Brasil bajo Lula

 

Nota pública aos militantes do PT

Vamos chamar a construção de uma nova ferramenta política, um novo partido anticapitalista, antiimperialista, democrático, de luta e de classe, que inclua a pluralidade da esquerda socialista, incorporando todos os setores que queiram participar tanto do PT quanto os companheiros do PSTU que já tem chamado a construção de um novo partido.

Luciana Genro PT/RS
Babá PT/PA
João Fontes PT/SE

Agosto 2003

1) Consideramos que os oito meses do governo Lula são fartos em demonstrações de que a política do núcleo dirigente do PT provocou uma mudança brusca no partido. De oposição mais ou menos firme ao neoliberalismo, o partido tem sido transformado em pilar principal de sustentação dos planos capitalistas. Tem se integrado completamente ao regime político burguês brasileiro, um regime anti-popular, marcado pelo fisiologismo e pela sustentação de relações dependentes com os banqueiros internacionais e com o sistema capitalista imperialista dominado pela burguesia norte-americana.

2) Consideramos esse curso do partido irreversível porque a decisão do núcleo dirigente não é expressão apenas de um erro de percurso, de uma tática mal pensada ou de uma correlação de forças impeditiva de outro rumo, mas uma estratégia consciente, assumida, correspondente à defesa de interesses e privilégios de uma casta burocrática, uma casta na qual seus principais setores, via a gestão de distintas esferas do estado burguês, a administração dos fundos de pensão e as relações com os grandes empresários, buscam se converter diretamente em novos burgueses. Para isso precisam de um novo PT, como Tony Blair fez na Inglaterra montando o novo trabalhismo associado com os interesses de Washington.

3) Contribuiu na mudança irreversível do curso do partido a vergonhosa capitulação da maioria das direções da chamada esquerda petista. O exemplo maior dessa rendição se deu na votação da reforma da previdência, quando a maioria dos parlamentares da chamada esquerda votaram numa reforma, ou melhor dito, numa contra-reforma ditada pelo Fundo Monetário Internacional. Em alguns casos a capitulação foi patética. A simples ameaça de expulsão dobrou a espinha de políticos mais preocupados com suas carreiras políticas do que com a defesa de princípios, a exemplo de Lindberg Farias. Com o voto desta esquerda favorável a reforma, a possibilidade de uma resistência que detivesse a mão dura das expulsões foi desperdiçada, porque ao invés de dezenas de votos contrários à privatização da previdência e aos ataques aos servidores e aposentados dezenas de votos que obviamente provocariam uma enorme e positiva crise apenas três deputados petistas defenderam a orientação da greve nacional dos servidores e os direitos dos trabalhadores. No Senado, até agora a única que garantiu que não se curvará foi a Senadora Heloísa Helena, mantendo sua coerência com sua conhecida coragem. Coragem e coerência que a converteram na principal referência da esquerda brasileira depois que Lula começou seu governo burguês e, para completar, agora declarou que nunca foi de esquerda. As próximas reformas, em harmonia com a desastrosa política econômica de superávit primário e pagamento da dívida, seguirão na mesma linha neoliberal. Já está para ser votada a reforma tributária que transforma em permanente a CPMF, desvia os 20% da DRU para fazer superávit primário e concentra receita nas mãos da União, dificultando a vida de estados e municípios, não acabando com as desigualdades regionais tão prometidas pelo Presidente Lula. Vem aí, a Lei de Falência, a reforma trabalhista para privilegiar os mais ricos e autonomia do Banco Central, que de fato já é dominado pelos banqueiros via Henrique Meirelles. O desdobramento tem sido desemprego crônico, queda da renda, do consumo, arrocho salarial e aumento da dependência.

4) Como Tony Blair, para terminar de impor o New PT, o núcleo dirigente do partido decidiu expulsar a esquerda que resiste de modo decidido à política do governo de defesa dos interesses burgueses. Não se preocupam em desacatar e desrespeitar os próprios estatutos do partido para levar a cabo seu plano. Primeiro, convocaram uma Comissão de Ética para julgar os parlamentares por delito de opinião. Depois, aplicaram uma expulsão branca, sem deliberação do Diretório Nacional, cassando os direitos dos parlamentares (Heloísa Helena, Luciana Genro e João Fontes) de integrarem a bancada do partido no Senado e na Câmara. Finalmente, utilizaram e seguem utilizando a mídia nacional e a própria imprensa do partido para divulgar nossa expulsão sem sequer haver um parecer da Comissão de Ética, parecer aliás que já deveria ter sido emitido de acordo com as normas estatutárias. Sua intenção é clara: forçar nossa saída do partido sem ter que expulsar ou expulsar com o mínimo de impacto.

5) Declaramos em alto e bom som que não facilitaremos o trabalho dos novos serviçais políticos dos interesses burgueses de nosso país. Não deixaremos o partido antes da expulsão. Nos somamos a exigência feita pela Senadora Heloísa Helena de que a Comissão de Ética emita seu parecer e o Diretório Nacional o julgue imediatamente, ou que sejam anuladas todas as acusações e propostas de expulsão. Sabemos que as constantes protelações também visam impedir o povo de Alagoas de votar em Heloísa Helena para a prefeitura de Maceió e denunciamos essa manobra. Reiteramos a exigência a um Encontro Nacional imediato do partido. Se um Encontro Nacional dos militantes do partido avalizasse o curso traçado pela direção, não teríamos outra saída senão abandonar o PT. Mas isso não ocorreu. E se ocorrer depois das expulsões de nada servirá.

6) Sabemos, porém, que todas as demandas democráticas não tendem a ser respeitadas pelo núcleo dirigente do PT. Eles vão seguir sem apelar à decisão das bases partidárias hoje apenas consultadavia pesquisas do Ibope e portanto nada nos leva a crer que nossa expulsão branca seja revertida. E tudo indica que não teremos nenhuma instância de base no curto prazo, com a expulsão sendo finalmente decidida por um Diretório Nacional de cartas marcadas. Assim, ao mesmo tempo em que mantemos nossas exigências, aceleramos a articulação da construção de uma alternativa política para os trabalhadores e o país. Essa necessidade não responde apenas ao fato de que a democracia no PT está sendo esmagada. Mas principalmente ao abandono por parte do núcleo dirigente do partido das bandeiras históricas do PT. Esse abandono quebra o vínculo do partido com milhares de simpatizantes e militantes petistas e com os interesses de milhões de trabalhadores. A greve dos servidores públicos federais foi a principal expressão dessa ruptura em curso, mas não a única. Inúmeros intelectuais historicamente ligados ao partido tiraram a mesma conclusão de milhares de servidores públicos: o PT está defendendo os interesses capitalistas. Por isso, em contraste com o parlamento e com o Diretório Nacional, são centenas de milhares de amigos, simpatizantes e militantes do PT que apóiam as posições dos chamados radicais. É desse apoio que a direção do PT tem medo.

7) No Rio de Janeiro, onde fazemos esse ato público, a anunciada entrada no PSB de Vladimir Palmeira, fundador do PT e um dos principais símbolos da esquerda carioca é, por outra via, expressão da ruptura no partido e uma confirmação de que a disputa dos rumos do PT é uma impossibilidade evidente. Mas os que não aceitam a política da direção petista, os que rejeitam a entrada em siglas de partidos burgueses, sejam ou não legendas de aluguel, e tampouco aceitam apenas engordar algum partido de esquerda que não reúne as condições para converter-se num pólo de unidade dos socialistas e lutadores brasileiros devem ter a responsabilidade de discutir uma alternativa. A esse desafio estamos lançados.

8) Nossa responsabilidade é organizar a resistência dos petistas e a construção de uma nova alternativa com esses milhares de lutadores que dizem não ao New PT. Em primeiro lugar discutiremos exaustivamente com os militantes petistas, com os dirigentes sindicais lutadores e os ativistas sociais qual a alternativa que necessitamos. Decidiremos junto com eles e com a Senadora Heloísa Helena quais os caminhos a seguir. Não é demais lembrar que a opinião de Heloísa é para nós de enorme importância. A apoiaremos e a acompanharemos se sua decisão for de disputar a prefeitura de Maceió e estaremos com ela exigindo a democracia no partido no tempo que nos for possível manter de pé essa exigência. Nesse sentido, nossa própria expulsão é nosso limite, como é o limite de milhares de petistas que assinaram conosco o Manifesto de Urgência contra a fome, a miséria e o desemprego. Assim, como temos afirmado inúmeras vezes, depois da expulsão não iremos baixar nossas bandeiras nem fazer nossas malas rumo a passividade política. Vamos manter e aprofundar nossos vínculos com esses milhares de lutadores sociais que não mudaram de lado. Vamos chamar a construção de uma nova ferramenta política, um novo partido anticapitalista, antiimperialista, democrático, de luta e de classe, que inclua a pluralidade da esquerda socialista, incorporando todos os setores que queiram participar tanto do PT quanto os companheiros do PSTU que já tem chamado a construção de um novo partido.

9) Defendemos que esse novo partido seja anticapitalista porque estamos convencidos que o capitalismo apenas reserva mais miséria e fome, ameaçando a existência da própria espécie humana. Que seja antiimperialista porque o imperialismo é a expressão máxima da força destrutiva do capital, sua lógica bélica e parasitária levada às últimas conseqüências. Nosso país ou rompe com o imperialismo, com o Fundo Monetário Internacional, com a ALCA e constrói laços de solidariedade com outros países, particularmente na América Latina, com Cuba, com a Venezuela, com a Argentina, ou está condenado a ficar cada vez mais próximo da condição colonial.

10) Para a construção dessa ferramenta temos uma grande vantagem que facilita a unidade dos socialistas. Suas bases programáticas já estão lançadas e inclusive uma parte delas firmemente assumidas por um setor expressivo da classe trabalhadora. As bandeiras levantadas pela classe trabalhadora e que o PT levantou nesses últimos vinte anos são bases sólidas para começar a construção desse partido. A defesa das greves, do aumento dos salários, da redução da jornada de trabalho sem redução de salários, a defesa das ocupações de terra e da reforma agrária, a luta contra o Fundo Monetário e contra a ALCA, a bandeira do não pagamento da dívida externa e da estatização do sistema financeiro, a solidariedade internacional, enfim, no país há um acúmulo de medidas concretas, de bandeiras programáticas de transição ao socialismo, portanto que apenas podem ser implementadas com o enfrentamento contra o capitalismo e o imperialismo. Bandeiras que garantem, sem infindáveis discussões, a base programática para por de pé uma ferramenta política num tempo relativamente rápido.

11) Um novo partido deve privilegiar a luta e a ação direta dos trabalhadores e não as eleições, porque, como dizia o PT, só com luta a vida vai mudar, ainda que não pode desprezar a luta política em todos os espaços, entre eles o eleitoral. Afinal, apartada de qualquer controle sobre a propriedade e a produção - origem primeira do poder numa sociedade capitalista - a classe trabalhadora não conseguirá encontrar o caminho da mudança simplesmente pela participação eleitoral e pela ocupação de espaços no aparelho de Estado. Só haverá transformação social se rompermos com essa "democracia" do capital, para instituir uma ordem verdadeiramente democrática, da classe trabalhadora - compreendida como todos os que dependem apenas de seu trabalho para sobreviver - o que inclui hoje o conjunto dos assalariados, mas também os milhões de precarizados e desempregados. Defendemos também que um novo partido deve aprender as lições do PT e se vacinar contra o que foi sua principal falência: a colaboração de classes. Nesse sentido, além de um partido de luta, é preciso um partido classista, que rejeite a concepção da colaboração de classes, o governo comum com a burguesia e assuma a defesa da mobilização de massas para construir um novo Estado alicerçado na auto-organização democrática dos trabalhadores e setores populares, isto é, construir um verdadeiro governo dos trabalhadores e para os trabalhadores.

12) Outro antídoto determinante para evitar o curso tomado pelo PT, e uma necessidade elementar da construção de uma ferramenta efetivamente nova, é a questão democrática. Num partido democrático de verdade a base tem quer ter plenas condições de se organizar para debater a política do partido e para controlar os dirigentes e as figuras públicas do partido. Para isso, em primeiro lugar, é preciso núcleos militantes e organismos de decisão soberana na qual todos devem estar submetidos. Os militantes devem ser os que decidem através de encontros e congressos soberanos que não possam ser olimpicamente desrespeitados como faz a direção do PT com as resoluções dos Congressos e Encontros Nacionais do partido, nem substituídos por prévias e plebiscitos. Por último, mas não menos importante, um partido capaz de unir os lutadores e a esquerda socialista nas condições políticas atuais de nosso país deve respeitar as suas distintas tradições e sensibilidades, com proporcionalidade na conformação da direção e liberdade de debate no seu interior.

13) Sem isso, a fragmentação das forças socialistas é inevitável e perdemos uma enorme oportunidade de construir um pólo de referência à esquerda no país. Esse pólo, com certeza, com a aceleração dos confrontos de classes se verá obrigado a responder novos e maiores desafios. Mas o desafio que se abre agora, o desafio que assumimos abertamente como tarefa presente quando a expulsão for confirmada é iniciar a construção dessa nova ferramenta. Não ficaremos de braços cruzados nem nos contentaremos com debates. Vamos construir com todos os que quiserem, com todas as forças políticas de esquerda, com ativistas sindicais, estudantis, populares e camponeses, nesse ano e no ano de 2004 um movimento que busque apoiar as classes exploradas e oprimidas, incentivar sua organização independente e junto a essas forças buscar os apoios necessários para por de pé no país um novo partido, tratando de ganhar influência nos movimentos sociais, colaborar com lutadores anticapitalistas de outros países, conquistar a legalidade e intervir nas lutas para apresentar ao país uma alternativa socialista .

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