May - 14 - 2015

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Vivemos uma situação que – em meio ao aprofundamento da recessão, da crise política e da resistência dos trabalhadores – governos, Congresso Nacional e patrões estão impondo ajustes econômicos e outras políticas contra os interesses dos trabalhadores.

As disputas palacianas não impedem que Dilma e o Congresso Nacional não façam cortes em projetos sociais e aprovem leis que retiram direitos dos trabalhadores, como as da Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665 e a PEC 4330, respectivamente. Conjunto de ataques que se efetivado for significará derrotas históricas para os trabalhadores.

A repressão ao movimento dos professores e funcionários públicos do Paraná, que lutam contra os ataques à Previdência Social, parece que irá dar a tônica para o próximo período da luta de classes.

Em uma situação política que tende a se polarizar, dando-lhe um caráter mais encarniçado e de confronto direto, a esquerda independente deve superar a sua pulverização e começar a cumprir um papel decisivo na resistência dos trabalhadores.

No contexto dessa ofensiva burguesa que, apesar da divisão por cima, continua a ocorrer de forma ascendente, o movimento dos trabalhadores e da juventuderealiza lutas duríssimas em defesa de seus interesses imediatos. Mas, essa resistência continua fragmentada e ocorrendo dentro de uma perspectiva fragmentária, sem planejamento e despolitizada. Inepta, portanto, para fazer com que a correlação de forças vire a favor da classe trabalhadora.

As centrais sindicais marcaram para o dia 29 de maio um Dia Nacional de Paralisação contra a terceirização e as MPs do ajuste. Uma iniciativa muito importante, mas que se não assumira forma de uma luta mais intensa, que desemboque em uma greve geral contra os ajustes, o desemprego e por um programa econômico/político dos trabalhadores, não será capaz de repelir a ofensiva patronal.

A crise recessiva plenamente instalada no Brasil

A crise de superprodução se manifestou na forma de crise financeira, depois atingiu violentamente o financiamento dos estados e, em seguida, o financiamento privado. Nesse processo, em que se instalou uma espécie de depressão continua, na qual a recuperação se demonstra extremamente lenta, a crise se desloca para a periferia do sistema através do chamado fim do ciclo de expansão das commodities.

Assim, a base econômica sobre a qual se instalou o pacto lulista entrou em crise a partir do estouro da crise mundial em 2009. Como a crise inicialmente teve o seu epicentro nos EUA e Europa, houve uma rápida recuperação com a migração de capitais para os países periféricos, situação essa que possibilitou a continuidade dos governos petistas através da eleição do primeiro mandato de Dilma em 2010. Mas, passados os primeiros anos nos quais o governo considerava que a crise econômica no Brasil não iria passar de uma “marolinha”, a desaceleração econômica se instalou a partir de 2013 para não mais recuar.

Com a queda da exportação e do preço das commodities, a economia brasileira, que até então havia se beneficiado com as exportações ecom a migração de capital internacional em busca de condições mais favoráveis de valorização, perde o seu principal sustentáculo. Entramos, assim, em um espiral recessivo irrefreável que coloca em cheque a política social-liberal do governo e, por consequência, a coalização que governa desde 2002.

Durante os primeiros anos da recessão,o governo Dilmadesenvolveu uma política anticíclica que garantiu a lucratividade do grande capital. Mesmo com os baixos índices de crescimento econômico do primeiro mandato de Dilma – que teve um crescimento médio de 2,1% do PIB, considerado o pior desde o governo de Fernando Collor de Melo – houve condições de manter precariamente o pacto social eleito em 2002. Mas, apartir de 2013, a queda das exportações, o crescente endividamento público, a queda da arrecadação e a entrada em cena da classe trabalhadora fez com que os sinais de alerta da classe dominante soassem no sentido de que não haviam mais condições para a manutenção do patamar de lucratividade vivido até então.

Em 2014 o crescimento do PIB foi de 0,1% e as previsões para esse ano acompanham esta tendência de retração. Segundo estimativas das instituições financeiras consultadas pelo Banco Central (BC), a retração da economia deve ser de 1,8%. Se formos nos ater apenas à indústria, verificamos uma situação de retração ainda mais grave do que a apresentada pelo conjunto da econômica, pois nos últimos 12 meses a indústria teve uma queda de 4,7%. Em março deste ano registrava-se uma queda de 3,5% na produção industrial em relação ao mesmo mês de 2014, comparativamente essa foi a maior queda desde o ano de 2006. Para sermos mais específicos, podemos observar quena indústria automotiva o recuo em março foi de 4,2%.

Do social-liberalismo ao neoliberalismo puro e duro

Na segunda metade do seu primeiro mandato, ainda quando a economia contava com algum empuxe, Dilma fez uma tentativa frustrada de colocar algum limite à lucratividade do grande capital através do estabelecimento de um teto na taxa de retorno das concessões de obras públicas e através da redução da taxa de juros. Mas, a reação burguesa se fez na forma da queda generalizada na taxa de investimento e alta inflacionária, fazendo com que o governo cedesse totalmente ao grande capital nos períodos subsequentes.

De forma geral, a desaceleração constante da economia, combinada com o crescimento da polarização política fez com que a base de sustentação do governo fosse sendo corroída de forma contínua. Aeleição de 2014 foi a mais polarizada desde o pleito de 1989. Após outubro de 2014, com a recessão e a crise política plenamente instalada, Dilma,ao contrário do que afirmou durante toda a eleição,coloca-se a impor um ajuste fiscal que pretende chegar ao superávit de R$100 bilhões com o objetivo de dar garantias de que o governo, mesmo com a rigorosa crise recessiva, pagará a dívida púbica de forma impecável.

Agora, a crise econômica capitalista passa a se manifestar em toda sua potencialidade destrutiva e de maneira a colocar abaixo, definitivamente, o pacto político anterior e qualquer possiblidade de construção de um novo consenso que repactue o cenário nacional a curto prazo. A coalizão governamental eleita em 2002 entra em uma crise que, diferentemente das outras que viveu, como a de 2005, estão descartadas as possibilidades de recuperação, pois as condições estruturais da sua existência deixaramde existir. Não há mais condições de manter políticas neoliberais com a especificidade das experimentadas durante a era lulista, nas quais havia uma combinação de alta lucratividade, por um lado,com ampliação de políticas de compensação social, principalmente durante o segundo mandato de Lula, por outro.

Na eleição de outubro de 2014 fica claro que o governo perde sustentação nos setores-chave da coalização governista preventivaeleita em 2002. Perde sustentabilidade entre a grande burguesia que, apesar de não fazer parte diretamente, foi amplamente beneficiada pelas gestões dessa coalização eentre a classe trabalhadora industrial, setor esse que sempre teve espaço no núcleo do governo. Restando, assim, ao governo o apoio das empreiteiras – quebrada política e economicamente com a crise aberta com a operação da Policia Federal “Lava Jato” – e dos setores mais empobrecidos do proletariado, setores dos quais o governo, a partir do escândalo de corrupção e do ajuste econômico, está aceleradamente perdendo sustentação.

Como já estava mais do que antecipado, a escolha do governo Dilma diante da recessão é o de fazer um ajuste abertamente neoliberal com a expectativa de que as condições da exploração voltassem aos patamares anteriores e um novo ciclo de crescimento econômico seja retomado.[1] Porém, a situação econômica é muito diferente da vivida pelo governo Lula em 2003, pois não estamos diante de um novo ciclo expansivo e as políticas de ajuste estão colocando cada vez mais setores da classe trabalhadora contra o governo.

Radicalização da luta veio para ficar

A patronal, que obteve lucros fabulosos nos anos anteriores, diante do agravamento da recessão e da impossibilidade do estado em continuar concedendo vantagens fabulosas, como as isenções fiscais de toda ordem, não vacila na hora de cortar custos com força de trabalho. A última pesquisa do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) aponta que a porcentagem de desempregados chegou a 7,9% da força de trabalho. Número esse que comparado aos dos meses anteriores revela tendência ao crescimento.

Uma das consequências mais diretas da queda do crescimento econômico em uma economia capitalista é o desemprego, fenômeno que só pode ser contido com uma luta titânica por parte da classe trabalhadora. Mesmo com o agravamento da crise a partir de 2013,as baixas taxas de desemprego eram o principal sustentáculo da popularidade do Governo Dilma.Porém, este pilar fundamental de sustentação política do governo, com a instalação plena da recessão, implodiu inapelavelmente.

A crise econômica nessa conjuntura tem consequências políticas decisivas na relação do governo com a classe trabalhadora. Por um lado, abre espaço para a oposição de direita, que colocou o governo na parede com manifestações multitudinárias, mas, por outro lado, abre espaço também para a esquerda independente combater a ideologia de que é possível resolver os problemas dos trabalhadores sem o confronto com o capital e sem lutar contra o capitalismo.[2]

Mesmo estando extremamente fragilizado com a queda da popularidade (que chegou ao subsolo depois de poucos meses da sua eleição), com a profunda crise do PT (que está no centro do que está se demonstrando como o maior esquema de corrução da visto na história do pais), com a perda de controle sobre o congresso nacional (elementos todos que configuram a crise política mais profunda do que a vivida no governo Collor), o governo recupera a iniciativa política que tem hoje em seu centro transferir totalmente o custo da crise para os trabalhadores.

Como já havíamos apontado em outros textos, existe um processo importantíssimo de resistência dos trabalhadores contra os ataques aos seus empregos e condições de vida. Um dos exemplos mais importantes desse fenômeno de resistência são as greves operárias vitoriosas no ABC paulista contra a demissão em massa, greves que, apesar de não significarem vitórias cabais, ao evitar momentaneamente as demissões possibilitam que os trabalhadores articulem suas forças para repelir os próximos ataques patronais que já estão sendo preparados.[3]

Recentemente, as manifestações mais dramáticasde resistência à ofensiva patronal contra os trabalhadores vêm do lado dos servidores públicos. O funcionalismo público do Paraná no começo do ano ocupou a Assembleia Legislativa do estado fazendo o governo Beto Richa (PSDB)recuar em suas tentativas de ajuste. Esse movimento no dia 29 de abril dirigiu-se novamente à Assembleia para pressionar os deputados a não aprovarem o ataque ao sistema de previdência do funcionalismo público, projeto este que transfere para o sistema de previdência dos servidores custos governamentais alheios a previdência do funcionalismo público, o que significa colocar em risco o financiamento das futuras aposentadorias.

Só que dessa vez, sob ordens do governador Richa, foi realizada uma brutal repressão contra professores e funcionários. Estes foram recebidos por um imenso aparato repressivo que passou a ataca-los imediatamente e da forma mais covarde possível, gerando um saldo de 200 trabalhadores feridos. Essa brutal repressão foi condenada amplamente, o que obrigou o governo a demitir os titulares das pastas de educação e da segurança pública, além do comandante da polícia militar.

Em dez estados da federação ocorrem greves docentes contra os ajustes fiscais destes estados. É importante compreender que as condições que levaram ao enfrentamento entre governo e funcionários públicos no Paraná não são distintas das que estão postas nacionalmente. Causas comuns podem levar a distintas consequências, a depender de uma série de outras condições encontradas nos respectivos processos, porém, de uma forma menos radicalizadas ocorrem em vários pontos do pais greves de trabalhadores e funcionários públicos com o mesmo potencial explosivo encontrado no Paraná.

Estamos,assim, em uma situação na qual as lutas contra os ajustes em âmbito local e estadual estão ocorrendo de uma forma muito mais contundente do que no âmbito nacional, o que tem permitido, até o momento,ao governoDilma  avançar na efetivação do ajuste fiscal. Isto porque as consequências do ajuste ocorrem de uma forma mais imediata no âmbito local, nas demissões na indústria, nos cortes de verbas nos estados e municípios.

Por outro lado, ascentrais sindicais governistasque tem maior potencial de mobilização, principalmente a CUT, para não se enfrentarem com Dilma, não organizam efetivamente a luta em nível nacional, fazendo com que a radicalização que ocorre de forma localizada não ganhe vulto nacional. Isso foi justamente o que assistimos depois do Dia Nacional de Paralisação, em 15 de abril. Diante da pressão do movimento, a Câmara dos Deputados adiou a votação do PEC 4330, mas como as centrais não deram continuidade à luta, na semana seguinte, depois do feriado nacional, foi aprovada na Câmarados Deputados.

O mesmo ocorreu na última quarta-feira, quando a Câmara dos Deputados votou o texto principal da PEC 665, que amplia o tempo de vínculo empregatício necessário para a requisição do seguro-desemprego, passando de 6 para 12 meses. Essa votação configura um ataque brutal aos trabalhadores, principalmente àqueles mais jovens e menos qualificados, os primeiros a serem demitidos das empresas em uma situação de crise.

O trator sobre os direitos e condições de vida dos trabalhadores não irá parar por aí. Está na pauta de votação a PEC 664, que prevê a restrição na concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Além desses ataques aos setores mais fragilizados dos trabalhadores, uma série de outras medidas, como a restrição em programas como o FIES, por exemplo, estão sendo tomadas para transferir o custo do ajuste para os trabalhadores. Governo, congresso e patrões, apesar das rusgas, estão unificados em torno da imposição do ajuste fiscalanti-operário. Assim, temas secundários para o governo nesse momento, como o da terceirização, a partir da votação das medidas do ajuste fiscal serão negociados com a patronal e impostos futuramente se não revertermos a atual ofensiva patronal-governamental.

Construir Dia Nacional de Paralisação e fortalecer a esquerda independente

Pensamos, assim, que a radicalização das lutas recentes, como as verificadas no Paraná, deve ser encarada como tendência da luta de classes no próximo período, o que coloca a necessidade de tirarmos lições para que possamos contribuir no armamento político do movimento em sua luta para repelir a ofensiva patronal. Ofensiva essa que está em um momento ascendente apesar da resistência dos trabalhadores em vários locais.

Não podemos perder de vista que a centralização da luta nacional hoje passapela burocracia sindical governista que é obrigada a dar uma resposta aos trabalhadores se não quiser perder o controle do movimento. O problema recorrente da burocracia em qualquer parte do mundo é que sempre trabalha para construir ilusões de que não é necessário lutar diretamente contra os patrões e governo. Quando não pode evitar mais as lutas, trata de isolá-las ou quebrar sua continuidade. É exatamente esse modus operandi verificado na prática da burocracia europeia para enfraquecer as lutas dos trabalhadores contra os ajustes que estamos assistindo no Brasil.

No entanto, os brutais ataques estão obrigando a burocracia a tomar algumas medidas. Assim, se inscreve o Dia nacional de luta que ocorrerá em 29 de maio. Ter marcado um dia de mobilização é muito importante, porque mesmo contra a vontade da burocraciaessa atividade,se bem sucedida, pode criar condições melhores para a construção de uma greve geral.  Mas o tempo todo a burocracia irátentar controlar a luta para que não passe dos “limites”. Principalmente se a mobilização se voltar contra Dilma e o PT.

Por isso pensamos que a esquerda revolucionária no próximo período deve assumir uma responsabilidade histórica. Além de organizar a luta contra o ajuste fiscal nos lugares que tem penetração é necessário ir além. É recorrente em nossos textos a defesa da necessidade de abrir imediatamente um processo de discussão em torno da unificação entre Conlutas e Intersindical. Mas, nesse momento em que as lutas tendem a radicalização essa tarefa se coloca de forma ainda mais dramática.

No contexto atual, o enfrentamento ao governo e à burocracia político-sindical abre espaço concreto para a construção de uma alternativa de massas no interior do movimento sindical e, também, melhores condições para a conformação de um partido revolucionário que tenha peso político nacional.Mas, a maior parte da esquerda revolucionária, mesmo diante de importantes rupturas no PT, como o da Esquerda Marxista, negligencia essa tarefa. Ou seja, não há empenho político algum em encontrar caminhos para abrir o necessário debate em torno das possiblidades que se abrem para construir um partido revolucionário no Brasil com peso na ampla vanguarda e que possa disputar setores de massa com o PT e com a CUT.

Por isso, reafirmamos que, para incidir sobre a classe trabalhadora, contribuir de forma mais efetiva com a luta contra o ajuste patronal e começar adisputar a hegemonia com a CUT, PSTU e as correntes revolucionárias do PSOL devem dar passos concretos no sentido da unificação entre Conlutas e Intersindical. Em outra frente, a crise do PT – e do lulismo com um todo – abre uma possiblidade histórica para que a esquerda revolucionária dê um salto de qualidade. Assim, os setores citados acima devem abrir imediatamente o debate sobre a necessidade de unificar as correntes políticas dispersas para que no próximo período a esquerda revolucionária seja uma força decisiva na luta de classes.

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[1]Enquanto retira direitos dos trabalhadores, o governo garante à burguesia seus ganhos. Com o aumento seguido da taxa de juros, os bancos estão batendo recorde de lucratividade, o Banco Itaú, maior bando privado do Brasil, lucrou R$ 5,733 bilhões apenas no trimestre deste ano, o que significa um acréscimo de 26,8% em relação ao mesmo período do ano passado. O pagamento da dívida externa, só em março foi pago pelo governo R$76 bilhões, aprofundar a privatização da Petrobrás, inicialmente nos setores que devido a crise financeira a companhia não poderá investir, o governo está elaborando um pacote de concessões públicas que irá contar com a privatização dos setores de infraestrutura e de transporte em condições extremamente vantajosas.

[2]Ideologia representada pelo PT, partido que tem sido hegemônico no interior do movimento operário nas últimas décadas, e reforçada entre os trabalhadores pelos governos lulistas.

[3] A Volkswagen acaba de dar férias coletivas para 10 mil trabalhadores e sabemos que depois dessas férias coletivas novas tentativas de demissão em massa irão ocorrer.

Por Antonio Soler, Práxis – Socialismo ou Barbárie, 10/05/2015

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