Mar - 16 - 2016

Manifestações massivas reforçam ofensiva reacionária

Os atos desse domingo, dia 13 de março, ocorridos em todo o país pelo impeachment de Dilma e pela prisão de Lula foram em quantidade de participantes por mais que se tenha diferenças em torno dos números exatos os maiores desde os atos contra a ditadura militar na década de 1980.

Estas foram de fato manifestações multitudinárias, mas no quesito composição social estão a quilômetros luz de representar o “povo brasileiro” como querem fazer crer os comentaristas e colunistas da mídia burguesa. Além de uma composição social de classe média, o perfil político destas manifestações é claramente reacionário. Definir o caráter dessas manifestações sem se impressionar com a quantidade de exorbitante de participantes é o primeiro passo para que entendamos a dinâmica e o sentido que elas imprimem à dinâmica política.

As manifestações do domingo são o elemento que faltava para que depois de mais de um ano de crise política continuada o pedido de abertura de processo de impeachment de Dilma Rousseff, por “crime de responsabilidade fiscal” pudesse tramitar em um Congresso Nacional, profundamente questionado pela sua composição reacionária e ceivado por denúncias de corrupção que chegam a atingir centenas de parlamentares.

O governo está em uma situação de tal isolamento que mesmo os aliados – e mesmo a presidente – articulam cenários pós-Dilma. Após o último domingo o impedimento de Dilma através do processo de impeachment ganha força, mas outras saídas também estão em discussão, como a de uma manobra parlamentar que criaria uma mini reforma no sistema de governo com o objetivo de esvaziar o poder presidencial (manobra que está sendo chamada de semi presidencialismo) para evitar que o processo de impeachment, uma vez, que esse seria mais “traumático”, duraria meses e abriria espaço para um cenário de maior polarização política.

A perda de sustentabilidade é tamanha que Dilma convidou e pode nomear Lula para um ministério nos próximos dias, apesar de ainda não ser oficial, agências de notícias dizem que Lula já teria aceitado o pedido o que evidentemente representa um esvaziamento do poder presidencial, à medida que pela sua autoridade inevitavelmente quem passaria ao centro da cena governamental seria Lula.

Apesar do inevitável desgaste político que Lula sofreria ao ocupar um ministério de um governo à beira do abismo, comprometendo sua candidatura em 2018, o ex-presidente teria foro privilegiado e escaparia da mira imediata da operação Lava Jato que o investiga por lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Sua presença no governo é uma medida desesperada para tentar retomar a iniciativa, repactuando o ambiente político de forma a permitir o avanço de medidas que deem continuidade ao ajuste fiscal.

Mas mesmo com Lula no governo não parece provável que o rito do impeachment não se inicie no interior da Câmara do Deputados nas próximas semanas e a poderosa ofensiva reacionária termine com Michel Temer na presidência.

A despeito do que aponta alguns setores, não estamos diante de um golpe militar ou diante de uma medida de força contra a democracia burguesa que justifique o imediato alinhamento tático com o governo contra o “golpe”. Esse discurso não passa de ideologia governista para tentar convencer incautos a defender um governo que tira direitos, reprime o movimento e transfere para os trabalhadores a conta da crise.

Mas não podemos, por outro lado, desconsiderar que o impeachment ou mesmo uma saída mais mediada, nesse cenário de desmobilização dos trabalhadores e da juventude lutadora, pode levar a uma situação ainda mais desfavorável para os de baixo. Qualquer uma das saídas politicas aventadas nesse cenário de movimentação massiva de forças reacionárias – caracterização amplamente confirmada pelas manifestações de rua no último domingo – será desfavorável para os trabalhadores.

A ofensiva burguesa objetiva não apenas derrubar Dilma/PT do governo federal, mas para simultaneamente impor uma situação que permita ir até o final no ajuste neoliberal, impor retrocessos imediatos nas pouquíssimas conquistas democráticas e trabalhistas das últimas décadas e fazer a situação política retroceder ao momento pré junho de 2013, situação na qual o movimento de massas da juventude e dos trabalhadores há décadas vinha sufocado.

Esquerda socialista precisa superar suas inércias

A aceleração dos tempos políticos e a proximidade de um desfecho pela direita – mantidas as condições de temperatura e pressão – vai nos levar para uma situação de ofensiva ainda mais dura contra a classe trabalhadora e a juventude. Isso coloca para a esquerda socialista responsabilidades inauditas e a necessidade urgente de tomar iniciativas políticas no sentido de romper com o seu isolamento e apresentar o mais amplamente possível uma saída política diante desse cenário dramático.

Nesse sentido, pensamos que é necessário a superar três orientações problemáticas e que contribuem pouco para a construção de um campo de independência de classes que possa tirar a classe trabalhadora e a juventude combativa da defensiva.

Em primeiro lugar, temos a posição “oficial” do PSOL que se limita a apontar os “excessos” da operação Lava Jato, a “seletividade” da investigação que não se estende aos partidos da oposição e a defender as conquistas do “estado de direito”, além de se colocar “contra o impeachment” porque esse é um “instrumento de pressão” sobre Dilma.

A nota do PSOL não contribui para a construção de um campo de independência de classe à medida que sua posição contra o impeachment acaba cumprindo a função de apoio envergonhado ao governo, pois o que se trata hoje não é lutar contra o impeachment, mas sim lutar contra os ajustes, pela unificação da esquerda e principalmente por uma saída política própria dos trabalhadores.

A segunda orientação, que consideramos ainda mais problemática é de que uma saída pela esquerda não pode flertar com a direita como faz o PSTU através da política de “Fora Todos” , pois hoje a consequência prática e imediata dessa política seria ou a assunção de Michel Temer à presidência ou temporariamente Eduardo Cunha para uma nova eleição com condições e regras totalmente desfavoráveis aos trabalhadores.

Há uma espécie de cegueira recorrente na posição política da organização citada, pois sempre vê o movimento de massas como progressivo, popular e em disputa pela esquerda, o que é evidentemente um fetiche objetivista que alinha essa organização por várias vezes com a direita.

Mas, não estamos aqui a comemorar a debacle política do PSTU, fazemos sim um chamado honesto à militância dessa organização para que rompa com essa política que joga água no moinho da direita para que possam contribuir com a construção de uma frente com toda a esquerda socialista, para que essa possa ter força para construir junto aos trabalhadores uma saída política pela esquerda.

E a terceira que se faz comum em setores da esquerda socialista é a de se limitar em meio a uma crise política à luta contra os ajustes neoliberais sem pensar em uma alternativas globais. Essa posição parte de uma premissa correta, mas é totalmente insuficiente para o atual cenário. Não estamos apenas no campo do varejo, ao contrário, a burguesia atua em situações de crise para ganhar no atacado, são nos momentos de crises que a máxima de que política é a expressão concentrada da economia (Lenin) ganha mais concreticidade.

Pois a massa de direita e a oposição burguesa têm uma proposta global, querem derrubar o governo para impor uma situação abertamente reacionária e vão conseguir se não houver uma reação e projeto político a tempo dos trabalhadores e da juventude. E a esquerda socialista? Não podemos ficar em uma perspectiva que só atende os trabalhadores nos aspectos econômicos da crise (economicismo) enquanto a direita reacionária faz uma ofensiva política global contra os trabalhadores e fará retroceder todas as pequenas conquistas das últimas décadas, e não apenas as pseudo reformas lulistas.

Poderíamos até estar em uma situação em que se pense que não se poderia mais reverter a situação de ofensiva patronal, mas mesmo assim seria necessário dar a batalha por uma saída política classista. E no mais, temos reservas de combatividade – basta verificar o processo de resistência dos estudantes secundaristas em São Paulo e as ocupações de fábrica em curso contra as demissões – que nos permite tomar iniciativas e tentar criar um campo independente.

Nesse sentido, somos entusiastas do chamado feito por vários ativistas independentes no sentido de chamar todos os setores combativos a compor uma Frente de Esquerda como forma de construir iniciativas de luta concreta e criar de fato um campo de classes frente a ofensiva burguesa e a desmoralização governista.

Porque defender a Assembleia Constituinte

Pensamos que a política de frente não resolve os problemas se não for acompanhada de uma saída política que possa ser compreendida por amplas camadas de trabalhadores e da juventude. Por isso, pensamos que a proposta de uma Assembleia Constituinte Democrática e Soberana imposta pela mobilização nesse dramático cenário de ofensiva da direita se coloca cada vez mais como necessária. Em situações de crise política orgânica, como a que estamos vivendo, é necessário criar as condições para mobilizar amplamente.

Como não estamos em uma etapa de luta em que existem organizações de massas independentes, ampla consciência socialista ou poderosas organizações revolucionárias, é necessário apresentar uma proposta que esteja ao nível de consciência atual e que possa criar as condições para avançar para níveis de mobilização mais avançados. Essa proposta hoje na nossa opinião é a da Assembleia Constituinte com os adjetivos anteriormente colocados.

É importante esclarecer que não se trata evidentemente de uma assembleia composta pelos deputados que hoje compõem o Congresso e nem que seja eleita a partir das regras que temos hoje. Uma Assembleia Constituinte para ser democraticamente eleita tem que contar com uma campanha em que se tenha para todos os candidatos o mesmo tempo de rádio e TV, financiamento exclusivamente público de campanha e revogabilidade dos mandatos etc… Além disso, para ser soberana, as suas decisões constituintes de uma nova carta devem ser totalmente livres da pressão imperialista e totalmente acatadas pelos demais poderes da república. Claro que para sustentar esse processo é necessária uma ampla e radical mobilização popular.

Desta maneira, é evidente que para cosntrução dessa Assembleia deve se articular com outras iniciativas tática, como a construção de uma Frente de Esquerda, com a construção de uma greve geral contra o ajuste, com o apoio às categorias em luta salarial ou por emprego, particularmente com as ocupações de fábrica, movimento de mulheres, Lgbts, negros nas ruas, além de outras demandas.

A crise política exige saída política e isso implica em não aceitar os termos do jogo da política atual e o que a direita quer impor para o próximo período. Ou seja, diante dessa ofensiva reacionária global é necessário ter uma contraofensiva pela esquerda e também global.

Socialismo ou Barbárie, 15 de março de 2016

Categoría: Português