Brasil bajo Lula

 

Sobre o Encontro Nacional do PSoL

Grupo Praxis, 18/05/03

Como uma das principais atividades políticas para a vanguarda socialista e lutadora brasileira, e como parte das atividades do V FSM mundial, realizado em Porto Alegre entre os dias 26 e 31 de janeiro último, realizou-se no dia 29 de Janeiro o II Encontro Nacional do PSoL.

Surgido da luta no interior do Partido dos Trabalhadores e da ruptura de um setor desse partido, liderados pelos deputados Baba, Luciana Genro, João Fontes e a senadora Heloisa Helena, o PSoL busca se afirmar como uma alternativa política representativa para um setor da vanguarda brasileira. Neste sentido o II Encontro Nacional, marcado justamente para o V FSM tinha como objetivos lançar o PSoL nacionalmente, agora legalizado, e ser palco de discussões políticas estratégicas, tanto ansiadas pela militância do partido, o que seria o momento chave da construção, bem como internacionalmente, via contatos com vários agrupamentos.

O que está colocado no cenário da recomposição política para a esquerda lutadora e socialista brasileira é a construção de uma alternativa classista, democrática, socialista, que enfrente o regime democrático burguês que, com muita eficiência, vem conseguindo desviar e conter os trabalhadores e suas lutas. No centro do regime está a estratégia de eleições a cada dois anos, o que tem pressionado os partidos da classe trabalhadora a ter que se adaptar a esse calendário eleitoral. Isso coloca desafios de primeira grandeza a todos os socialistas e revolucionários, ou seja, como combater a democracia burguesa, desmascarando-a, já que a mesma tem dado claros sinais de que não resolve nem resolverá nenhum dos problemas da classe trabalhadora.  Ao nosso ver uma dos principais desafos do PSol, surgido da ruptura com o PT , é  enfrentar essa que tem sido uma das piores e mais eficazes armas que a burguesia brasileira tem para derrotar o movimento de massas.

Infelizmente não é no sentido da crítica radical ao regime democrático burguês que tem se balizado a estratégia política do nosso partido. O PSoL vem, desde as eleições municipais do ano de 2004, marcado por uma polêmica estratégica que, se não for resolvida de maneira adequada, poderá desperdiçar todo esforço de construção de uma alternativa socialista classista democrática não sectária que ele mesmo ensejou. Isso porque o que tem polarizado o partido, principalmente sua direção executiva nacional, são as eleições de 2006 como um objetivo político central.

Passamos o ano de 2004 em busca da legalização, através da coleta de mais de 400 mil assinaturas, objetivo que foi alcançado em dezembro último, momento também no qual foi lançada extra oficialmente, por parte do deputado Babá, de Heloisa Helena à Presidência da República. Esse fato gerou uma crise no interior do PSoL, pois ainda que essa tática possa muito provavelmente vir a ser utilizada para as eleições de 2006, esse lançamento de H. H. à presidente revelava um problema que marcou o II Encontro Nacional do PSoL: o debate sobre estratégia e qual a campanha política central do partido.

Concomitante a esse episódio, outro fato deixou a militância do partido extremante preocupada, foram os contatos feitos pela própria senadora Heloisa Helena e Milton Temer em 6/12/2004 com o PDT. O PDT é claramente um partido burguês, sempre se caracterizou por ser um partido de verniz populista e que, na lógica partidária brasileira, em muitos momentos, um partido de aluguel. No nordeste brasileiro abriga setores da oligarquia que mantêm aquela região sobre permanente penúria. Foi o partido da base aliada do governo Lula, vindo a romper a pouco tempo. Entre seus quadros estão Alceu Collares que foi governador do Rio Grande do Sul, famoso por reprimir as greves dos professores naquele estado. Agrega-se a este problema de estratégia política o precedente das eleições municipais, onde o partido teve uma política da apoiar partidos e candidatos que eram da base do governo e sem um corte de classe, como foi o caso do apoio de Heloisa Helena e Milton Temer à Jandira Feghalli do PCdoB no Rio de Janeiro, de Regis Cavalcanti do PPS em Alagoas. Surgia assim, o receio de que estávamos embarcando num projeto frente populista dos quais o maior precurssor disso fora o próprio PT.

Com isso se instalou uma grande insatisfação na base do partido. Isso mobilizou uma parte da militância que, em dezembro de 2004, lançou uma carta aberta à direção nacional e aos parlamentares na qual dizia “O lançamento público da senadora Heloísa Helena a candidata à Presidência da República nas eleições de 2006. Foi anunciado pelo deputado Babá e demais parlamentares e "figuras públicas" do partido. Qual é o problema desse ato? Simples: ignora o debate que centenas ou milhares de militantes estão fazendo, debate que, entre outros pontos fundamentais, inclui o debate sobre 2006 e a questão da própria candidatura de Heloísa Helena. Não só desrespeita o processo interno democrático, mas traz em si riscos políticos maiores, caso não aprofundemos o debate sobre que partido queremos. Por isso nós, que subscrevemos esta carta, acreditamos que devemos começar a modificar nossos métodos, procurar construir uma unidade política a partir do debate e da ação. Mas é nossa opinião que devemos começar a pensar desde já nos preparativos do I Congresso do PSOL”

Um debate precedente

Toda a polemica gerada ao redor do que está se constituindo como política central do PSoL, a saber, o lançamento da senadora Heloisa Helena à presidente, teve como base a posição não classista de um setor do PSoL nas eleições de 2004 e que tomou contornos políticos teóricos mais definidos com a discussão política na direção nacional do partido em 8/11/2004. Nesta reunião foram apresentados vários documentos (http://www.psol.org.br/regional/sp/artigos) dos quais se destacam os dos companheiros Martiniano Cavalcanti e Roberto Robaina - Situação política e as tarefas do PSOL. Esse documento, que necessita de uma resposta global a toda sua concepção, vai desembocar no que define como “As tarefas políticas que a realidade brasileira impõe à esquerda socialista em geral e ao PSOL, em particular, são enormes. Destacamos a seguir, a necessidade de construir, ampliar e legalizar o PSOL deflagrar um intenso processo de debate por um programa e um projeto para a revolução brasileira, construir uma frente social e política capaz de organizar e mobilizar sindicatos, movimentos sociais do campo e da cidade, intelectuais, militantes independentes e organizações políticas para a luta contra o governo e pelas profundas mudanças sociais que o país exige, e, além disso, construir uma alternativa eleitoral para 2006 que represente uma oposição socialista, com influência de massas, para enfrentar à polarização PT X PSDB”

A base para que estes desafios sejam vencidos com sucesso, só pode ser uma forte inserção nas lutas sociais, nos movimentos dos trabalhadores e nas disputas de suas direções.

Temos em nossas mãos uma possibilidade ímpar de ajudar na aceleração do processo de recomposição do movimento de massas e de suas direções e do enraizamento do PSOL nas massas trabalhadoras. Esta aceleração poderá ser muito significativa e exercer um efeito multiplicador de nossas forças desde que saibamos dar a importância necessária para a construção da candidatura da companheira Heloísa Helena à presidência da república, como um forte pólo de aglutinação das forças sociais e políticas que queremos unificar, como catalisador do debate programático para a construção de uma alternativa de poder para os trabalhadores brasileiros e como solda política impulsionadora de nossa intervenção nas diversas frente de ação “

E mais adiante diz ”A legalidade do PSOL e sua candidatura presidencial em 2006 em certa medida, cumprem papel inverso. Nascem no calor da traição e tem a possibilidade de aglutinar o bloco social descontente que viu suas expectativas de mudanças e suas reivindicações frustradas e, a partir daí, contribuir para reanimar suas lutas e catalisar suas energias.

É por essa condição difícil e, ao mesmo tempo, peculiar por sua potencialidade que deveremos encarar a candidatura da companheira Heloísa Helena como uma tarefa política da maior magnitude para a luta dos trabalhadores na realidade atual. A importância do nome da companheira é porque de fato temos um trunfo nas mãos, à medida que Heloísa se converteu no símbolo da resistência contra a traição de Lula, na expressão de que nem todos se venderam, tendo todas as condições de representar um canal para um protesto político de massas. Um dos nossos desafios é construir este canal e ao mesmo tempo lançar pontes para construir um projeto pela positiva para a crise. E sem trabalhar desde já com afinco não conseguiremos fazer nem uma coisa nem outra.” (negritos nossos).

Ou seja, o que está colocado para o PSoL é a construção desde já, da candidatura de Heloisa Helena. Não só como uma candidatura do partido, mas como um instrumento para “contribuir para reanimar suas lutas e catalisar suas energias (dos trabalhadores)” de “ajudar na aceleração do processo de recomposição do movimento de massas” e “a construção de uma alternativa de poder para os trabalhadores brasileiros”.

Dessa forma, através da construção de uma candidatura, podemos resolver vários problemas estratégicos que estão colocados para a classe trabalhadora no Brasil. Claro está que os companheiros não aportam provas de que isso será possível. Até porque as provas dizem o contrário. E a maior de todas está hoje na presidência da república do Brasil. Lula, durante anos e anos, foi apresentado como alternativa de poder para os trabalhadores. E deu no que deu. Era necessário sacar conclusões do processo petista para poder afirmar outra política e outra estratégia. Se na ordem do dia não está colocada a revolução socialista e a tomada do poder, colocam-se para os revolucionários a questão de como conquistar as massas trabalhadoras e exploradas das garras da democracia burguesa e do seu mecanismo eleitoral.

Outro erro dos companheiros, que depois vai se refletir na resolução da direção nacional é quando afirmam que devemos ”construir uma alternativa eleitoral para 2006 que represente uma oposição socialista, com influência de massas, para enfrentar à polarização PT X PSDB.” Aqui temos dois grandes problemas. Um primeiro problema é de ordem estratégica. O que queremos construir estrategicamente? Uma opção socialista radical ou um partido com o centro da sua atuação na disputa eleitoral nos moldes da democracia burguesa? São coisas distintas. Se o PSoL surgiu para hipotecar seu capital político para a construção de uma alternativa eleitoral, estará jogando fora todo o processo de recomposição de esquerda que está ocorrendo no país. O que a classe trabalhadora precisa não é uma alternativa eleitoral como estratégia (ainda que se apresentar nas eleições será parte importante da construção da política do partido), mas de uma alternativa socialista e classista. De alternativas eleitorais dentro da institucionalidade a vanguarda está cheia. Novamente olhem para Brasília. Lá está a alternativa eleitoral institucional construída em mais de 25 anos de lutas. E no que deu? Não se trata de uma simples traição. Trata-se de que para chegar ao Poder, o PT teve que entre outras coisas, mudar o seu caráter de classe. Então não há possibilidades de alternativa no interior do jogo parlamentar. O que temos que construir é sim uma alternativa de massas que apresenta para as massas trabalhadoras, em primeiro lugar, uma saída para além do regime e do sistema. Esse debate não é novo, alías é antidiluviano dentro da esquerda socialista. É o velho debate entre reforma e revolução. Estamos aqui frente a idéia defendida por alguns companheiros de que a classe trabalhadora pode chegar ao poder pela via das eleições burguesas!  Esse é o debate.

O segundo problema, admitindo que os companheiros, por alguns segundos estejam certos é, se é possível construir uma alternativa eleitoral para enfrentar a polarização PT x PSDB. Segundo os companheiros isso sim é possível. Nós achamos que não. Pelo simples fato que uma alternativa ”eleitoral” a esses dois partidos tem uma complexidade muito maior do que o tensionamento das forças partidárias no sentido de construir uma frente socialista de esquerda. Envolve desde uma situação da luta de classes, de um Ascenso, que segundo os próprios companheiros não está colocado na ordem do dia até a construção de um aparato organizativo e com ramificações em setores que não os que o partido representa (setores burgueses, meios de comunicações) que terminariam por determinar e refletir o caráter do partido. E isso não é qualquer coisa. Há toda uma série de relações materiais que essa escolha implica, desde a busca de financiamento até o programa e apresentação na mídia, passando pelo tipo de militância.

Aqui vemos que, já naquela época, o foco do partido, pelo menos para uma parte importante da direção, era a questão eleitoral deslocada da estratégia de ruptura com a ordem. E para que não fique dúvidas quanto a urgência de colocar a campanha na rua os companheiros mais adiante colocam “Portanto é preciso abrir o debate nacional sobre a candidatura presidencial do PSOL. Neste sentido temos que desde já afirmar com clareza que entraremos na disputa eleitoral de 2006 com todo nosso peso e com nosso melhor nome para tanto: senadora Heloísa Helena como candidata a presidência da república. Não se trata de fazer atos de lançamentos e agitar Heloísa presidente. Mas de construir o programa, discutir no partido, trabalhar sobre eventuais aliados, mobilizar setores da universidade e das lideranças dos movimentos sociais para começarmos a discutir um projeto alternativo para o país e a forma de alcança-lo. Devemos discutir sobre o programa e o projeto social de governo que ela representará. Sobre seus vínculos com as lutas sociais e com a esquerda internacional. É preciso lutar insistentemente e sem vacilação para deslocar todas as forças políticas, lideranças e movimentos sociais e intelectuais que não tenham sido corrompidos ou absorvidos pelo bloco dominante para comporem conosco um bloco de esquerda alternativo ao PT.”

 Além disso, os próprios companheiros avançam num sentido frente populista ao propor: Seria um equivoco enfrentar esses imensos desafios apenas no segundo semestre de 2005, ou em 2006. Esta grande tarefa demandará muito esforço. Existem muitas dificuldades, o governo tem um enorme poder de cooptação, a degeneração oportunista, e a burocracia sindical também são inimigos poderosos. Nosso partido necessita também de tempo para se preparar, e nossa preparação deve ser conjunta com os movimentos sociais combativos que podem dar sustentação a esta alternativa eleitoral, mas é preciso começar já. Não apenas como declarações formais. É preciso planejar uma ofensiva de diálogo em busca de uma frente eleitoral de oposição de esquerda ao governo Lula com um programa antiimperialista e contra os grandes monopólios capitalistas e os latifundiários. Buscar as forças sociais como o MST, o MTL, os sindicatos, entidades democráticas, populares e estudantis. Devemos também fazer um chamado aos setores da esquerda do PT e do PC do B, ao PSTU, a Consulta Popular, a setores de esquerda da igreja católica, ao PCB, a algumas lideranças do PDT e do PSB que defendam posições nacionalistas”. Além de estar adiantados 2 anos antes das eleições, de propor o mais descarado eleitoralismo, estende essa proposta a setores que ou fazem parte da base de sustentação do governo burguês de Lula (como a chamada esquerda petista da qual um dos seus maiores expoentes é candidato do governo à presidência da Câmara de Deputados, Luiz Eduardo Greenhalgh, e no Rio Grande do Sul, Raul Pont) ou a setores burgueses como lideranças do PDT e do PSB.

No entanto, aparentemente, na resolução da direção nacional publicada em 07/11/2004 não reflete diretamente esse debate que os companheiros suscitam com seu documento onde há ausência de qualquer referencia ao lançamento de Heloisa Helena à presidente, mas sim:  3) Propor a todos os setores da esquerda brasileira, aos movimentos sociais, entidades sindicais, populares e democráticas a abertura de um processo, um ciclo de debates para construir um projeto para o Brasil, um programa e uma alternativa ao neoliberalismo e ao governo Lula que seja construída e apresentada em todas as lutas de massas e nas eleições.

Estava claro que a resolução, obtida por acordo, visava conter a insatisfação que o tema poderia suscitar nas bases partidárias. Mas de maneira nenhuma o tema estava esquecido ou os companheiros que apresentaram essa proposta foram derrotados.

Neste sentido, o lançamento de Heloisa Helena à presidente, feito no ato da entrega das 438 mil assinaturas em dezembro de 2004 não foi um equívoco do deputado federal Babá, mas sim uma decisão política já tomada por parte da maioria da executiva nacional. Claro que isso ocorreu sem uma discussão com as bases partidárias. Como dissemos anteriormente, isso provocou um tremendo mal estar no interior do partido e desencadeou um movimento, minoritário, de contestação metodológica e política a esse fato. Isso permeou todo o período anterior do II encontro.

O II Encontro do PSoL e a proposta de resolução política da executiva do PSoL

Com esse pano de fundo realiza-se o encontro nacional do PSoL. Faz-se o ato de abertura, pela manha, com várias intervenções de diferentes agrupamentos internacionais que se estende por toda manha. Na hora do almoço, é distribuída três propostas de resolução da executiva do PSoL para o debate na parte da tarde. Uma resolução política, outra sobre o congresso e outra sobre a campanha de assinaturas.

A resolução política, a luz dos debates que ocorreram na direção do PSoL em novembro, e os acontecimentos tanto do lançamento prematuro da candidatura Heloisa Helena, como do impacto da publicação da carta aberta, trás de maneira definitiva e assumida o lançamento da candidatura como centro da intervenção do partido, ou seja, materializava de maneira inequívoca aquilo que tinha sido uma política dos parlamentares no ato de entrega das assinaturas da legalização.

O que mais chama a atenção nessa resolução política, entre outros problemas políticos que abordaremos mais abaixo, é que ela não arma o partido para intervir na luta direta contra o capitalismo no próximo período da luta de classes.  Como o seu foco é preparar o partido para as eleições que ocorrerão em 2006, não apresenta nenhuma campanha central, que diferencie o partido, que lhe dê uma identidade perante as demais organizações do movimento de massas a não ser...o lançamento de Heloisa Helena a presidente.

E mais faz isso com um caráter frente populista. No seu ponto 16 diz: É como parte desta construção ampla e unitária de uma frente política e social, que apresentamos o nome da companheira Heloísa Helena como proposta de candidatura à presidência da República em 2006, para ser debatida e construída junto aos movimentos sociais, partidos, correntes, estudantes, intelectuais e todos que estejam dispostos a apresentar nas eleições de 2006 uma alternativa socialista, coerente, combativa e de oposição de esquerda ao governo Lula. A companheira Heloísa Helena é um patrimônio desse período  de resistência e acúmulo para a construção de uma alternativa para amplas camadas das classes trabalhadoras que querem manter em pé a luta, as nossas bandeiras e reivindicações históricas. O balanço do governo Lula nas eleições de 2006, a luta para que os trabalhadores não fiquem a mercê da cínica polarização PTxPSDB, tem na companheira Heloísa Helena um nome natural para cumprir esse papel e afirmar um novo projeto estratégico para o Brasil. É com esse espírito de ampliação de um novo projeto que apresentamos o nome da companheira para ser debatido com toda esquerda combativa e os movimentos sociais.”

Ou seja, aqui nessa resolução vem de maneira explicita a proposta dos companheiros Martiniano e Roberto Robaina. O foco de orientação estratégica passa ser a preparação da eleição de Heloisa Helena como catalisador dos problemas sócias. E mais avança para uma concepção de que o processo eleitoral é prioritário para afirmar um novo projeto estratégico para o Brasil!.

Essa resolução, problemática em si, deveria ser discutida intensamente no interior do partido. Aqui está claro o que se coloca para o partido para os próximos dois anos. Isso inclusive condiciona e determina o caráter do próprio congresso do partido. Desse modo, a resolução nunca deveria ser posta em votação. Infelizmente não foi o que ocorreu.

Uma metodologia estranha

Temos que deixar claro que o PSoL está longe de ser um partido organizado. O fato de ter se dedicado a coleta de assinaturas, de ser um partido de tendências permanentes e funcionar por acordo, além de sequer ter feito seu primeiro congresso, coloca ao partido alguns limites organizativos. Por exemplo, o que é ser militante do PSoL? Quem tem direitos e deveres? Quais as fronteiras do partido? Quem pode votar? Todos esses aspectos ainda não resolvidos levam a que o partido trabalhe por “acordo”. Isso impõe limites às deliberações do partido. Desse modo o encontro de Porto Alegre não poderia ser deliberativo. No entanto, a executiva, na sua circular de 19/01, publicado no site do PSoL dizia o seguinte “Podemos e devemos fazer um grande encontro, aberto, com ato de abertura e depois com a abertura de intervenções do plenário. Seu caráter deliberativo será limitado, isto é, a executiva não irá propor diversas resoluções, mas apenas resoluções que sejam essenciais para o momento, consensuais no interior da executiva e plenamente amadurecidas no seio do partido. Outra forma de encaminhar seria incorreta, porque o encontro, embora seja nacional, terá um peso muito maior dos militantes do Rio Grande do Sul e não tem representação votada.

O encontro do PSoL foi de fato um encontro aberto. Dele participaram mais de 1300 pessoas. Evidentemente nem todos que estavam ali eram militantes do PSoL. Haviam muitos convidados internacionais, simpatizantes, curiosos. Apesar da executiva lançar que o caráter deliberativo do encontro seria “limitado”, de maneira alguma o encontro poderia ter um caráter deliberativo, já que não havia critérios claros que davam poderes deliberativos àqueles que lá estavam. E mais, a resolução não ”estava amadurecida no interior do partido”. Se considerarmos que as intervenções que foram feitas no encontro demonstravam amadurecimento, de um texto que propunha não só uma tática eleitoral, mas a campanha central e que fora distribuído ali em cima da hora, onde o encontro teve um peso muito maior dos militantes do Rio Grande do Sul e não tem representação votada,  demonstra um claro desrespeito a democracia partidária. Mesmo assim a executiva pôs em votação a resolução. Evidentemente, houve intervenções de vários militantes protestando contra essa metodologia, mas que foram olimpicamente ignorados pela direção do partido.

E o que mais estranho foi que, após ser votada essa resolução, que tinha um caráter frente populista, ao ser proposta uma resolução aditiva de que ficava vetada a discussão de alianças eleitorais com partidos como PDT, PSB e PPS, que visava claramente evitar a formação de uma frente com esses partidos burgueses, a executiva encaminhou que esse tipo de tema deveria ser votado... no congresso do partido. Uma manobra sórdida, pois já que aquele plenário, no qual votaram todos os presentes, inclusive militantes de delegações internacionais (CWI, MST) que a campanha central do PSoL era o lançamento de uma frente de esquerda, com a companheira Heloisa Helena a presidente, por que então se declarou incapaz de brecar o avanço frente populista da executiva? Ainda mais, quando era necessário dar uma resposta aos ativistas e a vanguarda das reais intenções do PSoL  frente aos contatos com o PDT e PSB. Não é a toa que o PSTU , no FSM lançou uma nota, chamando o PSoL a romper as “negociações” com aqueles partidos e formar com ele, PSTU, uma frente eleitoral. Se aquele encontro era capaz de votar toda a tática eleitoral que votou, também o era de votar contra os contatos com os partidos burgueses e fazer frente ao PSTU.

Um balanço necessário

O PSoL é parte do processo de recomposição da esquerda brasileira. A falência do PT como projeto alternativo colocou na ordem do dia a reconstrução de um novo projeto. É necessário tirar lições do passado. Uma das causas que está no fracasso e na transformação do PT em um partido burguês com apoio de massas foi a sua adaptação a institucionalidade burguesa. O PT sempre teve uma grande figura, Lula. O PT sempre colocou importância na disputa dos espaços institucionais e das eleições em primeira instancia. O PT sempre procurou criar frentes amplas, com setores da esquerda nacionalista (PC do B, PDT e PSB sempre foram aliados de primeira hora do PT). O PT sempre encabeçou frentes populares com esses setores. E elegeu muitos parlamentares. E passou a depender financeiramente do parlamento e do estado brasileiro. Essas são as raízes da degeneração do PT.

O que vemos aqui é uma tentativa de reeditar uma estratégia que do ponto de vista das necessidades dos trabalhadores, levou a um rotundo fracasso. Não se trata de não participar das eleições. Esse é um falso debate. Temos sim que participar das eleições, mas com um caráter classista, socialista, de denuncia do que significam as eleições, de fazer um debate sobre o papel das eleições no Brasil e principalmente do que as mesmas fizeram sobre o principal partido operário da história do país. Ao não sacar as conclusões do processo do PT (debate este ainda por ser feito por muitas correntes do PSoL) as políticas votadas no segundo encontro aceleram um curso que o PT levou 10 anos para concluir. O PT sempre se negou a combater a democracia burguesa, a denunciar o papel das eleições e de toda estrutura estatal brasileira.

O PSoL tem sim o direito e o deve de apresentar uma alternativa socialista,  democrática ao Brasil. No entanto deve ter como foco  a classe trabalhadora em primeiro lugar e os explorados. Ou seja, quer queiramos ou não, temos que ter um foco de atuação e para onde direcionamos nosso discurso, que é para a classe trabalhadora e explorada, para juventude pobre. Um dos primeiros sinais de bancarrota do PT foi o abandono do classismo, como se isso fosse uma coisa vergonhosa, fora de moda, quando ao contrário, era uma característica marcante e diferencial do partido. E o que estamos vendo é que o PSoL pode ir pelo mesmo caminho se não apresentar-se com um perfil de classe claro, distintivo. Muitas vezes fala e uma esquerda socialista, mas qual esquerda? O PDT de Brizola e Colares que reprimiu muitas greves dos trabalhadores públicos? O PPS que abriga o maior produtor de soja do país? De setores do PCdoB ?

Para se afirmar como alternativa o partido tem que criar um perfil político. Por exemplo, qual é a orientação militante do partido no exato momento? Continua sendo colher assinaturas para uma legalização já conquistada, sobre pretexto de ter margem para fazer frente às exigências da justiça eleitoral brasileira? Os militantes não saem do encontro, que teve sim um caráter deliberativo, com uma orientação clara de atuação, de combate. Dirão que estamos na luta contra as reformas do governo. Porém isso é o mínimo que um partido pode fazer na atual conjuntura. E temas há. Por exemplo, a exigência imediata da retirada das tropas brasileiras do Haiti, a solidariedade e luta contra a guerra do Iraque, nacionalmente a questão da terra, do salário mínimo, do desemprego, enfim temas há. O que falta é vontade política.

Em consonância a isso está o método empregado no II encontro. Foi deveras frustrante a forma como foi encaminhados a questão da votação de uma resolução, apresentada na hora, com conteúdos polêmicos. Uma das experiências mais marcantes de vários militantes do PSoL, tanto daqueles que vieram do PT como os que vieram do PSTU, foi a forma como eram resolvidas as polêmicas no interior daqueles partidos. Votações despolitizadas e encaminhadas de formas burocráticas, da base votando por cabresto, da urgência urgentíssima de ter por que ter que votar, pois não havia tempo de discutir e debater, do prazer de esmagar as minorias. Essas experiências estão bem marcadas na memória de centenas de militantes que hoje compõe o PSoL. Naqueles tristes momentos, os balanços eram de que o método estava a serviço da política. O método burocrático tanto da direção do PT como da direção do PSTU estavam a serviços de suas políticas, que muitos dos que estão no PSoL hoje tinham claros desacordos.

Erradicar essas metodologias burocráticas dentro do partido é o dever numero um da militância. De qualquer modo há a necessidade de elaborar uma política de construção partidária. Um dos grandes problemas que o PSoL tem é a sua frágil estrutura partidária. No II encontro nacional, muitos dos pronunciamentos foram no sentido de organizar o partido, em núcleos, com delimitação das fronteiras, de estabelecer quem é ou não militante, de desenvolver uma forma de funcionamento que permita ao mesmo tempo as tendências permanentes com o funcionamento do partido, que permita vida partidária. A necessidade de o partido ter um jornal e uma forma de se dirigir as massas trabalhadoras que não seja a forma midiática burguesa é premente.

Para finalizar: isso tudo remte a que o PSoL tenha um perfil e uma política. Mas uma política classista, socialista e não uma política eleitoralista frente populista que a Resolução do II Encontro infelizmente aponta.

O que está colocado para a militância do PSoL é a necessidade de se organizar sobre uma plataforma que seja classista socialista, democrática e revolucionária para apresentar ao partido e dar a ele um novo curso. Que tenha como eixo o combate ao capialismo, ao seu regime político e ao nacional desenvolvimentismo. Que se dirija para a classe trabalhadora, a juventude, os sem terras. Que rejeite as alianças com setores burgueses, estranhos aos interesses da classe trabalhadora. Que foque a aliança com os partidos de classe, o que se estreita o nosso leque de alianças, pelo menos pode fazer sim surgir claramente um pólo classista alternativo.

Só assim poderá se evitar a perda da oportunidade de reconstrução de uma alternativa que se iniciou com a construção do PSoL.

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