Brasil

Eleições Municipais:

II Conferência Eleitoral do PSOL abre
as portas ao oportunismo

Por Márcio Barbio
Grupo Praxis
Corrente Marxista Revolucionária, 19/04/08

A II Conferência Eleitoral do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) foi realizada entre os dias 29 e 30 de março, em Brasília. Essa conferência por si só foi um escândalo. Em um partido que “oficialmente” tem mais de 10 mil militantes, estiveram presentes pouco mais de 100 delegados, eleitos em um processo de escolha onde a base partidária muito pouco participou, e onde, devido à metodologia de eleição dos delegados, os pequenos grupos e tendências não estiveram representados. O que predominou foi o peso do aparato das correntes nacionais que vêm dirigindo o partido no último período.

As resoluções aprovadas refletem a atual dinâmica interna do PSOL e a correlação de forças existente no partido. Isto é, a maioria composta por MES, APS e Poder Popular, cada vez mais se adapta à lógica da democracia burguesa no afã de conseguir muitos votos, mesmo que para isso seja necessário rebaixar ainda mais o programa do partido. Por outro lado temos uma esquerda partidária, que pressionada pela lógica eleitoreira e pela idéia de partido amplo, ou seja, sem definição política de classe, não deu a batalha por um programa de ruptura radical com o capitalismo, além de permitir que um setor claramente oportunista (APS, MES e Poder Popular) tomasse a condução do partido. Assim, não se constituiu enquanto uma alternativa para os ativistas e militantes independentes que existiam no PSOL.

O programa, se é que podemos chamá-lo assim, aprovado na II Conferência Eleitoral é muito mais rebaixado que o aprovado na I Conferência Eleitoral – e que nossa Corrente foi a única a votar contra, este, por sua vez, já era mais rebaixado que o programa votado no Congresso Nacional, onde já o classificávamos como limitado e superficial. A dinâmica descrita acima demonstra claramente um curso do PSOL à direita, tendo como principais responsáveis a APS, o MES e o Poder Popular. Mas a responsabilidade também recai sobre as correntes de esquerda, principalmente CST, CSOL e SR, que no Congresso de Fundação e na I Conferência Eleitoral capitularam a esse bloco de direita e a Heloisa Helena. O próprio Miguel Oliveira, membro da Direção Nacional do PSOL e da CST, admite em seu documento de balanço da II Conferência: “Lembremos que no encontro de fundação ele foi encaminhado por consenso, que na I Conferência Eleitoral de 2006 as propostas para a campanha de Heloisa Helena tomaram por base seus princípios e que no I Congresso nenhuma das teses majoritárias apresentou mudanças a seu conteúdo.”

Voltando ao PTISMO

Depois do desastre que tem sido o governo Lula e o PT, chega à raia da esquizofrenia o eixo e a tática eleitoral votados na II Conferência Eleitoral. A resolução da II Conferência parte do princípio que devemos partir do acúmulo teórico e político da esquerda brasileira e internacional do último período, o que obviamente concordamos, o problema é que quando o programa e as táticas são concretizados, são repetidos os mesmos erros e políticas adotados pelo PT na década de 90, que levaram à total destruição desse partido enquanto instrumento de luta dos trabalhadores, explorados e oprimidos, se transformando em um instrumento da burguesia nacional e do imperialismo.

A destruição do PT enquanto instrumento de luta não ocorreu com a eleição de Lula, já no início da década de 90, sob impacto direto das derrotas eleitorais de Lula em 89 e 94, associado à queda do muro de Berlim, as correntes majoritárias do PT mudaram totalmente a composição político social do partido. O primeiro passo foi o rebaixamento programático, a substituição da crítica ao Estado e à burguesia pelo chamado “modo Ptista de governar”. É esse modo Ptista de governar que está sendo ressuscitado pela II Conferência Eleitoral, travestido de luta pela construção do poder local, e por um programa mínimo que lute por “reformas democráticas e econômicas e sociais que incidam na melhora efetiva da vida do Povo". Qualquer semelhança com o programa eleitoral do PT da década de 90 não é mera coincidência.

Se até agora o Programa do PSOL se baseava em um chamado feito de forma abstrata e propagandista da luta antineoliberal e antiimperialista, agora se propõe democratizar a sociedade sem tocar na questão de fundo que é o problema de que sob o capitalismo e no âmbito do município é impossível resolver qualquer problema estrutural.

Programa abaixo do reformismo

Na campanha eleitoral do ano passado, como já afirmamos acima, o programa apresentado pelo partido já era bastante rebaixado, no tocante à dívida ela se subordinava à política reformista do Jubileu Sul, e o programa abordava o tema da seguinte forma: “suspender o pagamento da dívida externa e realizar uma auditoria. Em relação à dívida interna, defendemos auditoria, conforme previsto na Constituição de 1988, e a discriminação de seu perfil, para identificar os especuladores e as grandes empresas – para os quais defendemos suspender o pagamento”. Essa posição não só capitulava ao reformismo do Jubileu Sul, como também se referenciava na Constituição Burguesa de 1988. Agora nem isso se fala, o que se propõe é simplesmente uma "auditoria cidadã da dívida municipal", política essa sem nenhum conteúdo de classe. As palavras de ordem histórica de não pagamento da dívida simplesmente desaparecem em troca de uma política palatável à classe média, e “exeqüível”.

O programa fala em democratizar radicalmente as cidades, entretanto, as medidas apresentadas para essa suposta radicalização democrática não passam do requentamento do falido e decrépito orçamento participativo, agora chamado pela direção do PSOL de planejamento participativo, alardeado como sendo a invenção da roda por reformistas e os “trotskistas” da DS. Passados mais de dez anos, essa política foi totalmente abandonada e seu balanço deve ser concreto, não fez avançar em nada as lutas dos trabalhadores nem democratizou as prefeituras onde fora implementado, ao contrário, desmobilizou o movimento popular jogando um setor contra o outro na busca de migalhas cada vez menores.

Nova Economia: uma política reacionária e utópica

Ao que tudo indica, a soma de reformismo da APS, de oportunismo do MES e do PP, com uma espécie muito rara de ‘trosko-cristianismo’ representado por Heloisa Helena, deu origem a uma utopia pequeno-burguesa e conservadora, a de se construir uma nova economia baseada nos pequenos e micro empresários, nas empresas coletivas e nos desempregados. Marx, em sua polêmica com os socialistas utópicos já deixou claro que tal “nova economia” é inviável, e se fosse possível e viável seria reacionária, uma vez que faria com que as forças produtivas retrocedessem. O marxismo revolucionário já demonstrou que para combater o desemprego e garantir o bem estar social da enorme maioria da população é necessário tomar medidas radicais que passam pela estatização do sistema financeiro, do controle de envios de divisas, de uma reforma agrária radical, de redução drástica da jornada de trabalho, ou seja, ações no campo macro econômico e político. No campo das “atribuições municipais” podemos citar questões radicais como a municipalização de hospitais e escolas privadas, redução do preço das passagens no transporte público – que estão entre as mais caras do mundo, isenção do pagamento de IPTU para trabalhadores e desempregados e alta taxação dos terrenos utilizados para especulação imobiliária e em áreas “nobres”, medidas essas que estão completamente ausentes do programa votado na II Conferência Eleitoral.

Eleição Municipal: foco nacional

Se valendo do fato que essas eleições serão municipais, o bloco que hoje dirige o partido impôs uma linha totalmente municipalizada, com isso deixou de fora todas as bandeiras de luta gerais da classe trabalhadora e da juventude. Na verdade, o que a direção atual quer é não enfrentar o problema incontornável de que sem romper com o capitalismo não se pode resolver nenhum dos grandes problemas dos trabalhadores.

Assim, o programa votado na II Conferência não tem uma só linha de denúncia concreta do capitalismo, da burguesia e de Lula, aparecendo em seu lugar belas palavras de como viveremos felizes em uma cidade administrada pelo PSOL. Voltamos aos anos 90 quando o PT prometia a felicidade via eleição de seus candidatos.

O pior é que nada disso é novo, se trata do velhíssimo debate realizado na II Internacional, no início do século XX, sobre o programa máximo e o programa mínimo. O programa máximo aparece nos dias de festa quando dirigentes como Heloisa Helena aparecem falando em socialismo, enquanto no dia-a-dia seguem aplicando a política do exeqüível, ou seja, reformista. O problema é que se esse debate já era uma vergonha quando surgiu nas fileiras do movimento socialista, em uma época que o capitalismo cedia conquistas aos trabalhadores, hoje é uma fraude política, uma vez que o capitalismo há muito não consegue garantir as mais elementares necessidades, muito menos agora em que estamos vivendo uma das maiores crises econômicas dos últimos 80 anos.

Nós, do PRÁXIS, seguimos reivindicando os ensinamentos do marxismo revolucionário; para sermos conseqüentes temos que partir de reivindicações imediatas dos trabalhadores, da juventude e dos explorados em geral, fazendo a ponte entre essas reivindicações e uma saída socialista revolucionária.

Alianças eleitorais: Frente Classista ou Frente com a burguesia?

Tal como já havia feito no Congresso do Partido, na II Conferência Eleitoral o bloco dirigente também se recusou em votar uma resolução que fosse clara quanto à política de alianças. Por iniciativa dos setores de esquerda se propôs por várias vezes que se deveria proibir qualquer aliança com partidos da base governista e do campo da burguesia, traduzindo, que nas eleições municipais o PSOL só poderia fazer alianças com o PCB e o PSTU, ou seja, no marco da Frente de Esquerda que lançou Heloisa Helena presidente.

As intenções desse bloco oportunista ficam mais claras a cada dia. No Amapá, o partido dirigido pela APS está fechando um acordo eleitoral com o PSB, e no Rio Grande do Sul, o MES já acertou uma coligação com o PV, que entre outras façanhas, teve o candidato a vice-governador do PP, partido da ultradireita, além de ser o partido de Sarney Filho e de Gilberto Gil, Ministro de Lula.

Mais uma vez se utiliza uma bela fraseologia de esquerda para no fim adotar uma política de direita. Vejamos o que diz a resolução: “O PSOL, assim, diferencia as alianças de cunho estratégico daquelas de cunho tático: alianças estratégicas para os quais interessa compor o bloco histórico dos trabalhadores e dos ‘de baixo’ e aliados táticos que não contradigam o programa do partido e seus princípios.” Na prática, essa fraseologia garante a aliança com PSB, PV, PPS ou qualquer outro que “não contagiem” o programa e seus princípios.

Frente de Esquerda, candidaturas de classe ou voto nulo

A partir de nossas pequenas forças estaremos dando uma batalha de vida ou morte pela independência política dos trabalhadores e da juventude perante a burguesia, seu estado e seus sócios menores. Acreditamos que a constituição da Frente de Esquerda nas eleições para presidência em 2006 foi um grande acerto que possibilitou a um setor da vanguarda e mesmo da massa fazer uma opção à esquerda do governo Lula.

Pensamos que as resoluções da II Conferência Eleitoral infelizmente refletem a nova correlação de forças no interior do PSOL, onde as correntes oportunistas/eleitoreiras passaram a hegemonizar todos os aspectos da vida partidária, o que significou um retrocesso contínuo da política e da organização partidária – os núcleos de base vêm se transformando em meros comitês eleitorais.

Para o PRÁXIS é essencial combater este processo de degeneração política do PSOL. Assim, repudiamos o conjunto das resoluções políticas e de tática de alianças da II Conferência.

Devemos manter a Frente de Esquerda e construir um programa para as eleições que seja capaz de dar uma resposta real às necessidades dos trabalhadores, o que significa enfrentar os interesses da classe dominante. Alianças com partidos burgueses ou da base de sustentação do governo constituem-se em posição contrária aos princípios de fundação do PSOL e aos interesses dos trabalhadores.

A posição dos militantes socialistas deve ser inequívoca. O Grupo PRÁXIS, em todos os lugares estará chamando voto aos candidatos dos partidos da esquerda socialista que se mantiverem independentes do governo e da classe dominante, quando esses candidatos não existirem, estaremos defendo voto nulo.