ajuste fiscal é fundamental para o país. Assim, o governo tenta usar, contraditoriamente, as manifestações para fortalecer e tentar aprovar no Congresso o ajuste fiscal. Repetindo nas ruas e nas pesquisas o fenômeno das últimas eleições, na qual o PT perdeu apoio eleitoral em todas as regiões operárias.

Pesquisas deram conta que apesar das manifestações serem predominantemente de classe média e eleitores de Aécio, o índice de popularidade de Dilma em todas as camadas sociais e regiões do país estava caindo vertiginosamente para índices politicamente perigosos. Por outro lado, desde o começo do ano uma série de lutas dos trabalhadores ocorre por todo o país. O problema é que por falta de alternativa oposicionista com capacidade de mobilizar as massas e com uma plataforma pela esquerda, essa onda de manifestações, apesar de serem majoritariamente de classe média, começa a arrastar ainda secundariamente outros setores sociais.

Estamos em uma conjuntura de polarização entre o governo e a oposição de direita extremamente perigoso do ponto de vista político, pois sem uma intervenção política da classe trabalhadora e da juventude corremos o risco de que a situação de maior politização desde os anos 90 seja sequestrada pela direita. Esta conjuntura política tende a se estender, pois as condições políticas e econômicas não permitem uma solução rápida para este ou para aquele lado.

A polarização entre governo e oposição de direita irá marcar o cenário político nacional nos próximos meses. O que não podemos permitir é que os trabalhadores fiquem encurralados ou mesmo sendo disputados pelo governo ou pela direita tradicional sem que uma alternativa classista seja construída em um momento de efervescência de lutas. Parte ausente na atual conjuntura são as condições mais subjetivas para a mobilização política da classe trabalhadora, pois amplos setores das massas trabalhadoras já estão em marcha contra os ataques as suas condições de vida nas greves por emprego, salário ou direitos. E a grande contradição aqui é a de que quem tem capacidade real de mobilizar grandes contingentes além da grande mídia está no interior do governo – estamos falando da CUT, MST e MTST. Por isso, a esquerda independente tem que desenvolver uma combinação entre exigência e denúncia sobre a direção burocrática destes aparatos.

A classe trabalhadora e a juventude têm sabido responder à altura estes ataques em seus lugares de trabalho e repudiando demissões em massa, políticas de arrocho salarial e cortes de gastos em educação. Mas, sozinhos, sem as organizações da esquerda, não podem elaborar as saídas políticas para fazer frente ante a burguesia, os meios de comunicação e os movimentos neodireitistas que têm conseguido, por meio de atos massivos (que mobilizam a classe média), começar a mobilizar setores da classe trabalhadora para pressionar o governo a ir mais fundo nos ajustes de interesse patronal e polarizar o cenário político. Então, o problema que temos aqui é que, apesar da classe trabalhadora estar mobilizada e até utilizando métodos radicalizados de luta, não dispomos até o momento de um instrumento capaz de organizar o descontentamento de amplas massas trabalhadores e populares com o governo pela esquerda e com uma plataforma política independente dos patrões e do governo.

Está conjuntura política tende a se estender, pois as condições políticas e econômicas não permitem uma solução rápida para este ou para aquele lado. Assim, a polarização entre governo e oposição de direita irá marcar o cenário político nacional nos próximos meses. O que não podemos permitir é que os trabalhadores fiquem encurralados ou mesmo sendo disputados pelo governo ou pela direita tradicional sem que uma alternativa classista seja construída em um momento de efervescência de lutas.

Essa situação, na qual as forças reacionárias conseguem colocar milhões nas ruas enquanto a esquerda coloca poucas centenas, não acontece por razões pela derrota da classe ou pela ausência de condições disposição de luta. A ausência aqui é de condições subjetivas, pois amplos setores das massas trabalhadoras já estão em marcha contra os ataques às suas condições de vida nas greves por emprego, salário ou direitos.

Diante de uma situação na qual o pacto lulista está em uma crise terminal, do fortalecimento da direita e da retomada do movimento operário com seus métodos de luta históricos, é necessário retomar a proposta de unificar política e sindicalmente a esquerda radical. Pensamos que a experiência da luta de classes nestes últimos 14 anos demonstra que toda estratégia de construção que não passe pela unificação das correntes revolucionárias no Brasil, não passa de um tremendo equívoco. Esse mesmo critério serve para a organização sindical. Assim, as maiores organizações da esquerda, PSOL e PSTU, têm uma enorme responsabilidade na tarefa de lutar pela construção de uma alternativa classista ampla para os trabalhadores e para a juventude combativa.

Precisamos romper com a inércia e dar passos concretos para nesse momento criar uma ampla frente de luta e uma plataforma política que represente os interesses fundamentais da classe trabalhadora. É fundamental se atentar para o fato de que estamos em um momento específico de polarização dos trabalhadores pela direita, situação que exige a unidade imediata (com a estratégia mais do que necessária de unificar definitivamente o sindicalismo independente) entre CSP-Conlutas, Intersindical e outras organizações independentes num espaço de organização dos trabalhadores e da juventude independente dos patrões e do governo.

É necessário criar uma alavanca para mobilizar setores mais amplos dos trabalhadores e da juventude para poder exigir que os principais sindicatos mobilizem contra os ataques do governo. Só com a unidade do sindicalismo independente podemos criar as condições para exigir que a CUT organize a luta contra os ajustes. CSP-Conlutas, Intersindical e demais organizações independentes devem convocar com urgência um encontro para organizar um calendário de lutas e uma plataforma política mínima alternativa frente o avanço da direita.

Por outro lado, não podemos desconsiderar que hoje é a CUT que dirige os batalhões mais importantes da classe trabalhadora. Sabemos que essa burocracia governista e pelega vai ter que dar alguma satisfação para a sua base diante das demissões, arrocho salarial e perda de direitos. Desenvolver uma política sistemática de disputa com essa central governista é decisivo para esse momento da luta de classes. Essa disputa não pode ser feita sem o fortalecimento do sindicalismo independente, sem a superação da pulverização que nos encontramos atualmente, sem um enfrentamento político cotidiano contra o governo e a burocracia cutista que o apoia. Por isso, pensamos que é necessário construir, além de uma ferramenta de mobilização e da exigência/denúncia sobre a burocracia governista, uma abordagem política que dialogue com os setores que estão saindo à luta contra o ajuste, as demissões em massa e o arrocho salarial.

Abordagens sectárias como as vistas em um editorial recente do Opinião Socialista afirmando que “a classe trabalhadora tem obrigação de ficar contra esse governo e apoiar o governo Dilma é fazer o jogo da direita” e que “apoiando o governo não se luta de maneira coerente contra o ajuste fiscal”[67] é um exercício propagandístico sectário e estéril, pois não considera que parte da classe trabalhadora que já está fazendo um movimento no sentido de romper com o lulismo e o setor que ainda pode romper com ele não o fará isto por “obrigação”, mas deverá se convencer da necessidade e viabilidade de outra alternativa política.

Por isso, o centro da política hoje é construir a luta efetiva em torno do ajuste fiscal e a partir daí apresentar um programa contra a corrupção que tenha como centro a prisão de todos os envolvidos e principalmente a estatização das empresas corruptas sob o controle dos trabalhadores. De outro lado, a crise política exige da nossa parte uma saída total para se contrapor a armadilha da reforma eleitoral do governo e da burguesia que têm como um dos objetivos centrais eliminar o espaço político da esquerda socialista, por isso é necessário apresentar como saída política para a crise uma Constituinte soberanae Independente imposta e constituída através da luta direta dos trabalhadores.

  1. CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA POLÍTICA DA CLASSE

A coalisão preventiva eleita em 2002 foi um arranjo político entre a burocracia lulista e setores da classe dominante com o objetivo de prevenir uma possível rebelião popular no Brasil. Em consequência dessa coalisão, em que pese resistências ocorridas neste período, as massas foram pacificadas e mantidas sob controle político. A situação de refluxo foi sustentada pelo crescimento econômico mundial de quase uma década e pelas políticas sociais-liberais que focaram uma parte ínfima do orçamento em medidas de combate à miséria e de acesso ao consumo, condições sem as quais o arranjo governamental preventivo não poderia ter se mantido hegemônico por uma década.

Com o fim do ciclo internacional de valorização das commodities (que garantia renda estatal que poderia, sem enfrentar os interesses do capital, desenvolver políticas de compensação social). Este fato,associado à situação de polarização social e política aberta durante a onda de protestos de junho de 2013 provoca uma combinação que faz com o pacto lulista entreem crise.

A crise hegemônica depois da eleição de outubro de 2014 vem se agravando permanentemente. O governo, logo após as eleições mais disputadas desde 1989, anuncia um ajuste draconiano que atinge em cheio os trabalhadores, a partir daí, a popularidade do governo cai em níveis políticos perigosos. A crise de popularidade de Dilma chega a tal ponto que a presidente não pode mais falar diretamente ao público sem que manifestações imediatas irrompam em todo o país.

Aproveitando-se dessa situação, a burguesia pressiona o governo para que aprofunde através do ajuste fiscal os ataques à classe trabalhadora. Apesar dos trabalhadores estarem resistindo aos ataques em todo país, por meio de lutas muitas vezes radicalizadas, a ausência de instrumentos de luta que possam substituir os aparatos governistas (PT e CUT) faz com que os trabalhadores tenham dificuldades para apresentar saídas políticas ou sejam capitaneados pelas manifestações política dirigidas pela classe dominante.

Para que a esquerda independente entre na disputada orientação política dos trabalhadores com a direção governista e com a burguesia é necessário romper com todo o sectarismo e dar passos concretos no processo da unificação da esquerda independente. É necessário que CSP-Conlutas e Intersindical, convoquem imediatamente a unidade contra estes ataques através de plenárias de base que discutam uma plataforma mínima diante da crise política e um calendário de mobilização que parta das lutas que estão em curso.Só assim, qualquer exigência de que a CUT mobilize contra os ataques do governo e dos patrões (através de dias de luta ou greves gerais) será efetiva.

Diante da crise que estamos vivendo, a classe dominante apresenta alternativas políticas totalizantes, tais como a “reforma política”, a redução da maioridade penal, a terceirização, dentre outras. Neste cenário, a esquerda socialista tem que romper com o economicismo e apresentar uma proposta política para a situação. A nosso ver, temos que construir uma proposta de Constituinte Independente e Soberana que seja imposta pela mobilização direta dos trabalhadores, uma resposta política a uma situação de crescente polarização.

Por fim, diante da crise estrutural, é necessário retomar o debate sobre a necessidade de unificar a esquerda revolucionária em uma mesma organização. A experiência da luta de classes demonstra que nenhum dos partidos ou agrupamentos isolados pode dar respostas políticas e organizativas necessárias para a classe trabalhadora enfrentar os desafios imediatos e históricos que colocam a luta contra o capitalismo. Nesse sentido, pensamos que o processo inicial de unificação da esquerda revolucionária deve garantir a todas as correntes o direito de tendência, pois a centralização definitiva só pode ocorrer a partir da discussão, experiência e reflexão comum.

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB’SÁBER, Tales. Lulismo, carisma pop e cultura autoritária. São Paulo: Hedra, 2011.

ARCARY, Valério. Um reformismo quase sem reformas. São Paulo: Sundermann, 2011.

BARBOSA, Alexandre de Freitas org. Brasil real: a desigualdade para além dos indicadores. São Paulo: Outras Expressões, 2012.

BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012

CASTELO, Rodrigo. O social-liberalismo: auge e crise da supremacia burguesa na era neoliberal. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

GALVÃO, Andréia e BOITO JR, Armando org. Política e classes sociais nos anos 2000. São Paulo: Alameda, 2012.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

IASI, Mauro Luis. As metamorfoses da consciência de classe. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte in A revolução antes da revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista : o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013.

PAULANI, Leda. Brasil Delivery: a servidão financeira e estado de emergência econômico. São Paulo: Boitempo, 2008.

RAMIRES, Roberto e BRAGGA, João. O gobierno Lula y la recomposición del movimiento obrero y la izquierda in Socialismo o Barbarie 17/18. Buenos Aires, 2004.

RICCI, Ruda. Lulismo – Da era dos movimentos sociais à ascensão da nova classe média. Brásilia: Fundação Astrojildo Pereira/Rio: Contraponto, 2013.

SADER, Emir org. 10 anos de governo pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo, 2013.

SAÉNZ, Roberto. Apuntes de formación: Ciencia y arte de la politica revolucionaria. Buenos Aires: Editorial Antídoto.

SINGER, André Vitor. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

TROTSKY, Leon. Aonde vai a França? São Paulo: Editora Desafio, 1994.

VIANNA, Luiz Werneck. A modernização sem o moderno: análises de conjuntura na era Lula. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.

WEFFORT, Francisco Corrêa. O Populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

 ……………………………………………………

[1] Estima-se que o pagamento de juros ao capital financeiro chega a cerca de 40% do orçamento do governo, enquanto o investido em políticas de compensação social não passa de 1% do orçamento.

[2] No início do século XV, o Brasil começa a ser integrado ao capitalismo comercial como colônia fornecedora de matéria-prima (pau-brasil). Passado esse ciclo de exploração – mais ou menos trinta anos – entramos no ciclo da produção de cana de açúcar, sistema de plantation, sistema este de espoliação baseado no trabalho escravo, no latifúndio e na monocultura e que dura séculos.

[3] Em 1989 é realizada uma greve geral de 14 e 15 de março de 1989 contra o Plano Cruzado. Ela mobilizou 35 milhões de trabalhadores e deixou o governo Sarney paralisado por semanas.

[4] O Social-liberalismo, Rodrigo Castelo. Expressão Popular, 2012, p. 343.

[5] Não se tratava de mais um partido comunista nos moldes do Partido Comunista, nem de um partido trabalhista e nem mesmo de um partido tipicamente social democrata.

[6] Os sentidos do lulismo, André Singer. Companhia das Letras, 2012, p. 93.

[7] As metamorfoses da consciência de classe, Mauro Luis Iasi. Expressão Popular, 2012, p. 559.

[8] Idem, p. 564.

[9] As metamorfoses da consciência de classe, Mauro Luis Iasi. Expressão Popular, 2012, p. 359.

[10] A burocracia lulista teve um papel progressista apenas quando rompe com velha a burocracia colaboracionista no final da década de 1970. Quando começa a ocorrer as primeiras greves esse setor da burocracia se descola do governismo como forma de sobreviver ao novo momento político da classe operária. Mas, como todo progressismo, não tardou para demonstrar seus limites. Durante a década de 1980, tratou de esvaziar qualquer possibilidade de organização de base autônoma através das comissões de fábrica ou delegados sindicais. Além disso, colaborou diretamente com a patronal para perseguir implacavelmente a oposição sindical através do método da ameaça, agressão física e da delação de ativistas para a patronal. Assim, essa burocracia partidária/sindical já apresentava em sua origem o «DNA» da conciliação de classes, fazendo com que nos processos decisivos da luta de classes os trabalhadores fossem desarmados.

[11] Destacado revolucionário romeno que colaborou ativamente com a Revolução Russa e com a Terceira Internacional. No processo de burocratização, colabora com Trotsky na Oposição de Esquerda e é um dos críticos mais agudos à burocratização. No exílio e em condições materiais e politicas dificílimas acabou capitulando ao estalinismo, e durante a segunda Guerra Mundial em 1941 é fuzilado.

[12] Um ato com a presença de aproximadamente 100 mil pessoas foi organizado em Brasília por esses setores.

[13] Brasil delivery, Leda Paulani. Boitenpo, 2008, p. 70.

[14] Acervo de medidas neoliberais que conta com a elevação do superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB; aumento da taxa básica de juros de 22% para 26,5% ao ano; corte de liquidez que tirou de circulação 10% dos meios de pagamento; pagamento de um serviço da dívida que chegou a 8% do PIB; transformação do sistema previdenciário brasileiro, acabando com o solidarismo Inter geracional e jogando na incerteza o futuro de milhões de trabalhadores dos setores privado e público; aprovação de uma lei de falência que coloca, no gerenciamento das massas falidas, os interesses dos credores do sistema financeiro à frente dos interesses dos trabalhadores e do Estado; a defesa despudorada da independência de direito do Banco Central (ela já existe de fato).

[15] A eleição de Dilma significou o aprofundamento desse realinhamento político, permitindo ao lulismo aplicar políticas neoliberais que afetam diretamente setores dos trabalhadores sem risco de se desidratar eleitoralmente.

[16] Fonte: http:ultimosegundo.ig.com.br

[17] Ao concentrar as políticas de compensação social no PBF, foi gerida a primeira cisão no governo com a ruptura de Frei Beto. Na medida em que deslocou uma parte ínfima do orçamento da União para as políticas de redução de pobreza, uma fração do eleitorado que sempre foi avessa a votar no PT foi cooptada eleitoralmente. Mas, a cooptação não se deu apenas em relação ao proletariado pauperizado, ocorreu também de forma intensa em relação a burguesia, sem isso não se poderia compreender o grande consenso político em torno do governo.

[18] O Brasil real, Alexandre de Freitas Barbosa, Outras Expressões, 2012, p. 47.

[19] Na questão do emprego 95% dos novos postos de trabalho foram abertos com uma remuneração de até 1,5 salário-mínimo.

[20] Hegemonia às avessas, Francisco de Oliveira. Boitempo, 2010, p. 374.

[21] O Brasil real, Alexandre de Freitas Barbosa. Outras expressões, 2012, p. 31.

[22] Lula e Dilma, Boitempo, 2013, p.138

[23] Idem. p. 139.

[24] Idem, p. 141.

[25] Os sentidos do lulismo. André Singer. Companhia das Letras, 2012, p. 52.

[26] Idem, p. 21.

[27] Ibidem, p. 18.

[28] Os sentidos do lulismo, André Singer. Companhia das Letras, 2012, p. 126.

[29] Os sentidos do lulismo, André Singer. Companhia das Letras, 2012, p. 202.

[30] Um reformismo quase sem reformas, Valério Arcary. Sundermann, 2011, p. 17.

[31] Idem, p. 19.

[32] Idem, p. 19.

[33] Um reformismo quase sem reformas, Valério Arcary. Sundermann, 2011, p. 24.

[34] A modernização sem o moderno, Luiz Werneck Vianna. Contraponto, 2011.

[35] Idem, p. 29.

[36] Ibidem, p. 31.

[37] Hegemonia às avessas, p. 8.

[38] Idem. p.369.

[39] A política do precariado, Ruy Braga. Boitempo, 2012, p. 24.

[40]Idem, p. 24 e 25.

[41] Idem, p. 29.

[42] Idem, p. 44.

[43] Aonde vai a França?Leon Trotsky. Editora Desafio,1994, p. 117.

[44] Idem, p. 117.

[45] Idem, p. 117.

[46] Idem, p. 117.

[47] Idem, p. 156.

[48] O social-liberalismo, Rodrigo Castelo. Expressão Popular, 2013, p. 106.

[49] Maquiavel, a política e o estado moderno, Antonio Gramsci. Civilização Brasileira,1968, p. 64.

[50] Idem, 63-63.

[51] Idem, p. 64.

[52] O social-liberalismo, Rodrigo Castelo. Expressão Popular, 2013, p.112.

[53] Gramsci, p. 77.

[54] Idem, p. 159.

[55] Idem, p. 159.

[56] Idem, p. 159.

[57]Hegemonia da pequena política. p. 30-31.

[58] Idem, p. 30.

[59]O PSTU, por exemplo, é o setor que melhor representa essa perspectiva esquemática.

[60] Capitalismo financeiro, estado de emergência econômico e hegemonia às avessas. Leda Maria Paulani, p.128.

[61] Trata-se da continuidade da reforma iniciada por FHC que, por sua vez, impôs aos trabalhadores a idade mínima para se aposentar. Agora são os servidores públicos que são obrigados a terem a idade mínima. Com essas manobras o tempo necessário para aposentar aumentou no mínimo dez anos, retirando diretamente direitos adquiridos dos trabalhadores e favorecendo a financeirização da previdência social.

[62] Idem. p. 35.

[63]O subproletariado que passa a votar em Lula tem nas políticas de compensação social a razão de seu realinhamento e não em fatores como um pretenso conservadorismo político arraigado e indefectível, como afirma Singer. Esse setor da classe trabalhadora tem pelas suas condições de existência maiores dificuldades para apresentar um projeto alternativo de sociedade e uma capacidade menor de se auto organizar.

[64] Ver “Hegemonia as avessas. A hegemonia da pequena política.”

[65] Idem, p. 40.

[66] O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. in A revolução antes da revolução, Karl Marx. Expressão popular, 2008.

[67] www.pstu.org.br

Por Antonio Soler, Práxis-SoB ( http://praxisbr.blogspot.com ), São Paulo, 30/03/2014

Categoría: Movimiento obrero, Português